O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Para onde caminha a humanidade da sociedade da Inteligência Artificial?

Océlio de Morais

Quem nasceu no século XX, como eu, acumula a rica experiência dos valores  herdados dos pais, dos avós e dos bisavós que viveram  em meados do  século XIX – valores agora misturados aos novos que o século XX está criando e recriando ao século  XXI. Mudando o  que deve ser mudado e adaptando o que deve ser adaptado, às gerações sobreviventes do século XX ainda sobreviventes neste século XXI,  somos a concreta adaptação do  darwinismo aos novos tempos.

O século XIX dos novos avós e bisavós, que transmitiram a herança cultural aos nossos pais, lhes ofereceu valores  como  padrão social  rigoroso na conduta individual e pública, baseada na moral e nos fundamentos teológicos das religiões,  do que decorriam  a  rigidez nas relações  sociais, nas relações da família tradicional,  nas proibições das transgressores da moral e dos bons costumes. 

Eram os valores da época vitoriana, assim conhecida pelo marcante reinado da rainha Vitória, entre 1837 a 1901, no Reino Unido, e cuja influência se expandiu ao novo mundo. 

Não os conheci, mas, aqui na Amazônia brasileira,  meus bisavós e avós experimentam  os reflexos  da Era vitoriana e,  meus pais, nascidos no primeiro quarto do século XX, sem dúvida herdaram aqueles valores, os quais, naturalmente, foram transmitidos aos  filhos. 

Mas,  por certo, já com  o culturalismo da primeira modernidade, aquela que Zygmunt Bauman (1925-2017) denomina de modernidade sólida em contrapartida à  emergente modernidade líquida.

Vamos entender melhor esse fenômeno dual entre a sociedade sólida x sociedade líquida: as gerações se sucedem e os valores sociais se modificam como resultado da troca de experiências e dos choques culturais entre  essas gerações, sendo este o fenômeno  social que  Bauman  aproveita para definir  como objeto de estudo do seu mestrado em sociologia na Universidade de  Varsóvia,  onde também foi professor  no período de 1954 a 1968.

A partir deste fenômeno geracional,  o sociólogo Polonês,  com descendência judia, construiu as teorias sobre a sociedade sólida  e sobre a sociedade líquida. Aquela, marcada pela solidez das e nas relações humanas,  das relações sociais e da confiança nas instituições. E, a sociedade líquida, caracterizada pelo consumismo e imediatismo  das relações humanas fugazes, implementados pelas revoluções tecnológicas, as quais evoluíram  tem sido disruptivas dos costumes antecedentes e  também que vão tornando os seres humanos subestimados, notadamente a partir da década de 1990. 

Os conceitos sociológicos de Bauman restaram comprovados. E o que caracterizava a sociedade líquida já pertence um um pouco ao passado, pois,  na atualidade – notadamente desde 2010  como ponto de partida da 4ª revolução industrial, quando ocorre o implemento da  produção de bens de consumo e alimentos pela forma automatizada e robotizada – estarmos no período que denominou período ou era da sociedade artificial, o tipo de sociedade das conexões tecnológicas  (físicas, virtuais, infotecnologias e biotecnológicas), que já começam a selecionar geneticamente quem deve e quem não deve nascer e manipulam informações como método de massificação das “verdades” inquestionáveis. Então, o que a pós-modernidade  líquida  – ambiente  dos  avanços tecnológicos  simultâneos, imediatistas, envolventes e dominadores  da razão humana e moldadores dos novos costumes sociais – apresenta é um modelo de sociedade cada vez mais fluída  quanto aos  valores primários ou básicos da natureza humana. 

Mas para onde essa sociedade  da Inteligência Artificial  – devemos parar e pensar bem  sobre isso –  está nos levando como destino final?  Se todo o seu ideologismo cultural,  de forma preponderante, conduz à disrupção dos valores  básicos    ao desenvolvimento do ser humano – ética nas relações humanas, fraternidade e solidariedade com os semelhantes, espiritualidade como ascese evolutiva da condição humana –  verdadeiramente estamos diante da nova “Quo vadis”  ("Para onde vais?" ou "Aonde vais?")  –  a pergunta  que Jesus ressuscitado fez ao apóstolo Pedro,  quando este,  temeroso de ser preso e crucificado, pretendeu fugir de Roma,

Abro um parêntesis: O apóstolo Pedro desistiu da fuga, retornou a coragem dos valores cristão transmitidos por Jesus, enfrentou com virtude evangélica a crucificação “de ponta-cabeça”, ou "de cabeça para baixo", como pedido próprio, visto que não se considerou digno de ser crucificado da mesma forma que Cristo o foi. Fecho o parêntesis. 

“Quo vadis?”  A pergunta é atualíssima, porque a desconstrução ou demolição dos valores da  ética virtuosa  dentro das relações de poder na sociedade das incertezas   – e sua projeção negativa como ideologismo cultural – afetam diretamente as virtudes da fé, da caridade e da fraternidade .

 Por isso, volta-se a perguntar como ênfase reflexiva: “Quo vadis?” Ou, por outro modo: para onde as expansivas e incontroláveis revoluções tecnológicas – onde a Inteligência Artificial está ocupando os espaços e afazeres básicos das pessoas   –  levarão os seres humanos como destino final? 

No livro “Aplicando a Quarta Revolução Industrial”, Klaus Schwab – fundador do  European Symposium of Management, o fórum de debates mundial que se transformou no  World Economic  Forum – disse que as tecnologias devem estar a serviço das pessoas e não as pessoas a serviço delas.

Sem dúvida, é um bom começo, mas como ponto de partida, visto que  o economista alemão não disse como, na prática, a governança e compliance mundiais podem criar mecanismos tecnológicos para garantir   que as pessoas estejam em primeiro lugar, não como necessidade de consumo das tecnologias,  porém,  valorizadas na sua condição holística total. 

De minha parte –  um pequenino ser deste universo tecnológico irreversível – prossigo atrás da resposta  desafiadora à pergunta de Jesus: – pergunta que nunca deixou de ser inquietante: “Quo vadis?”. Ou, como diziam os romanos antigos: “Ubi est Roma”(Onde está Roma?), o que pode ser adaptado  à seguinte  reflexão atual: “Ubi est humanitas? (Para onde caminha a humanidade?)

Sendo, a sociedade artificial, esvaziante dos sentimentos humanos,  penso que a contrapartida repousa na base espiritual de cada ser humano. Se quisermos um destino feliz, precisamos aceitar que a resposta sempre esteve à nossa frente: a fé! – resposta  dada por Jesus em  Romanos 1:16-17, quando disse: “Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”. E, depois,  reiterada por Agostinho de Hipona (o teólogo canonizado Santo da Igreja Católica), na obra Confissões: “(...) sem a fé, a sociedade humana sucumbiria.”

Estamos apenas no começo da sociedade da Inteligência Artificial ou da sociedade que esvazia os sentimentos humanos.  

Portanto, sem a fé – parodiando  Agostinho de Hipona – a sociedade  tecnológica   será cada vez mais artificial e o seu destino final será imprevisível, quanto aos  valores humanos, pois  certamente ficará cada vez mais  vulnerável ao ideologismo político-cultural, mais fragmentada  e ambígua socialmente, e  mais insegura  nas relações interpessoais. 

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

 

 

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