Para onde caminha a humanidade da sociedade da Inteligência Artificial?
Quem nasceu no século XX, como eu, acumula a rica experiência dos valores herdados dos pais, dos avós e dos bisavós que viveram em meados do século XIX – valores agora misturados aos novos que o século XX está criando e recriando ao século XXI. Mudando o que deve ser mudado e adaptando o que deve ser adaptado, às gerações sobreviventes do século XX ainda sobreviventes neste século XXI, somos a concreta adaptação do darwinismo aos novos tempos.
O século XIX dos novos avós e bisavós, que transmitiram a herança cultural aos nossos pais, lhes ofereceu valores como padrão social rigoroso na conduta individual e pública, baseada na moral e nos fundamentos teológicos das religiões, do que decorriam a rigidez nas relações sociais, nas relações da família tradicional, nas proibições das transgressores da moral e dos bons costumes.
Eram os valores da época vitoriana, assim conhecida pelo marcante reinado da rainha Vitória, entre 1837 a 1901, no Reino Unido, e cuja influência se expandiu ao novo mundo.
Não os conheci, mas, aqui na Amazônia brasileira, meus bisavós e avós experimentam os reflexos da Era vitoriana e, meus pais, nascidos no primeiro quarto do século XX, sem dúvida herdaram aqueles valores, os quais, naturalmente, foram transmitidos aos filhos.
Mas, por certo, já com o culturalismo da primeira modernidade, aquela que Zygmunt Bauman (1925-2017) denomina de modernidade sólida em contrapartida à emergente modernidade líquida.
Vamos entender melhor esse fenômeno dual entre a sociedade sólida x sociedade líquida: as gerações se sucedem e os valores sociais se modificam como resultado da troca de experiências e dos choques culturais entre essas gerações, sendo este o fenômeno social que Bauman aproveita para definir como objeto de estudo do seu mestrado em sociologia na Universidade de Varsóvia, onde também foi professor no período de 1954 a 1968.
A partir deste fenômeno geracional, o sociólogo Polonês, com descendência judia, construiu as teorias sobre a sociedade sólida e sobre a sociedade líquida. Aquela, marcada pela solidez das e nas relações humanas, das relações sociais e da confiança nas instituições. E, a sociedade líquida, caracterizada pelo consumismo e imediatismo das relações humanas fugazes, implementados pelas revoluções tecnológicas, as quais evoluíram tem sido disruptivas dos costumes antecedentes e também que vão tornando os seres humanos subestimados, notadamente a partir da década de 1990.
Os conceitos sociológicos de Bauman restaram comprovados. E o que caracterizava a sociedade líquida já pertence um um pouco ao passado, pois, na atualidade – notadamente desde 2010 como ponto de partida da 4ª revolução industrial, quando ocorre o implemento da produção de bens de consumo e alimentos pela forma automatizada e robotizada – estarmos no período que denominou período ou era da sociedade artificial, o tipo de sociedade das conexões tecnológicas (físicas, virtuais, infotecnologias e biotecnológicas), que já começam a selecionar geneticamente quem deve e quem não deve nascer e manipulam informações como método de massificação das “verdades” inquestionáveis. Então, o que a pós-modernidade líquida – ambiente dos avanços tecnológicos simultâneos, imediatistas, envolventes e dominadores da razão humana e moldadores dos novos costumes sociais – apresenta é um modelo de sociedade cada vez mais fluída quanto aos valores primários ou básicos da natureza humana.
Mas para onde essa sociedade da Inteligência Artificial – devemos parar e pensar bem sobre isso – está nos levando como destino final? Se todo o seu ideologismo cultural, de forma preponderante, conduz à disrupção dos valores básicos ao desenvolvimento do ser humano – ética nas relações humanas, fraternidade e solidariedade com os semelhantes, espiritualidade como ascese evolutiva da condição humana – verdadeiramente estamos diante da nova “Quo vadis” ("Para onde vais?" ou "Aonde vais?") – a pergunta que Jesus ressuscitado fez ao apóstolo Pedro, quando este, temeroso de ser preso e crucificado, pretendeu fugir de Roma,
Abro um parêntesis: O apóstolo Pedro desistiu da fuga, retornou a coragem dos valores cristão transmitidos por Jesus, enfrentou com virtude evangélica a crucificação “de ponta-cabeça”, ou "de cabeça para baixo", como pedido próprio, visto que não se considerou digno de ser crucificado da mesma forma que Cristo o foi. Fecho o parêntesis.
“Quo vadis?” A pergunta é atualíssima, porque a desconstrução ou demolição dos valores da ética virtuosa dentro das relações de poder na sociedade das incertezas – e sua projeção negativa como ideologismo cultural – afetam diretamente as virtudes da fé, da caridade e da fraternidade .
Por isso, volta-se a perguntar como ênfase reflexiva: “Quo vadis?” Ou, por outro modo: para onde as expansivas e incontroláveis revoluções tecnológicas – onde a Inteligência Artificial está ocupando os espaços e afazeres básicos das pessoas – levarão os seres humanos como destino final?
No livro “Aplicando a Quarta Revolução Industrial”, Klaus Schwab – fundador do European Symposium of Management, o fórum de debates mundial que se transformou no World Economic Forum – disse que as tecnologias devem estar a serviço das pessoas e não as pessoas a serviço delas.
Sem dúvida, é um bom começo, mas como ponto de partida, visto que o economista alemão não disse como, na prática, a governança e compliance mundiais podem criar mecanismos tecnológicos para garantir que as pessoas estejam em primeiro lugar, não como necessidade de consumo das tecnologias, porém, valorizadas na sua condição holística total.
De minha parte – um pequenino ser deste universo tecnológico irreversível – prossigo atrás da resposta desafiadora à pergunta de Jesus: – pergunta que nunca deixou de ser inquietante: “Quo vadis?”. Ou, como diziam os romanos antigos: “Ubi est Roma”(Onde está Roma?), o que pode ser adaptado à seguinte reflexão atual: “Ubi est humanitas? (Para onde caminha a humanidade?)
Sendo, a sociedade artificial, esvaziante dos sentimentos humanos, penso que a contrapartida repousa na base espiritual de cada ser humano. Se quisermos um destino feliz, precisamos aceitar que a resposta sempre esteve à nossa frente: a fé! – resposta dada por Jesus em Romanos 1:16-17, quando disse: “Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”. E, depois, reiterada por Agostinho de Hipona (o teólogo canonizado Santo da Igreja Católica), na obra Confissões: “(...) sem a fé, a sociedade humana sucumbiria.”
Estamos apenas no começo da sociedade da Inteligência Artificial ou da sociedade que esvazia os sentimentos humanos.
Portanto, sem a fé – parodiando Agostinho de Hipona – a sociedade tecnológica será cada vez mais artificial e o seu destino final será imprevisível, quanto aos valores humanos, pois certamente ficará cada vez mais vulnerável ao ideologismo político-cultural, mais fragmentada e ambígua socialmente, e mais insegura nas relações interpessoais.
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