Belém 409 anos: escritores paraenses que moram fora do Pará mantêm elo com a cidade natal

No dia em que a cidade aniversaria, autores falam de como é viver longe e perto da cidade onde nasceram para ver o mundo

Eduardo Rocha
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Quando se está em Belém, abre-se a janela da casa ou do apartamento e estão lá as mangueiras com seus frutos emoldurando as ruas, o trânsito meio embrulhado fluindo devagar, as pessoas seguindo em frente ao som do brega, carimbó e guitarrada ou, em especial, reunidas no Círio de Nazaré. Quando não se está em Belém, abre-se a janela da memória, do coração, para sentir a capital paraense pulsando no seu DNA, em especial no dia em que Belém faz aniversário de 409 anos de fundada. Esse elo imorredouro com a "Cidade das Mangueiras", em plena Amazônia, é sentido e mantido, em particular, por dois escritores belenenses que moram fora da cidade: Sonia Zaghetto e Rogério A.Tancredo. Ela mora na Califórnia, nos EUA, e ele, no estado de Santa Catarina.

Sonia Zaghetto atuou como jornalista em O Liberal. Ela nasceu em Belém e saiu da cidade há 31 anos. "Eu moro em San Jose, na Califórnia, desde 2019. Não trabalho mais como jornalista, pois decidi focar na carreira de escritora. Entretanto, eventualmente, quando visito a Amazônia, gosto de escrever textos jornalísticos para o meu blog (www.soniazaghetto.com)", conta.

Sobre ser uma jornalista e escritora que mora fora de Belém, Sonia Zaghetto destaca: "Viver em outro país é um desafio que se assemelha a renascer: uma jornada de reaprendizado, onde cada regra, hábito e costume nos convida a descobrir novas formas de existir. Mas quem nasce em Belém nunca está totalmente fora de sua cidade. A cidade se infiltra pelos escritos, invade pensamentos, renasce em memórias queridas. Ela está no jeito amoroso e alegre de ser. Por mais que se viva em outras terras, Belém está eternamente presente no sangue e na alma".

Escritas na água

Nesse caminhar, Sonia já lançou seis livros até agora. O primeiro, “História de Oiapoque”, foi lançado pelo Senado Federal em 2019. Conta os últimos quinhentos anos da história da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. "No ano seguinte lancei 'A Página em Branco dos Teus Olhos', uma coletânea de 30 contos, em parceria com o dramaturgo Cláudio Chinaski. Também em 2021 lancei 'O Correio', a minha tradução de uma peça teatral de Rabindranath Tagore, o poeta indiano detentor do prêmio Nobel de Literatura de 1913. Em 2022 foi a vez de 'Crônicas do Vento de Abril', um conjunto de crônicas. No ano de 2023 foi a vez de lançar 'Um Quarto só para Si', uma edição especial do mais famoso ensaio de Virginia Woolf, 'A Room of One’s Own'. Para essa edição fiz a coordenação geral, a revisão da tradução e 150 notas explicativas, além do prefácio e de um ensaio final sobre a autora e sua obra", relata a escritora. 

"Em 2024 lancei meu primeiro romance, 'Histórias Escritas na Água', que é finalista do prêmio Kindle de Literatura de 2025. O livro é uma narrativa mágico-realista sobre o sentido da vida, o fluir da existência e a essencialidade da morte. Uma alegoria da humanidade em sua finitude", acrescenta a autora. "Estou escrevendo agora meu segundo romance, sobre a saga dos meus antepassados, que migraram para a Amazônia e se estabeleceram em um dos locais mais inóspitos da nossa região. O romance é centrado no papel das mulheres de nossa família", revela.

Sônia Zaghetto é uma das cinco finalistas do IX Prêmio Kindle de Literatura com o meu romance de estreia, “Histórias Escritas na Água”. O resultado deverá ser anunciado pela Amazon e pela Editora Record em fevereiro deste ano.

