Márcio Souza morreu: escritores paraenses lamentam a perda para a cultura amazônica
Autor é lembrado pela obra de fôlego em prol da cultura da região e pela liberdade no Brasil
A Amazônia ficou silenciosa na madrugada desta segunda-feira (12), quando começou a circular a informação da morte do escritor amazonense Márcio Souza, aos 78 anos de idade, em Manaus (AM). Isso porque, ao longo de uma carreira como jornalista, dramaturgo, editor, roteirista e romancista brasileiro, Márcio fez o caminho inverso na região: ao invés de vir devastar as matas, poluir os rios e igarapés, traficar animais e pessoas, entre outras situações nocivas a todos os ecossistemas da região, ele legou livros, filmes e outras expressões artísticas expondo as entranhas da Amazônia para leitores de todos os cantos do país e do mundo. Escritores, leitores e público em geral lamentam a morte desse autor. O Governo do Amazonas decretou luto oficial de três dias pela morte do romancista.
A família do escritor informou que Márcio Souza passou mal no domingo à noite (11). Assim, foi levado para um Serviço de Pronto Atendimento (SPA), na capital amazonense. No local, Márcio teve uma crise de diabetes e, em seguida, uma parada respiratória.
Márcio Souza enfrentou a Ditadura Militar nunca deixou de manter a luta pela liberdade de expressão, pela continuidade das manifestações culturais no Brasil. Nesse perídoo, ele chegou a ter trabalho censurado e a ser preso, entre outras situações adversas.
Márcio estudou Ciências Sociais na Universidade de São Paulo e escreveu críticas de cinema e artigos em jornais e revistas do Brasil. Foi uma das estrelas da Feira Pan-Amazônica do Livro, em Belém (PA), na versão de 1997. Atuou como presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e como professor, escritor e palestrante em universidades pelo mundo.
Ficção e realidade
A obra de Márcio Souza é um apanhado instigantes sobre aspectos estruturais da realidade amazônica, sempre com ironia, textos elegantes e imagens marcantes a partir de uma pesquisa aprofundada sobre personagens, saberes e a história da região. "Márcio Souza é um dos gigantes da Amazônia. É uma pena perdê-lo, justamente quando a Amazônia começa novamente a ocupar todos os espaços por causa da COP30 que vem aí. Como autor, ele escreveu grandes livros, "Mad Maria" (que virou minissérie na TV Globo) e inúmeros outros muito famosos. Escreveu peças de teatro maravilhosas; um grande nome da Amazônia que se vai. Márcio Souza furou o bloqueio que nós temos, chegar no sudeste, apareceu e falou em nome da Amazônia. Enfim, acho que é uma grande perda, a Amazônia chora, a perda de Márcio Souza" declara o escritor paraense e diretor do Theatro da Paz, Edyr Augusto Proença.
Para o escritor, trovador e professor paraense Antônio Juraci Siqueira, a obra de Márcio Souza merece sempre ser conferida por gerações de leitores e público em geral. Isso porque, como diz, ela abrange o aspecto ficcional e também o histórico da Amazônia. "É uma pena. Trata-se de um grande escritor, e eu destaco os livros "Lealdade - Um país morreu para o Brasil nascer", em que ele aborda a história da Cabanagem. Outro livro também muito interessante é "A Resistível Ascensão do Boto Tucuxi", além de outros no conjunto da obra dele", afirma Antônio Juraci.
Identidade
Paulo Nunes, escritor, professor e pesquisador de literatura da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e da Universidade da Amazônia (Unama), também sente o falecimento desse autor baré. "Márcio Souza é uma referência em se tratando da cultura amazônica. Multifacetado: jornalista, pensador, dramaturgo, romancista, ele tinha uma relação bem próxima com o Pará, desde o parentesco com Inglês de Souza, até a amizade com Paes Loureiro é Violeta Loureiro, com os quais tinha uma interlocução intensa", ressalta.
"Um dos autores mais lidos pelos paraenses até os anos 90, Márcio foi leitura dos vestibulares das principais universidades de Belém, que recomendavam seu romance,"Galvez, o imperador do Acre", da editora Marco Zero; livro sarcástico sobre a ocupação da Amazônia brasileira. Nos fins dos anos 90, eu, Josebel Akel Fares e José Guilherme Fernandes o convidamos para um simpósio sobre cultura e literatura amazônicas, patrocinado pelo Ministério da Cultura. Foi um dia rico, sobretudo graças à palestra dele, densa e esclarecedora", relembra Paulo Nunes.
Diante da morte do autor de "Breve História da Amazônia", "O Empate Contra Chico Mendes", "Crônicas do Grão-Pará e Rio Negro" e "O Brasileiro Voador", entre outros tantos títulos, Paulo Nunes pondera: "Com a perda de Márcio uma lacuna se abre em nossa cultura. O que nos consola? O fato de ele ter nos legado uma obra rica e dinâmica, que contribui com parte significativa Pará nossa identidade de amazônidas".
Tristeza
Para o escritor e professor paraense João de Jesus Paes Loureiro, "Márcio Souza foi e continuará sendo um amigo-irmão, porque nós nos conhecemos em plena juventude, lá em Manaus (AM), na época do Clube da Madrugada, e, aqui, em Belém quando ele vinha, e, em outros lugares, quando ele esteve em funções públicas, como, por exemplo, diretor da Biblioteca Nacional, coisas assim".
"Eu sempre o visitava. Nós tínhamos uma fraternal e irmã relação de convivência. Eu acompanhei quando foi lançado o primeiro livro dele, até li um pedaço do original lá em Manaus (AM). Li os originais e, então, pude, depois, avaliar a repercussão que teve. Então, essa amizade é grande, eu estou muito triste, com pena de uma perda como essa. Mas, o Márcio Souza foi aquele que abriu as portas do romance contemporâneo da Amazônia para o Brasil e para o mundo, justamente com o primeiro livro dele, o 'Galvez, o Imperador do Acre', que lançou nacionalmente o Márcio e depois a obra dele toda confirmou o valor literário que ele tem e que a Amazônia toda celebra, como o Brasil e como o mundo também", completa o poeta Paes Loureiro.
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