Coração de Eloá, morta há 10 anos pelo ex, bate no peito de mulher

Maria Augusta carrega órgão de Eloá Pimentel desde outubro de 2008, quando estudante foi morta por Lindemberg

G1
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O coração de Eloá Cristina da Silva Pimentel, adolescente morta a tiros pelo ex-namorado em outubro de 2008 durante emblemático sequestro em Santo André, ABC, bate há dez anos no peito de uma simpática vendedora de roupas em Canaã dos Carajás, interior do Pará.

Maria Augusta da Silva dos Anjos, de 48 anos, tinha um grave problema cardíaco: o ventrículo direito dela funcionava, mas o esquerdo não bombeava sangue corretamente e ela precisava de um transplante. Ela recebeu o coração de Eloá doado pela família da jovem.

“Agradeço à mãe de Eloá [a recepcionista Ana Cristina Pimentel da Silva] por ter permitido a doação dos órgãos da garota”, disse Augusta, por telefone ao G1.

Ana Cristina, mãe de Eloá, disse à época que não pensou duas vezes para decidir doar os órgãos da filha. “Não tive dúvida. Quando os médicos vieram falar comigo, eu já estava decidida”, comentou a recepcionista numa entrevista em 2009. A reportagem não conseguiu localizá-la nesta semana para falar do caso.

Pelo menos mais quatro pessoas também receberam outros órgãos de Eloá: pulmão, córnea, fígado, rim e pâncreas.

Eloá morreu após ser baleada por Lindemberg Alves Fernandes. Ela teve a morte cerebral anunciada pelos médicos em 18 de outubro de 2008. A vítima tinha apenas 15 anos e o assassino, 22. Ele não aceitava o fim do namoro. De 13 a 17 de outubro de 2008, a imprensa transmitiu ao vivo o sequestro com seu desfecho trágico.

O G1 não conseguiu localizar a atual defesa de Lindemberg para comentar o assunto neste mês. O sequestrador foi julgado em 2012. Ele foi condenado a mais de 90 anos de prisão por 12 crimes. A pena foi reduzida depois pela Justiça para 39 anos. Atualmente ele está preso em Tremembé, interior paulista.

Transplantados - Além do coração, outros cinco órgãos de Eloá foram transplantados. Uma das córneas da adolescente foi doada para a recepcionista Livia Amodio Novais; o mecânico Emerson Gentil Dardes recebeu pâncreas e rim da garota. O pulmão foi para uma jovem de 18 anos e o fígado, para uma menina de 12 anos com um tipo grave de hepatite.

Quem também falou nesta semana com o G1 foi Livia, que recebeu a córnea de Eloá em seu olho esquerdo em 2008. A recepcionista de um hospital em Guarulhos, na Grande São Paulo, sofre de ceratocone nos olhos, doença oftalmológica na qual as córneas se curvam para fora, no formato de um cone, prejudicando a visão. "É bom saber que outras pessoas pensam no próximo", contou Livia.

Augusta recebeu o coração: 'Minha vida é um milagre'

“Não estou pedalando não porque eu ainda não consegui andar de bicicleta. Tinha um sonho de ter minha casa. Trabalhei bastante e consegui construir a minha casa.

Eu trabalho com vendas. Vendo joias, roupas. Moro em Canaã dos Carajás no Pará. Nasci na Ilha de Marajó. Vou completar 49 anos de idade em 20 de outubro, no dia que eu ganhei este coração.

Estava em São Paulo. Fiquei dois anos e uns meses na fila de espera por um transplante de coração, morando em São Paulo. Eu só tinha o ventrículo direito do coração funcionando. Tinha também o ventrículo esquerdo, mas ele era pequeno e não tinha função. Não funcionava direito.

Eu tinha problemas cansaço, falta de ar, insuficiência respiratória. Unhas eram todas roxinhas, os lábios roxos, a pele parecia azulada por causa do sangue que não circulava direito. Descobri essa doença com 6 anos. Na época, médicos falavam que não tinha solução. Ainda deram dois diagnósticos. Um falava que era coração grande. Depois o outro falou que era sopro.

Fiquei dois meses internada em Belém quando tinha 6 anos. Fiz muitos exames. Os médicos falavam para minha mãe, para os meus pais, que eu ia viver no máximo até os 7 anos de idade.

