O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Reforma previdenciária no Brasil: unificação dos critérios à aposentadoria (parte III)

As reformas previdenciárias que têm sido implementadas no Brasil têm adotado a doutrina liberal

Océlio de Jesus C. Morais

Já o disse no livro Inclusão Previdenciária – uma questão de Justiça Social (SP: LTr, 2015, pp. 25, 48): uma reforma da previdência consiste na reforma da própria concepção estrutural do princípio da proteção social que o Estado do bem-estar social pleneja aos seus cidadãos.

Essa questão é muito séria, também porque nas últimas três décadas, as reformas fatiadas da previdência no Brasil – e a reforma em curso segue a mesma tendência – enfatizaram muito mais o aspecto econômico das reformas , do que o aspecto da proteção social aos necessitados, a partir da doutrina liberal do Estado mínimo.

O pensamento liberal do Estado minimalista, o nome já o diz: o Estado intervém o mínimo possível nas relações econômicas e só o faz quando estritamente necessário. Era o que Adam Smith e Friedrich Hayek – confira Competência da Justiça Federal do Trabalho e a efetividade do direito fundamental à Previdência, SP: Ltr, 2014, PP.22-25 – denominam de "ordem espontânea" do idealismo liberal, isto é, a iniciativa privada deve agir livremente com pouco ou nenhuma intervenção estatal.

No Brasil, o predomínio da doutrina liberal na concepção da previdência é bem visível, com a clara opção da minmização da proteção social previdenciária estatal e a transferência aos fundos de previdências privadas.

Exemplo diso é o predomínio da doutrina liberal na unificação legislativa dos critérios de aposentadoria entre os regimes Próprio e Geral.

Vejamos, de início, os pontos de identidade e as diferenças entre os dois regimes.

Sob o ponto de vista jurídico, os regimes Próprio e Geral de previdência no Brasil são distintos, diferenciado-se ainda pelas regras específicas à obtenção dos benefícios previdenciários.

O primeiro é o regime de previdência dos servidores públicos estatutários, aqueles que, de acordo com o artigo 40 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), ingressam no serviço publico através de concurso de provas e títulos. Nomeadamente são os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações.

O segundo é referente à Previdência básica, sob a forma de regime geral, com caráter contributivo e filiação obrigatória, conforme previsto no Art. 201 da Constituição Federal de 1988.

O Regime Geral é definido para assegurar a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada, proteção à maternidade, especialmente à gestante, proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda e pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes , tudo isso nos termos dos incisos I a V do Art. 201 da CRFB de 1988, mas neste particular com redação pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998.

Os dois regimes (o Próprio e o Geral) – por suas naturezas jurídicas distintas – possuíam nas suas concepções conceituais e estruturais originárias critérios diferentes para a obtenção dos benefícios de aposentadoria e pensões.

Tudo juridicamente lógico, porque também a Constituição Federal de 1988 os havia definido e estruturado com peculiaridades próprias, tanto conta que até excluiu os empregados públicos celetistas, aqueles exercentes de empregos públicos de que trata o inciso I, artigo 37, da CRFB de 1988, e os demais que não são de carreira.

Estes servidores estão vinculados às regras ao Regime de Previdência Básica.

Os dois regimes têm em comum o caráter contributivo e solidário, assim definidos pelos critérios constitucionais nos artigos 40 e 201 da CRFB de 1988. Portanto, ambos têm por fundamento o princípio da solidariedade entre gerações. A identidade se resumia esses pontos.

No entanto, são distintos quanto ao custeio.

O Regime Próprio, quanto à repartição, é sustentado mediante contribuição do respectivo ente público (União, Estado ou Município), dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas.

Já o Regime Geral básico é financiado de forma direta e indireta, pelas contribuições sociais do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre; a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício e do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, dentre outras fontes previstas no artigo 195 da CRFB de 1988, com redação pela Emenda Constitucional nº 20 de 1998.

No âmbito do RGPS não incide contribuição social sobre aposentadoria e pensão concedidas. D e outro lado, os servidores inativos e os pensionistas controbuem com o percentual de 11% sobre os proventos de aposentadorias e pensões ao Regime Próprio - obrigação instituída pela Emenda Constitucional nº 41/2003, no primeiro governo Lula (2003-2007) - desde que excedam o limite máximo dos benefícios do RGPS, por decisão do Supremo Tribunal Federal em sede das ADIs 3105 e 5 e 31286, com relatoria do ebtão ministro o Min. Cezar Peluso, publicado no Diário da Justiça de 18.2.2005.

Antes da Emenda Constitucional nº 41/2003, os servidores exercentes de cargos efetivos se aposentavam com base no provento em que ocorria a aposentadoria. Contudo, a própria EC nº 20/1998, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, já admitia a possibilidade de vinculação da aposentadoria e pensão no serviço público ao teto do benefício concedido pelo RGPS. O § 14, acrescentado ao artigo da CRFB/1988, dispunha que os entes poderiam

"fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201."

O artigo 201 da CRFB/1988 cuida das regras gerais do regime geral de previdência social.

Foi a EC nº 41/2003 que atrelou o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, às remunerações utilizadas como base do Regime Geral.

Isto é, o valor máximo da aposentadoria ou da pensão no serviço público fica atrelado ao teto máximo do benefício concedido pelo Regime Geral de Previdência.

