Fotojornalismo no Círio: o olhar sensível de quem testemunha as transformações
Profissionais do fotojornalismo falam sobre o crescimento do Círio nos últimos anos e dos desafios enfrentados na cobertura atual
Para aqueles que se dedicam a capturar sua essência por meio da fotografia, o Círio de Nazaré é, ao mesmo tempo, um bálsamo e uma peleja. Fábio Pina, Walda Marques e Raimundo Paccó são alguns dos fotógrafos que registram o Círio há mais de 20 anos e, desde então, têm testemunhado o crescimento expressivo das romarias e suas possibilidades de captura cênica, bem como as dificuldades cada vez maiores para chegar perto do ícone maior da Festa: a Imagem Peregrina de Nossa Senhora.
“Eu já faço o Círio desde a faculdade. Os últimos cinco anos foram complicados, primeiro por causa da pandemia. No segundo ano em que o povo voltou para a rua, fiz o registro da multidão. Mas antes disso, tive uma pneumonia na véspera do Círio e fiquei internado. Na maioria dos anos, fiz cobertura de rua e capturei tudo um pouco”, conta Fábio. Ele explica que sua cena favorita só é descoberta após a edição, um momento em que as fotos se tornam parte de um grande quebra-cabeça narrativo. “O Círio, para mim, é por instinto. Você fotografa pela emoção. Não consigo ser técnico; é tudo sobre o que está acontecendo ao seu redor”, destaca.
Entre suas fotografias memoráveis, Fábio menciona uma capturada do prédio da Receita Federal, onde ele registrou um mar de gente em movimento, uma imagem borrada que contrasta com a estabilidade dos prédios ao fundo. Mas é uma foto de três homens chorando, que lhe toca profundamente. “Eles choraram copiosamente quando a Santa passou. Aquilo me remeteu ao meu pai, que estava hospitalizado. É impossível não se envolver emocionalmente”, confessa.
O acreano Raimundo Paccó começou a fotografar o Círio no início dos anos 2000, sem qualquer referência sobre a magnitude do evento. “Minha primeira experiência não foi muito bacana. Eu vim de fora, trabalhei em Brasília e não sabia o que era o Círio. Andei dois quilômetros com a câmera pendurada e me apavorei com a multidão”, relembra. No entanto, ao se mudar para Belém, ele passou a entender melhor as estratégias para fotografá-lo. “Este ano vou pagar uma promessa. Minha mulher teve câncer e passei oito meses com ela no hospital. Quero fazer o Círio com uma [lente] grande-angular bem perto da corda, algo que nunca fiz”, revela.
A conexão de Paccó com a fotografia se desdobra na relação com outros companheiros de profissão. “Esse ano, vou fazer isso [fotografar com a lente grande-angular] em homenagem ao meu amigo Ary Souza, que nos deixou tão cedo”, explica.
Na opinião de Walda Marques, a organização da Festa de Nazaré, por meio da Guarda da Santa, precisa evoluir no respeito aos profissionais da fotografia. “A Guarda de Nazaré reprime a gente. Há lugares que são difíceis de acessar, mesmo para os credenciados. O Círio é uma mistura de fé, comércio e promessa. Como você explica uma pessoa que sai de joelho de uma igreja para outra?”, indaga.
“O mais bonito é quando o povo se mete no esquema. A festa é do povo”, acrescenta. No entanto, com o número de participantes cada vez maior, ela reconhece que isso também dificulta seu trabalho. “Com a quantidade de fotógrafos e pessoas com câmeras, é complicado conseguir uma boa imagem. O que falta é uma organização que entenda a necessidade dos profissionais”, critica.
Palavras-chave
COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA