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Estudando o Círio: pesquisas acadêmicas revelam facetas da devoção nazarena

A antropóloga Mariana Ximenes reflete sobre a expansão das pesquisas acadêmicas que exploram a complexidade sociocultural do fenômeno

Gabriel da Mota

O Círio de Nazaré atrai não apenas milhões de fiéis, mas também a atenção de pesquisadores que veem na festa um vasto campo de estudo. Mariana Ximenes, doutora em Sociologia e Antropologia e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), é uma dessas estudiosas que dedica sua carreira à análise do Círio como fenômeno sociocultural. Com mais de 15 anos de pesquisas voltadas para o evento, Ximenes compartilha sua trajetória e as descobertas que tem feito ao longo do tempo.

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Para Mariana, o interesse pelo Círio surgiu na graduação, quando viu a aplicação das teorias sociais pela primeira vez em um evento com o qual tinha profunda vivência. “Eu já tinha uma experiência familiar muito grande com o Círio, minha família sempre participou das procissões, nós recebemos a peregrinação em casa desde que eu era pequena. Mas foi na graduação que eu li um conceito sociológico de sociabilidade e fiz o link com a peregrinação de Nazaré. Foi a primeira vez que eu vi a aplicação de uma teoria dentro de uma vivência que eu já tinha, e isso despertou meu interesse pela pesquisa”, relembra.

Desde então, Mariana se aprofundou nas pesquisas de campo, uma parte essencial do seu trabalho. Ela explica que sua investigação do Círio está em constante evolução. "Todos os anos, desde 2005, eu estou nas ruas observando, coletando dados. É impossível observar tudo, então precisamos sempre escolher recortes. A cada ano, estabeleço novas prioridades e novos focos de pesquisa", comenta.

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Um dos principais desafios em estudar o Círio, segundo Ximenes, é o fato de que o evento ocorre uma vez por ano, o que gera uma sensação de urgência na coleta de dados. "Há uma ansiedade porque fica a sensação de que, se eu não conseguir coletar todos os dados agora, só no próximo ano", admite. No entanto, com o passar do tempo e a experiência adquirida, Mariana conseguiu encontrar um ritmo. “Hoje, eu já estou mais tranquila, mas mesmo assim, em agosto, começo a me preparar, retomo os contatos com as pessoas e planejo o que vou observar naquele ano.”

Ao refletir sobre o cenário acadêmico das Ciências Sociais em relação ao Círio, Ximenes observa que, quando começou, havia poucos estudos aprofundados sobre o tema.

"Havia alguns trabalhos icônicos, como o de Isidoro Alves, com seu conceito de 'carnaval devoto', mas o volume de pesquisas era pequeno. De lá para cá, a produção acadêmica sobre o Círio cresceu muito, o que é fantástico, porque tem muito a ser explorado", comemora.

Hoje, segundo Mariana, os estudos tendem a focar em recortes mais específicos do Círio. "No início, as pesquisas eram mais abrangentes, geralmente centradas na procissão principal. Agora, vemos trabalhos que se dedicam a elementos simbólicos ou eventos específicos, como a corda, a Guarda de Nazaré ou o Círio das Crianças", explica. Esse foco em aspectos mais delimitados reflete a imensidão e complexidade do Círio, que envolve milhares de elementos e interações sociais.

Mesmo com o aumento no número de pesquisas, Ximenes acredita que ainda há muito a ser estudado. Ela menciona, por exemplo, a Romaria da Acessibilidade, que surgiu recentemente e envolve pessoas com deficiência. "Tenho um parceiro de pesquisa que já começou a trabalhar com a Romaria da Sensibilidade, e neste ano vamos aprofundar o estudo desse fenômeno, que é uma novidade no contexto do Círio. Também faltam pesquisas sobre a Romaria dos Corredores e a Romaria da Juventude, que são eventos igualmente ricos e pouco explorados", aponta.

Mariana também destaca a importância de mais estudos históricos sobre o Círio, com foco em documentação e registros antigos. "Sinto falta de mais pesquisas históricas aprofundadas sobre o Círio. Temos uma grande lacuna em relação a documentos antigos e a cobertura detalhada de como a festa se desenvolveu ao longo do tempo", afirma.

Círio 2024