Aqui houve a unificação do critério remuneratório às aposentadorias e pensões entre os dois regimes. "A concessão do benefício de pensão por morte", dispõe o Art. 40, § 7º, I, da CFRB/1988 com redação pela EC 41/2003, definundo que será vinculado ao "valor da totalidade dos proventos do servidor falecido, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social".

No que se refere à aposentadoria dos servidores estatutários, pela redação originária do Art. 40, não havia qualquer menção à possibilidade de unificação dos critérios de aposentadoria entre os dois regimes. Nem mesmo quanto à limitação do valore da pensão ao teto da previdência, sendo que benefício da pensão por morte correspondia à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido.

Quando o governo Lula e o Congresso Nacional unificam os critérios da aposentadoria aos dois regimes (pela EC 41/2003), na prática houve prejuízo, quanto a esse direito, aos servidores públicos.

No fundo também a EC 41/2003 manteve os demais critérios diferenciados à aposentadoria quanto à idade entre o servidor público e o trabalhador do regime geral.

Ao perceber o estabelecimento de critérios diferenciados à aposentadoria entre os servidores, dois anos depois – mas ainda no primeiro governo Lula – foi aprovada a Emenda Constitucional nº 47/2005. Essa emenda proibiu, então, a adoção de critérios diferenciados para a aposentadoria entre os servidores públicos, exceto nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores portadores de deficiência; os servidores exercentes de atividades de risco e os servidores cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

Então, a diferença ficou assim:

a) o servidor estatutário no caso de aposentadoria por invalidez permanente, decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, passa a ter direito à aposentadoria integral, mas limitada ao teto do benefício do regime geral;

b) por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, observado o parâmetro do teto do RGPS.

A questão que se sucede é: as emendas 41/2003 e 47/2005 resolveram o problema de sustentabilidade do Regime Próprio? Essas reformas, como contrapartida, trouxeram outros direitos aos servidores públicos?

As mudanças constitucionais são sempre possíveis quando o objeto da reforma não envolve direitos fundamentais protegidos por cláusula pétrea. Por isso, quamdo são implementadas, significam – sob a perspectiva da razão coletiva – que os interesses particulares de certa categoria não podem prevalecer sobre os interesses da grande coletividade no âmbito de uma sociedade democrática.

Mas qual a capacidade da scoeciedade compreender as razões coleivas da reforma da previdência do servidor públicoe e, em específico, as razões do Estado político, quando a sua Constituição Federal é sucessivamente emendada quase sempre por razões econômicas?

A mnensagem que passa é a da instabilidade da jurídico-legislativa. E disso se aproveita a doutrina liberal para impor seus massificanetes argumentos econômicos paraa moldar os conceitos e objetivos da proteção social do Estado do bem-esatr.

Essas são questões profundas que estão no centro das reformas previdenciárias quejá foram implementadas no Brasil, sem que tenha havido até a presente data um amplo acesso às informações aos cofres previdenciários e sem que tenha havido uma substancial discussão acerca das razões sociais dessas reformas previdenciárias.

As duas emendas constitucionais (41/2003 e 47/2007), em síntese, retiraram vantagens constitucionais dos servidores públicos.

O pensamento liberal também esteve presente na reforma que adotou "gatilho" para o fim do regime próprio, a partir da Lei Complementar nº 152, de 3 de Dezembro de 2015, no governo da presidente Dilma Roussef (Partido dos Trabalhadores), assunto do qual me ocuparei mais adiante em outro artigo.

Não rejeito a necessidade real da reforma da previdência social, considerando elementos concretos: o envelhecimento da população, com a maior expectativa de vida do povo brasileiro, que segundo o IBGE aponta 81,2 anos ao brasileiro no ano de 2060, a desconstrução de postos formais de trabalho e a pejotijação crescente na sociedade tecnológica de risco, que também estimula o crescimento da inteligência artificial e cria problemas na sustentabilidade do regime de contrapartida.

Mas, a previdência não pode ser reformada apenas sob as as expectativas de mercado econômico-financeiro, pois este sempre é volúvel, à medida que o interesse do capital vai aonde forem melhores as suas condições de lucro. Essa questão remete às questões das reformas jurídicas nas estruras sociais, problema que Luhmann já advertia que "A sociedade não pode ser reconstruída apenas a partir de sua construção jurídica", porque "o direito é apenas um momento da estrutural outras" (Sociologia do Direito, RJ: Tempo Brasileiro, 1985 p.121).

Por lógica, o mesmo se aplica à reforma dos regimes de previdência no Brasil.

No caso do regime básico, é muito enfatizar, a previdência social é o direito social fundamental mais importante ao trabalhador segurado e aos seus dependentes, porque baseia-se no princípio da solidariedade entre gerações.

O artigo 193 da CRFB define os objetivos da prdem social brasileira: o bem-estar e a justiça sociais, tendo como primado do trabalho. Logo, promover reformas previdenciárias apenas na perspectiva econômica será inverter o princípio básico da ordem social brasileiro, Será dizer: A ordem social tem como primado a lógica do livre mercado.

Mas isso não pode ocorrer, sob pena do Estado brasileiro promover a desconstrução definitiva do princípio básico e inerente aos regimes previdenciários, que é a solidariedade entre gerações.

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Océlio de Morais
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