Apesar de evoluções, mercado de trabalho ainda discrimina

Mulheres, homossexuais, negros, grávidas e pessoas com doenças graves são os que mais sofrem preconceito velado na demissão

Elisa Vaz / O Liberal
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Mesmo com os avanços na garantia de direitos trabalhistas, ainda ocorrem muitos casos de dispensas discriminatórias, que são as demissões que se dão por fatores como sexo, raça, cor, orientação sexual ou até mesmo doenças graves e gravidez. Um levantamento divulgado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) revelou que os processos de dispensa discriminatória mais que dobraram nos últimos seis anos.

Enquanto em 2015 foram registrados 332 novos casos no órgão, em 2020 o número aumentou para 1.184, um salto de 256,6%. Até maio de 2021, foram registrados 569 novos casos no Tribunal. Já o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT8) informou à reportagem que, no período de 2018 a 2021, houve uma diminuição nos casos desse tipo: passou de 128 a 95 casos com dispensa discriminatória. Apenas no ano de 2021, até o mês de setembro, foram registrados 87 casos de dispensa.

Doença grave

Advogada especialista em direito do trabalho, Arisa Galvão explica que não há um motivo “plausível” para o empregador dispensar o empregado – ele faz isso apenas pela condição em que se encontra. “Existe uma súmula do TST, de nº 443, que diz que, caso o empregador tenha o conhecimento do HIV ou de outra doença grave do empregado, ele não pode demitir o mesmo. Mas qualquer empregado que tenha sido demitido por característica pessoal, motivado por intolerância ou preconceito, se enquadra na dispensa discriminatória”, afirma.

image No caso do HIV ou de outra doença grave, o ônus da prova pela dispensa é do empregador (Anna Shvets / Pexels)

A diferença, segundo ela, é que, no caso do HIV ou de outra doença grave, a dispensa discriminatória é presumida, ou seja, o ônus de provar que não houve discriminação é do empregador, que precisa mostrar que não sabia da condição do empregado ou que a demissão se deu por outro motivo. Além da Aids, a advogada diz que se entende, na doutrina majoritária, como doença grave a hanseníase, neoplasia maligna, esclerose múltipla, lúpus e até mesmo câncer, justamente por causarem preconceito social.

“Mesmo assim, é sempre bom que o empregado junte no processo alguma prova de que o empregador já sabia de sua condição e o demitiu, porque, apesar da letra da lei constante na súmula, já existem jurisprudências que afastam a aplicação dela quando não há prova do conhecimento do empregador. Nos demais casos (sexo, cor, raça, orientação sexual), no entanto, o ônus é do empregado. As provas existem das mais diversas formas. Pode ser uma conversa por aplicativo de mensagem, onde o empregador trata o empregado de maneira preconceituosa; por meio de testemunhas que presenciaram algum tratamento diferente; entrega de áudios, documentos ou qualquer meio de prova; entre outros”, orienta Arisa.

Comprovação

Caso o trabalhador faça essa comprovação e se enquadre na dispensa discriminatória, a especialista ressalta que ele poderá escolher o que preferir. O artigo 4º da lei 9029/95 traz as consequências e opções, como a reintegração à empresa com o ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais; ou o recebimento, em dobro, da remuneração do período de afastamento, também corrigida monetariamente e acrescida de juros legais. No último caso, o trabalhador não volta para o emprego.

Se essa demissão ocorrer e o empregado optar pela reintegração, a empresa fica proibida de demiti-lo, explica a advogada, a não ser que comprove outro motivo para o desligamento, além de ser obrigada a fazer pagamento das verbas mencionadas. Na opinião de Arisa, o funcionário pode e deve pedir uma indenização por dano moral, que, em grande parte das decisões, é concedida na Justiça.

“A previsão da dispensa discriminatória é, com certeza, muito importante e beneficia o trabalhador. É triste que, em pleno século XXI, ainda tenhamos que conviver com tanto preconceito na sociedade. Já deveria ser óbvio que uma mulher, um gay, um negro ou um portador de HIV têm exatamente os mesmos direitos que todos os outros, mas, infelizmente, ainda não é. Então, para proteger o trabalhador que faz jus a uma condição que pode ser alvo de preconceito, é necessária que haja essa previsão legal e essas punições para quem não cumprir”, opina a advogada trabalhista. Ela, inclusive, acredita que as pessoas estejam mais aptas a buscarem seus direitos e denunciarem tais casos.

Fator pandemia

A diretora de imprensa e divulgação da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 8ª Região – Pará e Amapá (Abrata8), juíza do trabalho Léa Sarmento, acredita que esses aumentos também podem ter sido ocasionados pela pandemia da covid-19. Como os casos de demissões aumentaram e o desemprego também, houve mais ações trabalhistas e, consequentemente, as dispensas discriminatórias podem ter crescido.


Discriminação velada“Esse aumento de casos, provavelmente, ocorreu por conta da pandemia, em que muitas pessoas adoeceram, ficaram com sequelas da covid-19 e talvez essa situação tenha incentivado a demissão injustificada. Eu acredito que elas sempre existiram, mas agora temos mais um motivo, que é a covid-19. Acho que houve aumento de ajuizamentos pela grande quantidade de pessoas demitidas nessa crise econômica”, avalia Léa Sarmento. Mesmo no Pará, onde houve queda desse tipo de demissão, ela acredita que será possível observar o comportamento oposto no fim desde ano e no ano que vem, em relação ao ajuizamento de ações nesse sentido.

Para a magistrada, a maior dificuldade em relação aos casos de dispensas discriminatórias é que o preconceito ocorre de maneira velada. O primeiro desafio, na avaliação de Léa, é identificar que na demissão houve discriminação, porque, geralmente, ocorrem por trás de um ato aparentemente neutro. Uma vez identificado, outra dificuldade é fazer a comprovação de que realmente houve um ato discriminatório.

Esta é uma forma de demissão que nem sempre é possível identificar, na avaliação da juíza do trabalho. “Quando o empregador discrimina, ele não diz que vai demitir porque é mulher, é negro, é gay, está doente, está grávida. Então comprovar que essa despedida foi discriminatória é difícil. É muito importante divulgar, porque as pessoas não conhecem os seus direitos, procuram o Judiciário sobre demissões, mas não alegam despedida discriminatória, porque nem sabem que existe. Tem que haver um trabalho de conscientização para identificar isso e conscientizar as empresas sobre a sua responsabilidade social”, argumenta a diretora da Abrata8, Léa Sarmento.

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