Colunista critica Beyoncé por 'glamorizar negritude', e Iza e Tia Má rebatem

Lilia Schwarcz recebeu críticas de ativistas negros pelo texto em que critica "Black is King", novo álbum visual de Beyoncé

Redação Integrada
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O novo álbum visual de Beyoncé, "Black is King", lançado na última sexta-feira (31), foi só elogios ao longo do final de semana. Mas no domingo (2), um texto que criticava a obra chamou a atenção, gerando discussões sobre racismo, lugar de fala e privilégio branco.

A antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz, disse em sua coluna da Folha que o projeto de Beyoncé chegou em boa hora, considerando os protestos do movimento antirracista que se intensificaram nos Estados Unidos após o assassinato de George Floyd. O texto, no entanto, teve passagens consideradas problemáticas por usuários das redes sociais, a começar pelo título, que dizia: "Filme de Beyoncé erra ao glamourizar negritude com estampa de oncinha".

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Como tudo que Beyoncé faz, seu novo álbum visual, Black is a king, chega causando polêmica e trazendo muito barulho. Ele se baseia no projeto The Lion king: the gift, álbum de 2019, lançado conjuntamente com o filme da Disney. Nele, a cantora e compositora retoma a história clássica de Hamlet, personagem icônico de Shakespeare, mas a ambienta em algum lugar perdido do continente africano.O Hamlet de Shakespeare se passa na Dinamarca e conta a história do príncipe que tem como missão vingar a morte de seu pai, o rei, executado pelo próprio irmão, Cláudio. Traição, incesto e loucura são temas fortes da trama e da própria humanidade, de uma forma geral. Já a versão da Disney é ambientada na África e tem como personagem principal uma matilha de leões – os “reis dos animais”. No enredo, o filho Simba, herdeiro do trono, instado pelo irmão invejoso, desobedece o pai e, não propositadamente, acaba sendo o pivô da morte dele e de um golpe de Estado. O tema retoma a culpa edipiana do filho que não conseguindo vingar ou salvar o pai, perde seu prumo na vida e esquece sua história. Já Beyoncé, evoca mais uma vez a tragédia de Hamlet, mas inverte a mão da narrativa. Simba vira um menino negro que procura por suas raízes para conseguir sobreviver no mundo racista norte-americano de 2020. Só não era necessário esteriotipar dessa maneira uma África isolada e perdida no mundo com muitos leopardos e oncinhas. Melhor Beyoncé sair da sua sala de estar e tomar mais ar de realidade. (Matéria completa na Ilustrada, Folha de. S Paulo)

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Em seu texto, Lilia disse que, “causa estranheza que a cantora recorra a imagens tão estereotipadas e crie uma África caricata e perdida no tempo das savanas”. “Nesse contexto politizado e racializado do ‘Black Lives Matter’, e de movimentos como o ‘Decolonize This Place’, que não aceitam mais o sentido único e Ocidental da história, duvido que jovens se reconheçam no lado didático dessa história de retorno a um mundo encantado e glamorizado, com muito figurino de oncinha e leopardo, brilho e cristal”, escreveu.

Ainda na coluna, a professora argumentou que essa “África idílica combina com o ritmo e a genialidade da estrela do pop“. “Visto sob esse ângulo, o trabalho é uma exaltação, bem-vinda e sem pejas, de uma experiência secular que circulou por essa diáspora afro-atlântica e condicionou sua realidade. Mas o álbum decepciona também. Quem sabe seja hora de Beyoncé sair um pouco da sua sala de jantar e deixar a história começar outra vez, e em outro sentido”, declarou Lilia, que em 2006, foi uma das personalidades a assinar um manifesto contra as cotas raciais.

Críticas e o privilégio branco

O discurso de Lilia, mulher branca, gerou revolta entre representações do movimento antirracista no Brasil, assim como personalidades negras. Uma destas foi a cantora Iza, considerada uma das mais influentes da música brasileira atual, que se posicionou contra as críticas feitas pela antropóloga. 

Iza criticou o artigo que dizia que “Diva pop precisa entender que a luta antirracista não se faz só com pompa, artifício hollywoodiano, brilho e cristal”.

“Quem precisa entender sou eu. Eu preciso entender que privilégio é esse que te faz pensar que você tem alguma autoridade para ensinar uma mulher negra como ela deve ou não falar sobre o seu povo. Se eu fosse você (valeu Deus), estaria com vergonha agora. Melhore!”, disparou a cantora, que na versão dublada de "O Rei Leão" deu voz à Nala, dublada por Beyoncé no idioma original.

image Iza critica texto de Lilia (Reprodução/Instagram)

O ator Ícaro Silva também falou sobre o assunto, comentando em uma das postagens da professora. “Você é uma grande, grande vergonha. Não somente para o Brasil e para o povo preto, mas para todos os povos aqui presentes. Não vejo por onde defender seu declarado racismo, sua arrogância branca elitista em se dar o direito não somente de reduzir uma obra prima ao nicho ‘antirracista’, mas em acreditar que tem conhecimento antropológico sobre África”, escreveu ele.

