O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Sócrates, Cristo, Saint-Exupéry e nós

Océlio de Morais

O  homem é igual a Deus? Às vezes, muitos pensam que sim.  Não sei ao certo a razão disso. Talvez porque Deus, como narra o livro de Gênesis, o tenha criado “à sua imagem e à sua semelhança.

Bem, a ideia central de Deus não foi criar um competidor, mas era, com a criação, que o homem fosse puro e  bom,  ou, como  diria Nietzsche ”o homem que se lava”. Ou ainda a ideia de Deus era que a fraternidade fosse a pedra de toque fundamental às boas relações humanas, baseadas em caridade recíprocas,  porque Deus  é sinônimo de perdão e de amor. Ao homem, então,  Deus queria que sua imagem refletida como valores positivos.

Deus já sabia, é claro, que essa tarefa seria difícil ao homem, porque entre nós mortais existe um bem  chamado liberdade que, mal usada, leva às loucuras da usura, do egoísmo, da arrogância, da avareza , aqui somente para enumerar as mais perversas que estão à nossa espreita.

Também é possível que, às vezes, o homem pense que seja o próprio Criador  (e não a criação) porque tem (temos) a liberdade de escolhas, aquilo que a  filosofia define como  livre arbítrio.  

Não é que a liberdade seja ruim. É essencial como assim como são as quatro forças da natureza para a sobrevivência da humanidade.. No entanto, penso que a questão talvez sirva,  na perspectiva dessa crônica  histórica-filosófica,  para localizar onde está a “mania” que as pessoas têm (temos) de, a cada instante, estar (estarmos) julgando o outro, no consciente ou no subconsciente, às claras ou veladamente.

Então isso me lembra Antoine de Saint-Exupéry.   Sim, aquele mesmo que no ano de 1939 ganhou o Grande Prémio de romance da Academia Francesa -  não com a fábula “Le Petit Prince” - mas com o romance  “Terre des hommes”.

Saint-Exupéry tinha uma percepção  genial  sobre o senso moral que uma pessoa adota sobre a outra, mas, às vezes, não de si mesma. E, por isso, sempre faz juízos de aprovação, reprovação ou neutralidade acerca dos atos semelhante .

Certamente a experiência como piloto da Aéropostale entre os anos 1929 e 1935 – o romance Terre des hommes” é uma autobiografia nessa profissão, recheada com experiências de outros pilotos – contribuiu para a composição da visão do escritor francês sobre os homens e seus cotidianos julgamentos sobre o semelhante.

É  dele a seguinte frase:  “É  bem mais difícil julgar a si mesmo que julgar os outros. Se consegues fazer um bom julgamento de ti, és um verdadeiro sábio.”

Acho que Saint-Exupéry quis dizer o seguinte: antes de julgar o outro, julgue a si mesmo.  Mas o faça com a mesma medida de valor como faria em relação ao auto-julgamento. 

Pensando bem, isso é muito forte! Toca fundo àquele que bem refletir sobre isso, claro.

O senso moral de si mesmo indica aquilo que o ateu Nietzsche, no  célebre ensaio sobre “Genealogia da moral”,  dizia ser a conduta do  “o homem soberano, o homem  próximo de si mesmo, o homem que conseguiu a consciência da liberdade e de seu poderio…”.

Mas, tudo isso é muito curioso. Primeiro, porque mostra que a questão colocada por Saint-Exupéry – “Se consegues fazer um bom julgamento de ti, és um verdadeiro sábio” – leva a compreensão de que o autoconhecimento é uma forma de se entender a própria ignorância.

Segundo, da antiguidade à atualidade, parece que sempre existiu uma sede incessante  (como se fosse condição para saciá-la) da pessoa estar sempre avaliando e julgando moralmente o semelhante; todavia, não com a mesma medida de valor se fosse fazer o seu próprio julgamento.

Provavelmente Saint-Exupéry gostava da filosofia clássica, aquela do berço-raiz dos filósofos da Grécia antiga, porque resta evidente que se inspirou em Sócrates, o sábio que, lá pelos idos dos anos 469-499 antes de Cristo,  já havia proferido a grande lição: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerá o universo e os deuses”.

