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Veja como devoção nascida em Portugal se tornou uma das maiores manifestações religiosas do mundo

Historiador explica como a devoção mariana cruzou o atlântico e se tornou, no Pará o grandioso Círio de Nazaré

Gabriel da Mota

A devoção a Nossa Senhora de Nazaré no Pará tem suas raízes em solo português, especificamente no século XII. Segundo o historiador Geraldo Mártires Coelho, doutor em História Cultural pela Universidade de Lisboa, a origem da tradição remonta ao ano de 1182, quando o cavaleiro português D. Fuas Roupinho foi salvo de cair em um precipício após invocar a proteção da Virgem de Nazaré. "Esse episódio, conhecido como o Milagre de Nazaré, foi decisivo para a difusão da devoção, especialmente com o auxílio dos jesuítas, que desempenharam um papel crucial na propagação da fé mariana", explica o historiador.

Com o passar dos anos, essa devoção foi se consolidando em Portugal e, como outras tradições religiosas, atravessou o Oceano Atlântico junto com a colonização portuguesa. No Brasil, a devoção chegou ao Pará por meio dos jesuítas, que trouxeram a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, introduzindo-a na cultura local. Entretanto, como ressalta Geraldo Mártires, "a versão popular da devoção na Amazônia ganhou novos contornos, misturando-se com os elementos culturais e simbólicos da região".

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Um dos marcos da devoção nazarena no Pará é o suposto encontro da imagem por Plácido José de Souza, um caboclo paraense, em 1700, às margens do igarapé Murutucu, na cidade de Belém. "Reza a tradição que, após sucessivos milagres, a população local começou a reverenciar a imagem, e, em 1720, foi erguida uma pequena capela no local onde Plácido teria encontrado a Santa", detalha o historiador. Esse evento marca o início da forte ligação entre a devoção a Nossa Senhora de Nazaré e o povo paraense, especialmente em Belém.

No entanto, há controvérsias sobre a verdadeira origem do Círio de Nazaré no Pará. Embora a história de Plácido seja amplamente difundida, há registros que sugerem que o primeiro Círio da região ocorreu na cidade de Vigia, em 1697, antes mesmo de a Imagem ser encontrada em Belém.

"Consta nos relatos do jesuíta João Bettendorff que a devoção nazarena na Vigia começou quando Dom Jorge de Além Mor, donatário da cidade, trouxe a imagem de Nossa Senhora de Nazaré diretamente de Portugal", explica Geraldo Mártires.

Isso indicaria que a devoção já estava presente na Vigia antes de se popularizar em Belém, um fato que desafia a versão oficial.

Apesar dessa possível antecipação histórica, o Círio de Nazaré em Belém se consolidou como o maior símbolo da fé nazarena no Brasil, com sua primeira grande procissão datada de 1793. A partir daí, o evento cresceu, integrando elementos locais da cultura amazônica, como a corda puxada pelos fiéis, os carros de promessa e a intensa participação popular. "O Círio é um exemplo clássico de como as tradições religiosas europeias foram adaptadas ao contexto brasileiro, especialmente na Amazônia, onde a mistura de culturas indígenas, africanas e europeias enriqueceu a devoção", afirma o historiador.

A complexidade cultural envolvida no Círio de Nazaré é um reflexo das múltiplas influências que moldaram a história religiosa do Pará. "Desde o primeiro Círio, as representações culturais da Amazônia foram integradas à procissão, criando uma manifestação única, que mistura fé, cultura e identidade regional", observa Mártires. O historiador destaca que a devoção nazarena no Pará vai muito além do simples ato de veneração: "É um elo que conecta o povo paraense com suas origens e com a própria história de colonização do Brasil".

Hoje, o Círio de Nazaré em Belém é considerado uma das maiores celebrações religiosas do mundo, atraindo milhões de fiéis e turistas anualmente. No entanto, a história desse evento está repleta de nuances e controvérsias que continuam a ser debatidas por estudiosos e religiosos. "O que sabemos com certeza é que a devoção a Nossa Senhora de Nazaré foi essencial para o desenvolvimento cultural e religioso do Pará, seja em Vigia ou em Belém", conclui Geraldo Mártires Coelho.

Círio 2024