No Pará, presidente da Academia Brasileira de Letras recebe medalha e visita indígenas

Em entrevista exclusiva, Marco Lucchesi fala sobre autores indígenas, o ingresso de Fernanda Montenegro e Gilberto Gil à ABL e os rumos da produção literária no Brasil

Enize Vidigal O Liberal
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O presidente da Academia Brasileira de Letras, Marco Lucchesi, recebeu ontem à tarde a Medalha José Veríssimo, comenda comemorativa da Academia Paraense de Letras, durante sessão solene da instituição, em Belém. Na visita ao Pará, iniciada na última sexta-feira, 26, Lucchesi foi à aldeia indígena aldeia Zawar-Uhu, do povo Tembé, em Capitão Poço, Nordeste do estado, e, de volta à capital paraense, encontrou com indígenas que vivem no contexto urbano e também visitou o Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP).

Escritor, poeta, romancista e ensaísta carioca, Marco Lucchesi visitou vários estados brasileiros nos quatro anos em que ficou à frente da ABL, inclusive, esteve outras vezes no Pará. Dentre os lugares que percorreu estão comunidades ribeirinhas no Amazonas, favelas cariocas, terras indígenas e quilombolas e também presídios espalhados pelo Brasil.

O intuito dele é estimular a leitura doando livros da academia, mas, principalmente, conhecer as diferentes realidades que permeiam o Brasil. “Estou aqui como aluno para aprender (...) Tenho perspectiva de aprender com as culturas e as formas de ser”, afirma.

No próximo dia 9, termina o mandato de presidente da ABL. A nova eleição acontece em 2 de dezembro. Entusiasmado, Lucchesi promete voltar ao estado para conhecer Santarém, no Baixo Amazonas.

Confira a entrevista exclusiva de Marco Lucchesi a O Liberal, na qual ele não quis comentar sobre o recente Prêmio Jabuti:

O que representa para você essa medalha no Pará?

Simboliza a aproximação das duas academias (brasileira e paraense) pela própria história de José Veríssimo, que fundou essa e a outra academia. É um traço de união que representa um abraço de duas casas e de diversas pessoas vivas que comemoram um passado de proximidade.

image Marco Lucchesi recebe a medalha dada pelo presidente da Academia Paraense de Letras, Ivanildo Alves. (Igor Mota/ O Liberal)

No encontro com os Tembé você conversou sobre produção literária?

Eu tenho um grande interesse de conhecer a realidade que me desafia e enriquece. A visita às aldeias indígenas eu já as realizava na academia. Eu recebi os guarani em língua guarani (Rio de Janeiro), que estudei um pouco, e estou estudando agora nheengatu. Visitei terras quilombolas e tive compromisso intenso de visitar prisões em muitas partes do país.

O Brasil tem uma riqueza absolutamente admirável e boa parte dela está na região Norte. A perspectiva indígena me interessa muito, ela enriquece não só o Pará, mas o país. É uma direção, um paradigma, uma paixão, que precisa ser exercitada com generosidade, grandiosidade. Estou aqui como aluno para aprender.

Com a Marinha do Brasil firmamos um acordo para levar livros aos ribeirinhos nos Navios da Esperança, que levam médicos, remédios e exames. Fui convidado para acompanhar a entrega de livros no interior do Amazonas, no município de Novo Airão, no Rio Negro. Me encantei e pensei: preciso ir também ao Pará.

A vinda ao Pará foi para fechar o meu ciclo como presidente da academia. Eu vou embora na quarta (1º/12), mas eu volto. Vou a Tabatinga (Amazonas), antes do Natal, de barco, e vou de lá até Santarém. Isso me encanta muito.

As suas viagens têm sempre a perspectiva de estimular a leitura?

Mais do que qualquer outra coisa, eu nunca abandonei a condição de aluno, mesmo com os meus alunos. Tenho Paulo Freire no sangue. Tenho perspectiva de aprender com as culturas e as formas de ser.

A gente pensou lá na academia, há duas fomes no Brasil, por que não incluir um livro na cesta básica? Levamos livros para lares de longa permanência, comunidades... Além de aprender, eu tenho a compartilhar o sentimento de um brasileiro entre outros brasileiros. Eu não mandei livros para os quilombos, os indígenas e as comunidades, eu fui visitá-los e perguntei para muitos que livros eles queriam. Não é uma colonização.

Eu faço parte do grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para aperfeiçoar a questão da remissão da pena nos presídios (por meio da leitura). O principal é possibilitar as matrículas escolares nas prisões. Se a gente puder aperfeiçoar o que for mais humano, mais cidadão, isso vai ajudar muito o país.

image Lucchesi visita aldeia Tembé com a escritora Márcia Kambeba (Divulgação)

Tem muitos autores indígenas surgindo, como o você vê isso?

Estive com a Márcia Kambeba (autora e poeta paraense). Acho muito importante. O Brasil não se esgota no Centro-Sul. É uma relação muito narcisista, errada. Graças a Deus isso tem sido modificado. Quando eu dirigia a revista da Biblioteca Nacional, Poesia Sempre, fiz um ‘radar’ no início dos anos 2000, quando não havia a internet, para constatar a riqueza das vozes do Brasil. Tudo isso é um capítulo antropológico, mas é também um capítulo literário. Com essas duas formas a gente vai desenhando um novo país.

Recentemente, teve muita repercussão a eleição da Fernanda Montenegro e do Gilberto Gil à cadeiras da ABL. Como você vê isso?

A eleição deles aponta para uma compreensão mais larga da própria instituição e da forma da expressão artística da contemporaneidade. Parece uma discussão nova, mas não é. Desde o início da academia se discute isso com dubiedade: Machado de Assis acreditava que a ABL deveria ser só de literatos, mas Joaquim Nabuco achava que a condição para o ingresso era a produção de um livro com qualidade literária, porém, ele acreditava que as excelências em muitas áreas do conhecimento deveriam também fazer parte (Ele cita Ivo Pitanguy, Santos Dumont e Osvaldo Cruz como acadêmicos que são referência em áreas científicas).

A Fernanda é a nossa primeira atriz, hoje, mas tivemos Machado de Assis e Ariano Suassuna que escreviam e interpretavam. Gilberto Gil, rompe a guerra antiga desproposital entre o letrista e o poeta, mas já temos o Antônio Cícero na academia.

O meu desejo, enquanto brasileiro, é que a academia se torne cada vez mais espelho do país, com mais negros, mulheres, indígenas.

Em tempos de pandemia, como você avalia a produção e o mercado literários?

A Academia foi uma das primeiras instituições a fechar as portas (no Brasil). A academia levou uma série de atividades gratuitas virtuais. O sistema cultural brasileiro precisa de uma presença planejada constante e forte, pois vivemos situações difíceis que são histórias no país. Paulo Guedes quis taxar os livros no momento mais difícil. Nós fizemos a defesa do livro. Há uma mudança importante, que as livrarias estão enfrentando. A política de estado - e não de governo – é para facilitar a transição de suporte de saber. Viva o livro impresso e as formas eletrônicas do livro. Mas precisamos enfrentar uma política de estado séria. A leitura é um direito fundamental e disso não podemos abrir mão.

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