Fiado resiste em pequeno comércio
Prática, ainda comum em lojas de bairros periféricos, pode prejudicar as vendas
A evolução do sistema financeiro e das modalidades de pagamento não é suficiente para extinguir um comportamento muito antigo do vendedor: o fiado, quando a relação com o cliente é baseada na confiança de que ele vai pagar depois. De acordo com o presidente do Sindicato do Comércio Varejista e dos Lojistas de Belém (Sindilojas), Joy Colares, essa prática é muito comum nas lojas de bairro, ou seja, comércios pequenos que têm públicos específicos.
“Vender fiado é muito recorrente em pequenos negócios, em algumas localidades já conhecidas, como o Guamá, Jurunas e Marco, geralmente em empreendimentos como mercearias e de venda de alimentos, que têm consumidores fixos. No centro comercial da capital, por onde passam muitos clientes todos os dias, isso quase não ocorre mais”, comentou.
Conforme explicou o economista Luís Carlos Silva, do Conselho Regional de Economia do Pará e do Amapá (Corecon-PA/AP), o pagamento com cartão de crédito foi pensado a partir do fiado, já que muitos empreendedores perderam dinheiro ao conf iar em clientes que iam a suas lojas e prometiam pagar depois. É o caso de Paulo Oliveira, de 57 anos, proprietário de uma oficina que fica na avenida Doutor Freitas, no Marco, em Belém. Ao longo dos 22 anos que já conduz o negócio, o microempreendedor teve experiências negativas com clientes que deixaram suas dívidas em aberto.
Segundo ele, mesmo vendendo ap enas p ara quem confia, os calotes são constantes . “Quando tenho um amigo que prec i s a d e u m serviço e ele me pede para fazer, dizendo que vai pagar depois, eu faço sem problema. Mas fico muito chateado quando a pessoa não paga e nem dá satisfação. Tem gente que já deixou de vir aqui e falar comigo por causa da vergonha. Foi até para o concorrente. Se a pessoa não pode pagar, é melhor explicar do que mudar de loja”, desabafou Oliveira.
Apesar de conseguir se manter com o que ganha na oficina, o proprietário recorre a uma alternativa para arrecadar mais fundos: fazendo viagens intermunicipais. Isso porque ele não mora em Belém e vem todos os dias até a capital para abrir a oficina, uma viagem de 60 quilômetros. A loja é aberta, pontualmente, às 7h, e o vendedor só fecha às 19h.
“Eu morei aqui durante 25 anos, mas pagava aluguel e o preço ficou muito alto, então decidi voltar para Santo Antônio do Tauá, onde mora minha família. Como lá tenho casa própria, os custos são menores”, destacou. Oliveira cobre o valor gasto com gasolina por meio de corridas, trazendo, por um preço pré-definido, moradoras do município que trabalham em Belém. “Já me ajuda muito”, contou.
Caloteiros
Outro comerciante que teve problemas com os consumidores e agora precisa ser mais cauteloso é Carlos Lessa, de 70 anos, dono de uma frutaria na travessa 14 de Março, no bairro do Umarizal, também na capital. Antes de montar o empreendimento, ele trabalhava na Central de Abastecimento do Pará (Ceasa). Hoje, com seu negócio, que já tem três anos, o comerciante aprendeu a lidar com os caloteiros. “Parei de vender fiado porque muitas pessoas deixavam de pagar, agora só vendo se souber que o consumidor é bom pagador, não apenas por conhecer de rosto. Isso dá problema”, disse Lessa. Para ele, atrasar o pagamento não é problema, mas para vender de novo àquele consumidor ele precisa quitar toda a sua dívida.
Na opinião do economista Luís Carlos Silva, a principal dica para quem ainda vende fiado é ter confiança em quem está comprando, portanto, só vender para quem conhece. “Isso é fundamental. É o mesmo que emprestar cartão de crédito e dinheiro para alguém, você corre o risco de perder o dinheiro. Esse mecanismo é só para quem confia. A notinha foi muito válida até a década de 1970, mas quem faz essa negociação hoje está perdendo dinheiro”, pontuou.
A maior vantagem de extinguir essa modalidade e adotar os cartões é a segurança que o comerciante terá, além de não pagar taxa alta pelo uso das máquinas de débito e crédito. Para aderir a esse meio de pagamento e largar de vez o fiado, o vendedor precisa estar formalizado, com Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), ou como microempreendedor individual (MEI).
“É necessário buscar instituições especializadas nessa adequação, como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que orienta como se formalizar”. Para os dois vendedores, no entanto, oferecer a modalidade de cartão de crédito não é muito válida, já que eles dependem do dinheiro em espécie para fazer as compra de frutas e peças junto aos fornecedores, que só aceitam pagamento à vista.
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