Meus pais foram pessoas que me ensinaram a ter muita fé. E eles falaram assim: ‘tudo bem, os médicos estudaram, mas que Deus dê mais vida a minha filha’. E eu voltei a voltar na Ilha de Marajó e não fiquei mais na capital. Voltei ao Marajó porque não parecia ter mais solução para o meu caso.

Ainda fiquei até meus 20 anos indo para o interior e a capital, tendo acompanhamento médico. Eu tentava fazer as coisas que eu não podia, como nadar, andar de bicicleta, mas eu desmaiava.

Mas falo sempre que a minha vida é um milagre. Aí fui levando a vida assim: estudei o ensino fundamental, terminei o ensino médio. Tudo muito devagar... atrasou muito os meus estudos. E quando estava com 19 anos, comecei a piorar muito, comecei a piorar muito, muito mesmo. Comecei a ficar mais roxa. Não conseguia sair de casa. Fiquei muito, muito mal mesmo.

Foi então que conheci um médico em Belém. Ele tinha feito residência em São Paulo. E falou: ‘a única solução por enquanto é a cirurgia de Fontan [procedimento paliativo usado em crianças com corações univentriculares], que é nova aqui no Brasil. É a única solução para você. Colocarem uma válvula para substituir o ventrículo esquerdo e fazê-la funcionar no lugar.

Essa cirurgia foi feita no Hospital Beneficência Portuguesa em São Paulo pelo SUS [Sistema Único de Saúde]. Minha família me apoiou muito. Fiquei com essa válvula no coração por 13 anos. Tive melhora bem significativa com essa válvula.

Aí em 2005 eu comecei a sentir um leve cansaço quando eu andava, na hora do banho, até para tomar banho. Aí foi aumentando. Fui em São Paulo novamente em 2006 e aí eles diagnosticaram que válvula não estava mais funcionando direito, só que não poderia substituir essa válvula. Teria que ser um transplante.

Fiz exames para entrar na fila dos transplantes no final de 2006 em São Paulo. Já estava na fila, já fiz exames para transplante e tudo. Aí fiquei morando na capital paulista por dois anos e três meses aguardando o órgão.

Surgiram dois corações nesse período. Só que às vezes a pessoa sofre acidente e fica na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), usa muita droga pesada para ver se cura a pessoa. Não deu. E o segundo órgão não foi compatível.

Eu era a sexta da fila de espera por um transplante de coração no Hospital Beneficência Portuguesa. Todo mês eu tinha que ir ao hospital e, às vezes, ficava internada dez dias, um dia, para ver como é que estava a evolução.

No dia 19 de outubro às 22h eu soube que poderia receber um novo coração. Estava em casa. Não saía de casa. Não dava conta mais de andar. Fiquei praticamente quase dois anos e meio dentro de um apartamento em São Paulo. Não conseguia trabalhar.

Recebi a notícia por telefone. Meu médico ligou: “vem para o hospital que eu acho que você vai ganhar o coração daquela moça, a Eloá’. Eu soube do caso pela TV. Fiquei internada do dia 8 de outubro até dia 18 de outubro.

Quando cheguei ao hospital, meu médico perguntou se eu queria o coração. Disse que sim. Ele falou que o fato de o caso ter saído na mídia seria complicado para mim por causa do assédio.

Fui para o hospital e meu médico Antonio Alceu me cumprimentou. Ele perguntou se eu acreditava em milagres. ‘E falei sim. Minha vida inteira é um milagre porque todos diagnósticos de pessoas que nascem como meu problema, se não fizerem cirurgia até os 8 meses de vida não sobrevivem, e eu fui fazer a cirurgia de Fontan aos 21 anos.

Ele disse: ‘estou falando isso porque tinham cinco pessoas na sua frente na UTI e nenhuma delas foi compatível e você ganhou o coração’. E eu sempre pedi a Deus para me dar o coração no dia do meu aniversário.

Entrei no centro cirúrgico às 23h30 do dia 19 de outubro de 2008 e saí, após o transplante, às 8h do dia 20 de outubro, data do meu aniversário. Amanheci com o presente novo, com o coração novo.

Todo transplantado toma remédios contra rejeição. Tem de tomar a vida toda. Comigo não é diferente. Quis saber mais sobre a doadora [Eloá], até visitei a mãe dela [Ana Cristina Pimentel da Silva]. Quando eu morava em São Paulo, ela foi visitar meus pais.

