Especial 'Falas da Terra' traz histórias de luta e resistência no Dia do Índio
Programa será exibido nesta segunda-feira, 19, logo após a novela 'Império'
É nesta segunda-feira, dia 19 de abril, a exibição do especial Falas da Terra, que traz o depoimento em primeira pessoa de 21 indígenas, colocando em evidência a pluralidade dos mais de 300 povos existentes no Brasil e sua diversidade cultural.
As histórias, que marcam a luta e resistência destes povos, permeiam diversas temáticas que fazem parte do cotidiano de cada um deles, como a preservação da cultura, língua e dos costumes dos diversos povos; a proteção do meio ambiente e da vida; o respeito à diversidade; as histórias de resistência e ativismo; a demarcação de terras; a invasão de territórios demarcados; a preservação das florestas; a importância da literatura para ajudar na conscientização; entre muitas outras.
Para Valdelice Verón Guarani Kaiowá, importante liderança indígena e uma das principais porta-vozes de seu povo Guarani Kaiowá, é importante que os brasileiros se informem e tenham consciência de que o Brasil vem depois dos povos originários.
“Temos nossa ciência e saberes tão refinados e complexos quanto dos europeus e de outros imigrantes colonizadores que aqui chegaram. Os livros de história e todas as narrativas são contadas pelos outros, não por nós. Portanto, é uma versão distorcida da história, que dificulta mostrar quem somos, onde estamos. Não temos visibilidade, pois isso de algum modo prejudicaria as estruturas de poder que estão inseridas no planeta. Ainda somos tutelados, nos colocam como incapazes, desprezando a nossa autonomia e capacidade. Estamos morrendo e isso não é algo que começou nesta década”, lamenta.
Valdelice perdeu seu pai, o Cacique Marcos Verón, além de irmãos e sobrinhas para esta luta por territórios. Para ela, o dia 19 de abril está sendo ressignificado pelos indígenas. “Hoje, vemos essa data como um dia de visibilidade. Ainda um pouco caricata, principalmente, pela Educação. Desconhecem e ignoram nossa história milenar. Gostaria que todas as pessoas que habitam o território do Brasil, antes Pindorama, que refletissem sobre os Povos Originários, e que entendessem que nós não somos pessoas ruins. Que acolhemos todos que chegaram nas suas caravelas portuguesas. Que nos tiraram tudo e que lutamos para sobreviver em nossa própria casa. E que mesmo com tantas maldades e opressão, rezamos por todos os brasileiros, para que Nhanderu toque nos seus corações. Não queremos muito, apenas viver com dignidade”, finaliza.
Beto Marubo, uma das principais lideranças ativistas dos povos isolados do Brasil, membro da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari e do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, luta pelo direito ao território, à proteção física e cultural e pela autonomia dos índios isolados.
Para ele, a falta de informação não está sozinha. Ela é somada à falta de vontade da população em apoiar a luta indígena. “As informações que se tem sobre os indígenas são informações que se acessam através dos livros de história, que geralmente foram escritas por um não índio, e também com um viés de preconceito, que estigmatiza os indígenas. O que vem à mente de cada brasileiro é que os indígenas são preguiçosos, que não têm cultura, religião, alma. Mas vejo o crescimento da vontade da população em apoiar essa luta, resultado das políticas de inclusão das cotas. Hoje, por exemplo, temos indígenas em grande parte das universidades existentes no pais”, diz Beto.
Para Beto, o dia 19 de abril se tornou uma “espécie de anomalia nos tempos modernos”. “Um país com mais de 200 milhões de pessoas só se lembra que existem povos indígenas no dia 19 de abril. Enquanto nós, indígenas, passamos as últimas décadas lutando durante os 12 meses do ano para que nossos direitos sejam respeitados, nossos direitos constitucionais. Para que possamos viver de acordo com nossos costumes, nossas necessidades, no interior de nossos territórios, para que possamos depender dos nossos recursos naturais para a nossa sobrevivência”, lamenta.
Alessandra Korap, líder indígena, detentora do prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos (2020), é uma voz potente contra os grandes empreendimentos e o garimpo na bacia do rio Tapajós. Ela é ativista contra a invasão dos territórios indígenas e a favor da demarcação das terras indígenas e preservação das florestas. Para Alessandra, o prêmio foi uma surpresa.
“Eu nunca imaginaria que a nossa voz com teimosia, nossa voz de gritar alto pra eles nos ouvirem, nunca imaginaria que chegaria tão longe, mas chegou. Eu chorava porque eu dizia que os homens eram surdos, que não nos ouviam, a gente tinha que cutucar pra eles olharem pra gente. Uma hora eles iam cansar e perguntar “o que esse povo quer?”. Estamos dizendo o que queremos. Respeito, queremos que parem com a construção de empreendimentos nos territórios, queremos ser consultados. Queremos ser ouvidos porque seremos os primeiros a serem massacrados, a serem expulsos. A gente não pode parar. Com nossas vozes eles estão se incomodando e vamos continuar falando. Enquanto não parar, enquanto não houver respeito, consulta de cada povo, não podemos parar de gritar”.
A líder indígena destaca ainda a motivação extra que enxerga na luta de mulheres. “O que move nossa esperança são nossos filhos, nossos netos. Pra eles que estamos lutando, pra garantir o futuro. Eu já ouvi dizer que índio não gosta de trabalhar, não gosta do progresso. Aí eu pergunto se o índio traz a farinha do mercado. Ele produz. De que forma? Ele vai plantar, colher, colocar o saco nas costas pra colocar de molho, ralar, peneirar, tudo no coletivo. E por último vai dividir. A caça não está amarrada, o peixe não está amarrado. O índio que busca a própria comida. A gente pensa no futuro, mas que futuro? A demarcação das terras indígenas, os nossos rios livres das barragens, da mineração... Queremos os rios livres para podermos tomar banho, lavar roupa, pescar. Nossa liberdade não é viver numa caixinha, não é viver preso. É andar. O espaço era nosso, era muito grande, muito maior do que se chama Brasil. Desde 1988 estamos brigando pela demarcação, mas antes era tudo nosso”, reforça Alessandra.
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