Neste dia em que Belém completa 409 anos de fundação, Sonia Zaguetto revela seus vínculos com a cidade. "De Belém guardo os afetos, os sabores inigualáveis, a memória do Círio de Nazaré que evoca a fé que sustentava a minha mãe, paraense da gema. Costumo dizer que Belém é meu país, com suas expressões tão particulares, seus trejeitos e festas, seu calor e suas chuvas. Uma festa de sensações para o corpo e o espírito".

A escritora destaca que o fato de a capital paraense sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 30, este ano, é extremamente simbólico e estratégico, "é uma oportunidade única para o Brasil reafirmar seu papel no combate às mudanças climáticas e colocar a Amazônia no centro da agenda global". Sonia espera que a Conferência dê mais visibilidade aos pesquisadores locais e às populações tradicionais, incluindo-os em soluções sustentáveis e valorizando conhecimentos acadêmicos e ancestrais da região. E para que os líderes mundiais, cientistas e ativistas, pelo fato de estarem fisicamente na Amazônia, sintam-se motivados a acelerar a transição para economias sustentáveis via financiamento internacional.

"Para nós, que carregamos a Amazônia no sangue e na alma, a COP 30 não é apenas um evento. É a esperança de que, finalmente, o mundo enxergue bem de perto a Amazônia e se dê conta de que, indiscutivelmente, cuidar dela é salvar o nosso planeta", enfatiza Sonia. Para ela, Belém pode ser traduzida na palavra "raiz". "Uma raiz firmemente plantada no terreno fértil do coração de seus filhos", arremata.

Cidade e mundo

O escritor paraense Rogério A. Tancredo, 46 anos, nasceu em Belém, foi criado no bairro do Telégrafo cercado de livros, como conta, e aos 30 anos resolveu começar a escrever. Hoje, Rogério mora, há um ano, em Jaraguá do Sul, no estado de Santa Catarina, onde dá aula em uma instituição.

image Rogério A. Tancredo: 'Belém é a cidade pela qual eu vi o mundo' (Foto: Divulgação)

Rogério é autor de três livros. São eles: "Relato de um paciente desconhecido" (kazuá, 2019), "O dia que conheci Lucia Berlin" (Caravana, 2021) e "Pontas soltas tardes de neblina" (Urutau,2023). Os dois primeiros são contos, o terceiro um romance. Com o romance "Pontas soltas tardes de neblina", esse autor foi semifinalista do Prêmio Oceanos 2024. Sobre esse momento, Rogério destaca: "Avalio como um reconhecimento a um trabalho que venho desenvolvendo com dedicação e muita entrega, pois a literatura é minha vida, o que me faz seguir". 

Em outras palavras, como ele próprio revela, "escrever ficção é uma maneira de estar no mundo, uma forma de contribuir com esse universo que tanto nos fascina". "Tenho um livro de contos pronto, 'À queima roupa', que pretendo lançar este ano, pela Urutau", acrescenta o escritor.

O elo de Rogério A. Tancredo com a capital do Pará se mantém, ou seja, não importa a distância física entre ele a cidade, mas, a relação construída com esse território amazônida. "É bom sair um pouco de Belém para vê-la de fora, sim, acompanho à distância tudo o que se passa na cidade", declara. 

"Belém é a cidade pela qual eu vi o mundo, onde está enterrado meu cordão umbilical, por isso a cidade aparece nos meus livros, não tem como escapar da cidade natal, a cidade onde fomos criados. Belém possui uma tradição de escrita, de alta literatura, que começa na segunda metade do século XX com Dalcídio Jurandir, Eneida de Moraes, Paulo Plínio Abreu, Max Martins e tantos outros escritores incríveis, me orgulho de ter nascido nesse lugar", afirma Rogério. A palavra que pode definir Belém, para ele, é "boêmia". Como se depreende das falas de Sônia e Rogério, Nas entrelinhas de quem teve contato com Belém, a cidade permanece sólida aos 409 anos de fundação.

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