Artistas de Belém falam sobre vivências e luta por reconhecimento no Dia da Consciência Negra
Seus trabalhos artísticos expressam suas realidades e servem como fonte de resistência contra a discriminação

A discriminação provocada pelo racismo é, ainda hoje, uma ferramenta comum usada para apagar as obras de pessoas negras, que, ao longo do tempo, sofreram dificuldades para se expressar. Em alusão ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado nesta quarta-feira (20), o Grupo Liberal conversou com artistas de Belém, que se expressam em suas obras e utilizam a arte como ferramenta de luta e resistência.
Apreciado por seus traços marcantes e por suas provocações reflexivas, o artista plástico Petchó Silveira é uma referência na cena artística contemporânea em Belém. Ele conta que o elemento de resistência e luta contra o racismo está sempre presente em suas obras.
“A questão racial está sempre presente no meu trabalho, a minha obra sempre está pautada para falar sobre essas questões, sobre o sofrimento do povo preto, de quem mora na periferia, a violência, e o meu trabalho é uma arma para falar sobre essas questões, que ainda permanecem mesmo após mais de 100 anos da abolição. A gente ainda continua com o racismo latente, parece que a gente sempre está com um alvo nas nossas costas, e o meu trabalho vem falar disso”, diz o artista.
Petchó relata que a arte entrou em sua vida quando ele ainda era criança, e ganhou mais força quando ele se viu representado pela primeira vez.
“Eu pinto e desenho desde moleque, sempre tive uma vontade de querer me expressar, e aí veio a questão da pichação, que no final dos anos 80 e início dos 90 era muito forte em Belém e eu me envolvi, porque era o que tinha. Depois parei e fui para a Fundação Curro Velho, através de um amigo meu. Uma vez eu estava lá com ele e assistimos ao filme do Basquiat (artista negro estado-unidense), quando eu assisti, e eu percebi que tinha um cara que me representava, como um cara preto, artista e pintor, eu decidi que queria também pintar e falar sobre a minha vivência”, conta o paraense.
O pintor ressalta que, muito além de apenas um dia específico no ano, a questão racial deve ser abordada sempre.
“Eu acho que a arte é redentora, é uma arma para que a gente possa falar e ter voz. E é preciso falar sobre essas questões, não só no Dia da Consciência Negra, é preciso combater o racismo o ano inteiro”, pontua Petchó.
Ceci Bandeira é artista visual e trabalha também com curadoria de arte em Belém. Atuante na cena do movimento negro na cidade, ela afirma que é importante dar mais protagonismo as obras realizadas por artistas negros paraenses.
“É muito importante falar sobre a valorização de artistas negros na Amazônia, principalmente no Dia da Consciência Negra, porque o movimento negro em Belém, historicamente, atuou muito através das manifestações culturais, como a capoeira, as peças de teatro com atores negros, as artes plásticas, entre outras. O número de artistas negros e indígenas, dentro de galerias e exposições, ainda é muito inferior ao de artistas brancos, e eu enquanto curadora, acredito que precisamos falar sobre essa invisibilidade e ver novas formas de consumir o trabalho desses artistas, que estão atuantes”, conta
Segundo a curadora, a arte feita por negros é uma importante arma contra o racismo, mesmo que o negro não aborde a temática em suas obras.
“Eu acredito que é um dos nossos maiores mecanismos, dos nossos corpos negros, através das nossas manifestações culturais que são ancestrais. Não dá pra fugir da luta contra racismo sendo uma pessoa negra, a nossa arte, por mais que não fale sobre o tema, o nosso corpo fala por nós, a nossa vivência e trajetória, isso é indissociável. Eu acredito na arte de maneira política, e ela é contínua na nossa luta contra o racismo”, expressa Ceci.
Referência na arte naïf (artistas autodidatas que desenvolvem uma linguagem pessoal e original de expressão), em Belém, Maria José Batista tem 62 anos e uma longa trajetória dedicada à arte. A artista descreve quais são os principais elementos que estão sempre destacados em suas obras.
“Meu trabalho é muito colorido, eu me inspiro na periferia onde eu moro, na feira, no vendedor de churrasco, no barzinho, a igreja, as pessoas indo e vindo. Gosto de retratar o cotidiano dos ribeirinhos, a questão da nossa floresta amazônica e da preservação também”, relata.
Maria José conta que já sofreu muita discriminação, mas que graças à arte, ela consegue ocupar espaços de destaque, que antes jamais sonhou em alcançar.
“Antes de eu me tornar uma artista, eu trabalhava como empregada doméstica e eu sofria muito preconceito, passei por lugares onde eu só comia se sobrasse algo do almoço, não tinha direito de nada. Mas desde que eu comecei trabalhar com arte, eu vi que mesmo sendo uma negra da periferia, eu consigo chegar a grandes lugares, a eventos que jamais imaginei participar. A minha arte me leva para esses caminhos e me coloca em locais importantes, onde eu sou muito bem acolhida e respeitada”, afirma a artista.
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