“Obviamente não tem, ou não teria reduzido a pele de um bicho sagrado à estampa que peruas de sua classe insistiram em apropriar em sua cafonice colonialista. Profunda vergonha, profundo constrangimento em ser contemporâneo dessa pessoa. Nos deixe em paz, nenhuma obra nossa estará sequer perto de sua reduzida compreensão”, enfureceu-se Ícaro, que deu voz ao personagem Simba em "O Rei Leão".

A jornalista, influenciadora e ativista Maíra Azevedo, a Tia Má; também usou suas redes para apontar os problemas do discurso de Lilia. “O erro é uma mulher branca acreditar que pode dizer a uma mulher preta, como ela deve contar a história e narrar a sua ancestralidade. A branquitude acostumou a ter a negritude como objeto de estudo e segue crendo que pode nos dizer o que falar sobre nossas narrativas e trajetórias. Lilia é uma historiadora, pesquisa sobre escravidão, mas está longe de sentir na pele o que é ser uma mulher preta”, destacou.

“Enquanto todas as pessoas negras se emocionam, se reconhecem e se identificam, a branca aliada diz que Beyoncé deixa a desejar! É isso! No final, [somos] nós por nós e falando por nós! Como diz um provérbio africano: ‘enquanto os leões não contarem suas próprias histórias, os caçadores seguirão sendo vistos como heróis’. E aqui, quando a gente conta, dramatiza e sonoriza, querem apontar o roteiro! Parem! Estamos no comando das nossas narrativas!”, concluiu Tia Má.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

O erro é uma mulher branca acreditar que pode dizer a uma mulher preta como ela pode contar a história e narrar a sua ancestralidade. A branquitude acostumou a ter a negritude como objeto de estudo e segue crendo que pode nos dizer o que falar sobre nossas narrativas e trajetórias. Lilia é uma historiadora, pesquisa sobre escravidão,?mas está longe de sentir na pele o que é ser uma mulher preta. @beyonce do alto da sua realeza no mundo pop nunca deixar de ser negra, mesmo sentada no trono em sua sala de estar. A branquitude segue acreditando que pode nos ensinar a contar nossa própria história. Enquanto todas as pessoas negras se emocionam, se reconhecem e se identificam, a branca aliada diz que #beyonce deixa a desejar! É isso! No final nós por nós e falando por nós! Como diz um provérbio africano: “enquanto os leões não contarem suas próprias histórias, os caçadores seguirão sendo vistos como heróis”... E aqui, quando a gente conta, dramatiza e sonoriza querem apontar o roteiro! Parem! Estamos no comando das nossas narrativas! #povopreto #amor #raizes #ancestralidade #blackisking #bey #beyoncè

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Pedido de desculpas

Depois de toda a repercussão negativa, Lilia Schwacz fez uma publicação pedindo desculpas, em seu Instagram. Ela culpou o título da matéria como causador de discórdias, e pediu para que as pessoas lessem o texto completo. Disse ainda que não foi sua intenção gerar interpretações negativas.

“Agradeço a todos os comentários e sugestões. Sempre. Gostaria de esclarecer que gostei demais do trabalho de Beyoncé. Penso que faz parte da democracia discordar. Faz parte da democracia, inclusive, apresentar com respeito argumentos discordantes”, enfatizou. "Já escrevi artigo super elogioso à Beyoncé nesse mesmo jornal, o que só mostra meu respeito pela artista. E por respeitar, me permiti comentar um aspecto e não o vídeo todo. Agradeço demais a leitura completa do ensaio. Penso que o título também levou a má compreensão. Dito isso, sei que todo texto pode ter várias interpretações e me desculpo diante das pessoas que ofendi. Não foi minha intenção. Continuamos no diálogo que nos une por aqui”, finalizou.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Agradeço a todos os comentários e sugestões. Sempre. Gostaria de esclarecer que gostei demais do trabalho de Beyoncé. Penso que faz parte da democracia discordar. Faz parte da democracia inclusive apresentar com respeito argumentos discordantes. Já escrevi artigo super elogioso à Beyoncé, nesse mesmo jornal o que só mostra meu respeito pela artista. E por respeitar, me permiti comentar um aspecto e não o vídeo todo. Agradeço demais a leitura completa do ensaio. Penso que o título também levou a má compreensão. Dito isso, sei que todo texto pode ter várias interpretações e me desculpo diante das pessoas que ofendi. Não foi minha intenção. Continuamos no diálogo que nos une por aqui.

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Black Is King

O filme "Black is King" foi lançado no último dia 31, pelo serviço de streaming Disney +. Na produção, Beyoncé exalta a cultura negra ao recriar a história de "O Rei Leão" em uma série de videoclipes, a partir do álbum "The Lion King: The Gift", trilha sonora da versão live action do filme da Disney, lançado em 2019.

No filme de Beyoncé, Simba é interpretado por uma criança negra que se perde no mundo, e acha em suas raízes africanas a força para crescer.

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