Histórias de Mestre Damasceno são base para samba-enredo da Grande Rio
O compositor é um dos cinco profissionais que assinam a composição da agremiação em 2025.
Mestre Damasceno, Ailson Picanço, Davidson Jaime, Tay Coelho e Marcelo Moraes uniram seus talentos para entregar um samba-enredo repleto de história e representatividade. Em 2024, o quinteto se juntou para representar a escola de Samba Deixa falar e entrar na disputa para representar a Grande Rio do Carnaval 2025.
Foram quatro etapas, até finalmente, o samba-enredo da representante paraense ser eleito para levar a cultura do Pará, com o enredo "Pororocas Parawaras: As Águas dos Meus Encantos nas Contas dos Curimbós", ao Sambódromo da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, no próximo dia 04 de março.
Em conversa com o Mestre Damascenos, entendemos que a complexidade e histórias que envolvem o samba-enredo não gerou dificuldade para ele ao fazer parte dessa composição, já que o artista encontrou na sua vivência e trajetória de vida os causos necessários para levar a história do Pará ao Carnaval recheada de características locais.
O Mestre Damasceno nasceu em Salvaterra, região do Marajó, ele é cantor, compositor e diretor artístico, reconhecido nacionalmente como mestre de carimbó e criador do Búfalo-Bumbá de Salvaterra. Em 2023, a sua obra foi declarada como patrimônio cultural imaterial do Estado do Pará.
“A gente fala das três princesas que vieram da Turquia, que atravessaram para cá e se encantaram com a Amazônia, do encanto do verde das florestas. Vocês sabem que a rainha da Amazônia e das florestas se chama Jurema, ela também é uma caboca. Essa história da ‘Umbanda’ também começou aqui. Como a gente já ouvia essas histórias e as canções ao longo da vida, das caboclas Jarina, Mariana e Herundina, começamos a cantar esses pontos, assim como a lenda do boto e da pororoca. Vem também a história do Mururé, que existem dois. Tem o Mururé Pajé, que é o ‘miudinho’ (pequeno), e o Mururé Grande, que no Marajó o pessoal chama de Vitória-régia, que é a flor que fica em cima da água. Então, na composição a gente faz um intercâmbio e mistura uma coisa com a outra. Vai buscar a lenda do boto e tudo que tem de encanto na Amazônia. Fizemos com que as coisas dessem certo”, explica. O Mestre ainda acrescenta que não deu para colocar todas essas encantarias de conhecimento dele, mas que estão presentes na composição grandes temáticas,
De acordo com a Agência Brasil, a Umbanda nasceu no Rio de Janeiro, em 1908, em uma sessão espírita, do médium Zélio Fernandino de Moraes. Na ocasião, ele incorporou o caboclo das Sete Encruzilhadas e anunciou a Umbanda. No Pará, o Tambor de Mina é uma afro-brasileira que nasceu no Estado. Uma das suas características é a incorporação, e muitos dos médiuns “dão passagem” para os mais variados caboclos, como os de Pena, D'água, Mouros, Pássaros, dentre outros.
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Em publicação do site Globo, o samba-enredo da Grande Rio aparece como o segundo preferido pelo júri. Composto por 50 pessoas, que opinaram entre todas as composições, a agremiação apareceu atrás de “Malunguinho: O mensageiro de três mundos”, da atual campeã do carnaval, a Unidos do Viradouro.
Por dentro das frases do samba-enredo é possível encontrar uma imensidade de lendas, histórias e causos dos paraenses, por exemplo já na primeira frase, em “A Mina é Cocoriô” se encontra uma saudação e evocação a gira que mistura Voduns, Orixás, Caboclos.
Ainda nessa estrofe temos “Pro banho de cheiro” que é um ritual típico do Pará. A ação é misturar diversas ervas locais, para cada uma tem um objetivo, fazer a infusão e tomar como um banho aromático. A história conta que os banho de cheiro começou a ser usado no século XIX, e apesar de estar incluindo na rotina dos paraenses, ele tem uso mais frequente em festividades como: festa junina, Círio de Nazaré e réveillon.
Na última frase, deste primeiro parágrafo, são citados o boto e a mãe d'agua, que são referências dos contos indígenas que são sinônimos de amor e sedução. Este primeiro conta a história de um que costuma aparecer em datas festivas para seduzir mulheres. Ele usa um chapéu para esconder o buraquinho que o boto tem no alto da cabeça que é usado para respirar.
Já a mãe d'agua é a personificação de uma mulher, ela também é conhecida como Iara. A entidade é uma sereia que mora nas águas, sendo parte mulher e parte peixe, que encanta os homens que estão navegando com a sua voz. Os encantados por ela são levados para debaixo d’água e não são vistos novamente em terra.
Ao longo de cada frase se encontra uma imensidão de história.
“Quando a gente vê as pessoas ouvindo e as críticas elogiando a nossa composição, isso faz enaltecer a gente. Nos enchemos de emoção e felicidade por saber que dentro de uma história que a gente sempre contou, em conversa com os amigos, surge um samba. A composição vem exatamente dessas histórias que a gente conta na frente de uma casa, na beira de uma praia, na porta de bar ou em qualquer lugar que a gente esteja reunido. Esses mitos, lendas e histórias que a gente conhece também vem dos nossos antepassados, tudo que passou pela gente, hoje com 70 anos já vi muitas ‘mizuras’ na terra. Quando fui convidado para participar da composição do samba, já tinha um pesquisador muito bom, e aí surgiu o tema, juntou todo mundo e surgiu a ideia de concorrer. Fiz uma parte, contei umas histórias”, relembra.