História das primeiras aparelhagens de Belém é contada em documentário feito ao longo de 12 anos

Quem vê a aparelhagem Crocodilo abrir a boca em meio a um show de pirotecnia aliado a uma quantidade gigante de luzes e telões de led, certamente nem imagina que a história das aparelhagens no Pará tem mais de meio século. Um recorte dessa narrativa, que tem traços da cultura do sound system jamaicano atravessado pelos ritmos caribenhos, está no documentário “Hoje Estamos Aqui”, uma co-produção entre o Brasil e os Estados Unidos. O filme tem sessão única no Cine Líbero Luxardo (Centur) nesta segunda-feira (25), às 19h, com entrada gratuita.

O curta-metragem apresenta um retrato íntimo de Milton Nascimento (1938 - 2019) - não o Bituca - uma figura de relevância histórica no movimento das aparelhagens do Pará desde a década de 1950. A história do técnico de som autodidata, criador da celebrada aparelhagem Alvi Azul, é o ponto de partida escolhido pelo diretor norte-americano Darien Lamen para contar a história das primeiras aparelhagens sonoras de Belém.

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Narrado pela própria família de Milton, o documentário mostra também a dificuldade de preservar o passado em um cenário cultural que costuma valorizar mais a novidade do que as raízes. Uma história singular e ao mesmo tempo universal que aborda questões de memória, trabalho e patrimônio.

Junior Almeida, DJ e também filho de Milton, é um destes narradores do filme. Ele conta que a produção partiu de um longo trabalho de pesquisa de Darrien, iniciado há mais de uma década. O diretor norte-americano fez uma série de viagens à Belém ao longo deste período, onde conheceu Milton e sua história.

“Ele [Darrien] pegou meu pai bem de saúde, mas meu pai foi adoecendo, teve um tumor no cérebro. Nesse período ele ia e voltava. Vinha sempre em julho fazer as gravações e depois voltava para os Estados Unidos”, conta Junior.

O montador de aparelhagens Milton Nascimento (Darien Lamen/Divulgação)

Darien é um pesquisador e cineasta norte-americano que trabalha com cultura paraense desde 2008. Doutor em etnomusicologia, Darien também é diretor do premiado documentário “Clarissa Uprooted: Youth and Elders Uncover the Story of Black Rochester” (2020).

História de afeto, legado e aparelhagem

O diretor conta que chegou à porta de Milton Nascimento em 2008, quando começou uma pesquisa em Belém sobre a influência da música caribenha na cena musical da cidade. “Me interessei pelo papel que os antigos sonoros, as aparelhagens, faziam nos anos 50 e 60, em divulgar a música caribenha. E aí eu fui bater na porta do Milton Nascimento, o pai do Júnior, e por aí começou aí a nossa parceria”, relembra Darien.

'Hoje Estamos Aqui' tem sessão do Líbero Luxardo, em Belém (Divulgação)

Ao longo de todos estes anos de pesquisa, Darien foi além da família de Milton. Ele conta que tem uma série de entrevistas gravadas com pessoas que também fazem parte da história das aparelhagens, como locutores, carregadores, dançarinos e até vendedores de discos. Este material ficou fora de “Hoje Estamos Aqui”, onde o diretor escolheu contar a história da família de Milton, uma história de legado, que parte principalmente de Junior.

“A gente focou mais na história do seu Milton e a relação do Junior com essa história do pai, da família, do legado, essa busca pelas raízes da própria família[...]. Essa foi uma escolha minha como diretor, de tentar contar a história das primeiras aparelhagens de Belém através desse olhar mais íntimo, para essa relação entre pai e filho, aquela coisa da empresa familiar que faz parte também da história dos dos sonoros”, conta.

Ainda este ano, o filme deve passar por alguns festivais. O título, inclusive, já foi selecionado para alguns no Brasil, e Darien conta que aguarda retorno de outros na América Latina e também nos Estados Unidos. O plano futuro é disponibilizar a produção em um site, atualmente em reconstrução, junto com todas as entrevistas da pesquisa de Darien.