Carimbó completa dez anos de reconhecimento, mas comunidade cobra políticas públicas e apoio
Comunidade destaca a necessidade de um fundo permanente que possa garantir o suporte necessário para a preservação do carimbó e o cuidado com seus fazedores
O carimbó celebra, nesta quarta-feira (11/09), uma década como Patrimônio Cultural e Imaterial Brasileiro, reconhecimento concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Esse marco é fruto de uma mobilização intensa da comunidade carimbozeira, que conduziu a campanha “Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro – Nós Queremos”. No entanto, apesar das comemorações, a comunidade segue lutando pela valorização e dignidade da cultura popular.
Solange Loureiro faz parte da coordenação da campanha do carimbó e representa a campanha do carimbo dentro do Comitê da Salvaguarda do Carimbó. Ela afirma que os membros do movimento se reuniram para fazer uma avaliação sobre os últimos 10 anos e se perguntaram: o que comemorar?.
“No âmbito federal houve corte expressivo nas ações dos bens imateriais do Brasil, em âmbito estadual não existem políticas públicas permanentes de Salvaguarda, no âmbito municipal também não. O que nos mantém em atividade são as ações desenvolvidas nas comunidades pelos nossos Mestres, Mestras e a comunidade carimbozeira que se mantém firme”, diz Sol, como é conhecida.
Segundo ela, dentro do movimento “Carimbó do Meu Brasil”, haverá programação em referência a data em diversos municípios paraenses, como Marapanim, São Miguel do Guamá, Cachoeira do Arari, Parauapebas, Ananindeua, dentre outros.
Priscila Cobra, jornalista, multiartista, produtora cultural e delegada do Comitê Gestor do Plano de Salvaguarda do Carimbó pelo município de Belém, também reflete sobre o aniversário do título. Segundo ela, o interesse pelo carimbó aumentou, com novas gerações se aproximando e fortalecendo os mestres e mestras dessa tradição. “Surgiu um ambiente mais propício para que os grupos divulguem seus trabalhos em âmbito nacional. Cidades como Rio de Janeiro e São Paulo têm buscado beber da fonte do carimbó de raiz”, afirmou.
Apesar desse cenário positivo, Priscila também ressalta a falta de políticas públicas adequadas. “Há uma dezena de mestres que, quando adoecem ou enfrentam problemas de saúde, não têm qualquer subsídio. A única solução que encontramos é a auto-organização, fazendo vaquinhas e shows solidários”, explicou.
Ela destaca ainda a necessidade de um fundo permanente que possa garantir o suporte necessário para a preservação do carimbó e o cuidado com seus fazedores. A precariedade nas políticas públicas também se reflete na educação. Priscila lembrou que, apesar da obrigatoriedade de ensino da cultura afro-brasileira nas escolas, o carimbó raramente está presente de forma estruturada.“O carimbó só entra nas escolas quando vamos voluntariamente ou quando somos convidados. Não há uma política pública que garanta oficinas permanentes, nem a absorção da mão de obra dos mestres e mestras”, pontuou a produtora.
MESTRA NEYA
O projeto intitulado “Carimbó pra Encantaria - O Futuro é Ancestral!”, desenvolvido por Mestra Neya e pelo Grupo de Carimbó Jangada Encantada, realiza hoje duas oficinas. A primeira, com o tema “Tecnologia Ancestral do Carimbó - Instrumentos musicais reciclados a partir do lixo urbano”, na Escola Professor Francisco das Chagas de Azevedo Cacau, em Icoaraci, vai abordar os processos de construção de instrumentos musicais reciclados a partir do lixo urbano, trazendo matérias-primas sustentáveis e narrativas culturais. “Nós contribuímos transmitindo conhecimentos, repassando pela oralidade, da musicalidade, e através das oficinas de preservação e temas relacionados à preservação do meio ambiente e reciclagem do lixo, tudo isso ajuda a preservar o meio ambiente.”, conta Mestra Neya, de 58 anos e com 28 de carreira estudando diretamente com outros mestres da cultura popular paraense.
A segunda oficina “Carimbó pra Encantaria - Musicalização com Maracás frente às mudanças climáticas” será realizada na Barca Literária, na comunidade da Vila da Barca, no bairro do Telégrafo em Belém. Nesta oficina, a partilha com jovens e adolescentes será sobre as técnicas de musicalização em saudação aos caboclos e encantados, presentes da identidade amazônida e na cultura de matriz africana e indígena, a partir de um repertório musical e cultural de enfrentamento das mudanças climáticas e de justiça climática e social.
SANTARÉM
Preocupado com o rumo que o movimento estava tomando, o Mestre Capoeira, que trabalha com a Salvaguarda do carimbó no oeste paraense, decidiu agir, mobilizar amigos e empresas locais para organizar de forma independente uma edição do “Carimbó do Meu Brasil”, em Alter do Chão, em Santarém, dos dias 11 a 14 de setembro no Centro de Atendimento ao Turista (CAT), com início às 19h. O evento é aberto ao público.
Segundo ele, os primeiros cinco anos após o reconhecimento foram marcados por progresso, com o carimbó servindo de referência para outras culturas que também haviam sido tornadas patrimônios, já que o plano de salvaguarda estava pronto. No entanto, os últimos cinco anos foram de abandono.
“Não recebemos um centavo do governo federal ou municipal para continuar salvaguardando a tradição. Isso me deixou muito inquieto”, comenta o mestre, que destaca a falta de apoio financeiro para manter viva a cultura do carimbó. “Estamos fazendo esse movimento para festejar a nossa luta, mas também para lutar pelos direitos que a gente merece”, afirmou ainda Mestre Capoeira.
A programação inicia no dia 11 com apresentações musicais do grupo Banzeiro de Carimbó e Priscila Cobra com convidados; no dia seguinte, 12, serão tratadas vivências de carimbó com a produtora cultural; no dia 13, é a vez do Mestre Capoeira e Mestra Marcele compartilharem suas experiências com o público; e, por fim, dia 14, os moradores e turistas se divertem com o show “Olha já” Alter Nativo e Banzeiro de Carimbó.
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