Legião Urbana em Belém: chinelada em show marca relação dos fãs com a banda há 38 anos
Clima não foi mais o mesmo depois que a banda saiu do palco, para nunca mais voltar completa a Belém
Em 1987, o local de shows em Belém era o Ginásio da Escola Superior de Educação Física, na esquina da avenida João Paulo II com a Vileta, no bairro do Marco, mesmo sem acústica boa e acomodações confortáveis. E foi nesse espaço, em 1987 (há 38 anos), que se deu o único show da lendária banda Legião Urbana, com a presença do vocalista Renato Russo, em Belém. Renato completaria 65 anos de idade nesta quinta-feira, 27 de março. Naquele show, Renato foi atingido com uma chinela jogada da plateia, e show terminou com essa agressão ao cantor. Nunca mais a Legião tocaria em Belém com sua formação principal.
Renato Russo faleceu em 1996, por complicações causadas pela AIDS. Para muitos fãs da banda, aquele momento em Belém marca a história da banda.
No show
O radialista, jornalista e produtor cultural Ney Messias estava no show do Legião Urbana em Belém. Ney conta que era um show de aniversário da rádio Liberal FM, e, naquela ocasião, além de ser locutor da emissora ele atuava como coordenador da rádio. “Esse show era pelo aniversário da Rádio, e nosso diretor, Ronaldo Maiorana, resolveu trazer, com outros parceiros, a Legião Urbana, que era a banda do momento no Brasil, e ocorreu esse fato todo. Quem estava apresentando o show era eu, e outro amigo meu da Liberal, Nelson Forte, o Nelsão”, relata.
“Eles estavam fazendo um show lindo, era um show que todo mundo queria ver. Eu acho que a banda fez de 70 a 80% do show. E em um momento do show, alguém resolveu jogar uma sandália nele (Renato Russo). Do nada. Um show pacífico, tranquilo. Resolveram jogar uma sandália que pegou no peito dele, enfim. Então, ele pegou a sandália, mostrou a sandália para a plateia e disse: ‘Olha, acabou o show!’. E foi embora”, relembra Ney Messias.
O clima ficou tenso no ginásio, e o público querendo que a banda voltasse para o palco. “Daí, eu e Nelsão fomos ao camarim falar com a banda. A banda toda queria voltar, menos ele (Renato Russo). O show só não continuou por causa do Renato Russo. Pela banda, eles voltariam. E eu e Nelsão tentando convencer o Renato a voltar, e ele disse: “Não, não volto mais! É um desrespeito a mim. Não vou admitir esse tipo de coisa, e então acabou o show’. E o show acabou, não teve mais show”, ressalta.
Fala-se que Renato Russo teria dito que cantaria ‘Índios” aos “índios paraenses” (no sentido perjorativo da palavra “indígenas”). Daí, o caso da chinelada no vocalista da banda. No entanto, Ney Messias esclarece que as coisas não se deram assim.
“Não teve absolutamente nenhum motivo. Isso é uma lenda urbana que foi criada, essa história da música ‘Índios’. Existe um preconceito nessa brincadeira, e é por isso que ela vicejou, inclusive. Mas, em nenhum momento, ele tocou a música ‘Índios’ ou estava tocando ou ao iniciar a tocar música ofereceu à plateia. Nada. É uma lenda urbana, é uma grande de uma mentira que se transformou que em verdade ao longo desses anos, de tanto ser repetida, mas isso é mentira, 100% mentira”, enfatiza Ney.
Marcante
Quem também estava nesse show do Legião Urbana era o jornalista e cineasta Ismael Machado. Ismael conta que nesse espaço assistiu a diversos shows de cantores e bandas brasileiras, em especial o pessoal do rock do ano 80. Sobre o show, ele conta: “Eu me lembro de não ter dinheiro para comprar o ingresso e fomos eu, minha namorada da época e a irmã dela, vender roupa usada no Bengui. Aqueles brechós de rua de colocar na calçada e a galera vir pra cima comprar. Foi assim que adquirimos os ingressos. De forma bem inusitada”.
“Outra coisa curiosa em relação a esse show é que chegamos cedo e testemunhamos um lance interessante. O Renato Rocha, o baixista, procurando no centro da quadra a carteira de identidade. Ele havia perdido. Anunciaram inclusive pra quem por acaso achasse que rolaria uma graninha”, diz Ismael Machado.
Sobre o incidente no palco, Ismael afirma: “Tem muita lenda irreal sobre esse episódio. O show estava bem bacana. O cálculo que eu posso dar é que, por exemplo, se o show tinha duas horas, já tinha rolado uma hora e meia. Estou falando de percepção temporal do show. Já devia ter rolado uns 75 por cento. Eles começaram com uma música que ainda não tinha sido lançada em disco, ‘Conexão Amazônica’. O repertório básico era dos dois primeiros discos”.
Ismael esclarece sobre a informação circulante de que Renato Russo teria dedicado “Índios” perjorativamente aos paraenses. “O próprio Renato Russo deu uma entrevista sobre isso, negando essa história de ter dedicado ‘Índios’ para os paraenses. Isso é uma balela danada. Agora, o que ocorria na época é que a galera era meio moleque em shows mesmo. O Paulo Ricardo levou uma garrafada de plástico na testa no show em 1986. Eu vi isso. Teve um lance num dos shows dos Titãs com o Nando Reis também. Tem uns vídeos antigos de shows na Praia do Arpoador no Rio de Janeiro, naquele programa Mixto Quente que começa a ter guerra de areia. Enfim, o povo ia meio nessa onda mesmo”.
“Dois fatos curiosos que ninguém relata quando fala desse show da Legião. Antes de começar, a galera chegando, se ajeitando, um radialista da Rádio Liberal na época pediu pro pessoal se comportar e não atirar nada no palco, porque um show em Fortaleza tinha sido interrompido pelo Renato por causa disso. Já era um prenúncio. E outra coisa é que no meio de ‘Eduardo e Mônica’, o Renato Russo se incomodou com o canhão de luz que estava na cara dele. Pediu duas vezes para desviarem o foco. Na terceira vez, deu um esporro brabo. Ou seja, aos poucos, o clima para ele já devia estar ficando estranho. Mas o Renato tinha uns repentes esquisitos, né?”.
“O que jogaram nele foi uma sandália. Ela atingiu ali mais o pedestal do microfone do que atingindo o rosto dele mesmo. Mas deu aquela batida de leve né? Eu lembro que ele pegou a sandália, mostrou para o público e disse ‘Boa noite, Belém’. E saiu do palco. O Dado seguiu logo atrás. E aí se esperava que a banda voltasse, mas não voltou. Ficamos esperando, esperando...rolaram uns apupos, mas não houve nenhuma confusão braba. Um pouco de decepção. Depois de uma meia-hora todo mundo foi saindo. Já li gente dizendo que depois rolou som de Nirvana nas caixas de som. Nem existia Nirvana ainda. Vale lembrar que antes havia uma coisa bem legal.. Voltamos pra Icoaraci meio decepcionados, mas ainda assim cantando Legião Urbana. Coisas de adolescente”, finaliza Ismael.
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