A gente está meio distante, mas tem contato até hoje no Whatsapp. É pouco, mas mantém. Eu acredito que ela ficou muito feliz quando se encontrou comigo e de ver o coração da filha dela batendo no meu peito. Ela estava muito alegre de ver que um pedaço da filha dela está aqui em mim.

Muita coisa mudou na minha vida. Primeiro: eu sempre que eu posso eu falo para alguém, até falo para meu esposo, ele não gostava dessa ideia de falar de ser doador.

Eu falo sempre para ele assim: ‘você vê o quanto eu sofri. E hoje estou com um órgão de outra pessoa e que me fez voltar a viver. Então para mim essa foi a maior mudança de ver a importância da doação.

Por isso agradeço a mãe de Eloá por ter permitido a doação dos órgãos da garota. Eu gosto de falar para as pessoas. Sempre gosto de dar força para as pessoas, falar que a gente tem que ter fé de que tudo vai dar certo e a importância da doação de órgãos.

Atualmente sou feliz. Casada com meu marido, Carlos Silva, de 31 anos. Ele é montador de andaimes. Não posso ter filhos, mas tenho uma enteada linda."

Lívia recebeu as córneas: 'Sou muito a grata à mãe dela'

"Atualmente tenho 38 anos e trabalho num Hospital em Guarulhos, Grande São Paulo. Tinha 16 para 17 anos quando descobri o ceratocone.

Eu tenho ceratocone nos olhos. As córneas vão ficando no formato de cone, pontuda. E vou perdendo a visão. Só enxergo com lentes de contato.

Além do ceratocone tenho miopia, 20 graus, e astigmatismo, 14 graus, nos dois olhos. Sem lente de contato eu não enxergava. Dizem que ceratocone é uma doença é genética. O último caso é sempre transplante.

Logo que fui fazer transplante me disseram que não tinha ninguém na fila. Acharam um doador, mas era um senhor de 70 anos. Então acharam melhor não fazer.

Quando fui me internar em 2008 para fazer o transplante, toda reportagem já estava sabendo que eu seria a receptora de uma córnea da Eloá. Ela iria para o olho esquerdo. A do olho direito recebeu a córnea de um doador desconhecido.

Depois de alguns anos, falei com a mãe dela [Ana Cristina]. Isso para mim foi ótimo porque me ajudou muito. Eu sou muito a grata à mãe dela. É bom saber que outras pessoas pensam no próximo.

Conheci os outros dois transplantados, Maria e Emerson. Acho que ela está no Nordeste e ele deve morar aqui em Guarulhos.

Faço acompanhamento com oftalmo que dirá se terei de fazer novo transplante de córnea porque desenvolvi catarata no olho esquerdo. O outro olho está bom. Enxergo 90%. Mas o olho da Eloá eu não ponho mais lente porque não consigo usar devido à doença, ceratocone, que também voltou.

Sou casada e tenho um filho que fez aniversário na sexta-feira [último dia 6 de outubro]. Ele foi adotado com sete meses de vida dias antes de eu passar pelo transplante de córnea da Eloá em 2008. Eu estava tendo dificuldade para engravidar. Realmente foi um ano repleto de emoções para mim."

Transplante de órgãos

Segundo Tainá Veras de Sandes Freitas, vice-presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), atualmente mais de 30 mil pessoas estão esperando um órgão no Brasil.

“Em muitos casos, o transplante é a única opção de tratamento, a exemplo do fígado, coração e pulmão”, disse Tainá em entrevista ao G1. “Em outros casos, onde há um tratamento alternativo, caso do rim, em que a diálise está disponível, o transplante é a melhor opção.”

De acordo com a representante da ABTO, as doações de órgãos podem ocorrer nos casos de doadores falecidos ou vivos. “A doação de órgãos de doador falecido é dita ‘consentida’, ou seja, a pessoa só pode doar após a morte, caso a família autorize”, declarou Tainá.

Segundo a vice-presidente da associação, rins, fígado e córneas são os órgãos mais doados.

"Atualmente, o número de transplantes de córnea aproxima-se muito da necessidade estimada. Em alguns estados, não há mais fila de espera para córnea”, disse Tainá. “No transplante de coração também houve crescimento, embora em ritmo mais lento, em virtude de sua complexidade e necessidade de uma infraestrutura altamente especializada.”

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