“Conhece-te a ti mesmo” quer dizer, então, que o autoconhecimento será capaz de levar a pessoa a dominar a ignorância, a dominar possíveis  impulsos e os consequentes atos maldosos. Por uma palavra bem simplificada, o que ontem foi dito por Sócrates , hoje pode ser dito assim: a pessoa deve elevar e manter seus valores  na humildade para ter um olhar mais caridoso e menos inquisidor em relação ao seu igual.

Apesar da  lição ter atravessado  o tempo e cá está entre nós ainda hoje, bem viva (ganhou perpetuidade e imortalizou o filósofo grego), no entanto,  parece que continuamos a não compreender o sentido do “Conhece-te a ti mesmo”. 

Talvez nisso então explique um pouco da nossa ignorância: não nos conhecemos bem e nem ao semelhante.  Talvez também por essa razão nos transformamos em fiscais e juízes cotidianos das condutas dos nossos semelhantes. 

Bom,  apesar de tudo isso,  Deus viu que o homem não compreendeu bem a arte da criação (à imagem e à semelhança), e,  por toda sua infinita bondade, resolveu mandar o seu Anjo mais evoluído (o Filho mais querido) à terra para se misturar às pessoas, sentí-las e dar o exemplo de que a caridade, a fraternidade e o perdão são as chaves para evitarmos a autofagia entre as pessoas.

 Todos sabemos, porém, é bom enfatizar com outras palavras para deixar bem destacado: Cristo chegou à terra com a lição da humildade e da simplicidade: nasceu pobre naquela estábulo fétido, desconfortável e indigno. 

Mas de novo o homem não entendeu a lição da simplicidade e nem da  humildade. 

Então Jesus disse de forma de simples e direta: olhem aqui vocês, parem de julgar uns aos outros. E foi mais  direito ainda ao ponto: quando um quiser julgar o outro, primeiro faça o seu próprio julgamento. E veja lá se isso é bom!  Vamos parar com toda essa hipocrisia. Vivam em paz e respeitem uns aos outros.

Claro que Jesus não usou essas palavras. Mas o sentido é o mesmo. O que Ele disse foi o seguinte: “Como dirás a teu irmão: deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu?”, disse Jesus àqueles fariseus parem então, acrescentar, conforme a conforme a narrativa de São Mateus: “Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão.”

Acho que aqui está a chave  à  porta da compreensão:  julgamento  maldoso, perverso e nefasto (do ponto de vista moral mesmo) feito acerca do semelhante tem um nome: hipocrisia – a falsidade daquele que não conhece a si mesmo e, portanto, não é sábio. 

Por suas vidas sábias, homens como Sócrates e Jesus Cristo – a humanidade conhece centenas de homens virtuoso que conhecem a si mesmo – tiveram e ainda hoje mantém um magma especial.  Sócrates, claro, num  nível bem abaixo em relação a Cristo – aquele consultava oráculos.  Jesus era o próprio oráculo-Deus. Por isso, sempre esteve  no mais elevadíssimo patamar da sabedoria. 

Bom, se Sócrates tivesse a autorização para voltar à terra,  não iria encontrar oráculos e nem  pitonisas, mas iria constatar que a sua célebre lição – “Conhece-te a ti mesmo e conhecerá o universo e os deuses” – não não encontra a  esperada ressonância entre a grande maioria dos homens.

E quanto a Jesus Cristo? Se ele resolvesse voltar agora, em carne e osso? Como se sentiria depois de ter. Humildemente, morrido na cruz pela salvação da humanidade.

E claro que todo cristão lembra o que Jesus disse na Santa Ceia – “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” – por isso, Ele é a Onipresença. Isso, trocando em miúdos, quer dizer que Cristo sabe e vê tudo o que acontece debaixo dos céus.

Se Ele resolvesse voltar logo, em carne e osso como fez há mais de dois mil anos, provavelmente não ficaria satisfeito, porque identificaria que o cotidiano do homem ainda é embaçado pela trave atravessada no olho: não conhece, como deveria, a si mesmo e ainda muitas vezes pensa que é Deus.

Mas é bom sempre lembrar: embora  não goste nada disso, Ele respeita a liberdade dos homens, até porque também  os efeitos do exercício  liberdade geram  boas lições à vida.

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Océlio de Morais
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