Carbono azul: manguezais do Pará têm o maior estoque no Brasil; confira
Levantamento realizado pelo projeto Cazul, com apoio da Fundação Grupo Boticário, revela que estado pode gerar R$ 14,8 bilhões em créditos no mercado voluntário de carbono
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O Pará concentra o maior estoque de carbono azul do Brasil, com 574,7 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO₂) armazenadas em seus manguezais. Esse potencial pode se traduzir em pelo menos R$ 14,8 bilhões em créditos de carbono no mercado voluntário. Apesar de sua importância, as áreas de manguezal enfrentam ameaças crescentes, como desmatamento, poluição e a pressão da produção de commodities.
Os cálculos fazem parte do estudo “Oceano sem Mistérios: Carbono azul dos manguezais”, conduzido pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e pelo projeto Cazul, do Rio de Janeiro. Espera-se que, com a regulamentação do mercado de carbono em dezembro de 2024 (Lei 15.042/2024), seja fortalecida a transição para uma economia de baixo carbono. Em um cenário favorável, com uma precificação desejada de 100 dólares a tonelada, estima-se que o valor do carbono armazenado nos manguezais paraenses possa alcançar até R$ 322,9 bilhões.
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O que é carbono azul?
O termo carbono azul se refere ao carbono capturado e armazenado pelos ecossistemas costeiros e marinhos, como manguezais, marismas e pradarias de ervas marinhas. Esses ambientes têm um papel fundamental na regulação do clima, pois absorvem grandes quantidades de dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera, ajudando a mitigar as mudanças climáticas.
Para garantir a preservação desse estoque, os estados precisam proteger seus manguezais, mantendo-os saudáveis. “Dessa forma, é possível assegurar todos os benefícios que esses ecossistemas oferecem, como a proteção da linha de costa, reduzindo a força e o alcance das ondas, a manutenção da produção pesqueira, a conservação da biodiversidade, entre muitos outros. Além disso, os créditos de carbono representam uma estratégia adicional para financiar a conservação dessas áreas”, explica Alexander Turra, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), professor titular do Instituto Oceanográfico da USP e responsável pela Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano.
Onde está o maior estoque de carbono azul?
A costa Amazônica brasileira, que inclui o estado do Pará, abriga a maior faixa contínua de manguezais do mundo. Ao todo, no Brasil, 75% desse ecossistema estão conectados à Amazônia, numa extensão de 1,043 milhão de hectares em 68 municípios da Amazônia Legal (29 no Pará, 4 no Amapá e 35 no Maranhão), onde vivem cerca de 5,5 milhões de pessoas. No total, os manguezais da Amazônia armazenam 1,3 bilhão de toneladas de CO₂, com um potencial de geração de até R$ 35,4 bilhões em créditos no mercado voluntário, com potencial de chegar a R$ 770,3 bilhões em um mercado regulamentado numa economia de baixo carbono.
No Brasil, os manguezais armazenam 1,9 bilhão de toneladas de CO₂, o que representa um potencial de geração de até R$ 48,9 bilhões em créditos de carbono, conforme o valor praticado no mercado voluntário. Esse valor pode alcançar até R$ 1,067 trilhão, caso o preço da tonelada de CO₂ atinja a marca de R$ 562,00, em um cenário de transição para uma economia de baixo carbono. No mercado voluntário brasileiro, a tonelada de CO₂ já foi negociada a R$ 25,85, com a cotação de R$ 5,62 para cada dólar. Considerando o aumento médio anual de 2,9 milhões de toneladas do estoque de carbono azul, os pesquisadores estimam um incremento de R$ 75,2 milhões por ano.
Como funciona o armazenamento de carbono azul?
Diferente das florestas tropicais, que capturam carbono principalmente nas folhas e troncos das árvores, os ecossistemas marinhos armazenam carbono no solo por milhares de anos, reduzindo sua liberação para a atmosfera. Estudos indicam que os manguezais, por exemplo, podem armazenar até cinco vezes mais carbono por hectare do que as florestas terrestres.
Como funciona o mercado de créditos de carbono
O mercado de créditos de carbono ganha força com as metas ambientais de cada país para frear o aquecimento global, tornando necessária a descarbonização de diversos setores da economia. Nesse cenário, o crédito de carbono é um mecanismo que permite que empresas e países compensem suas emissões de CO₂, comercializando créditos e investindo em projetos que reduzam ou capturem gases do efeito estufa, como a conservação de florestas e manguezais.
Parcela significativa das emissões vem de ações humanas, como o uso de combustíveis fósseis, o desmatamento, a agropecuária e processos industriais. Parte desse carbono é capturada pela vegetação, mas também por outros organismos fotossintetizantes, como as algas, e armazenada em troncos, galhos, raízes, folhas e, especialmente no manguezal, no solo, auxiliando no equilíbrio atmosférico e minimizando o aquecimento global e seus eventos extremos. Cada crédito equivale a uma tonelada de CO₂ que deixou de ser emitida ou foi absorvida da atmosfera.
Ameaças
O Brasil possui a segunda maior extensão de manguezais do planeta, ficando atrás apenas da Indonésia. O estudo “Oceano sem Mistérios: Carbono azul dos manguezais” identificou a presença de 1.390.664 hectares de manguezais ao longo da costa brasileira - área equivalente a nove cidades de São Paulo ou 11 cidades do Rio de Janeiro. Eles estão presentes em 300 municípios brasileiros - principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Em relação aos biomas, 75% estão conectados com a Amazônia, 18% com a Mata Atlântica, 5% com o Cerrado e 2% com a Caatinga.
“A partir do conhecimento gerado neste estudo, esperamos inspirar ações concretas a favor da proteção e conservação desse ecossistema costeiro-marinho vital para a saúde do planeta e de suas comunidades. Políticas e planos de adaptação às mudanças do clima, gestão de riscos e desenvolvimento costeiro devem incluir medidas para proteger, conservar e restaurar manguezais. Essas ações merecem a atenção de tomadores de decisão, iniciativa privada e de toda a sociedade”, afirma a diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, Malu Nunes.
Estima-se que o Brasil já tenha perdido cerca de 25% da vegetação original de seus manguezais. As principais ameaças a esse ecossistema incluem a conversão de áreas para a produção de commodities na aquicultura e na agricultura, especialmente para o cultivo de camarões, peixes, arroz e palma; o desmatamento para extração de carvão vegetal e madeira; a ocupação desordenada devido ao crescimento urbano; práticas predatórias de pesca, como a pesca de arrasto e a captura de espécies fora do período de defeso; além da poluição causada por resíduos químicos (que incluem agrotóxicos e derramamento de óleo, por exemplo), além de lixo e esgoto. Efeitos das mudanças climáticas, como o aumento do nível do mar e a erosão costeira, também intensificam os riscos para esses ambientes.
“A conservação dos manguezais deve considerar as atividades socioeconômicas das comunidades tradicionais, promovendo oportunidades de geração e distribuição de renda para caiçaras, quilombolas e indígenas que dependem desses ecossistemas. Essa abordagem não apenas fortalece a conservação, mas também impulsiona um modelo de desenvolvimento sustentável bem estruturado”, ressalta.
O estudo
O estudo identificou e atualizou informações sobre as áreas de manguezal no Brasil por meio da interpretação visual e classificação automática de imagens de satélite, partindo de uma base de dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de 2018. “Com imagens temporais da plataforma Google Earth Engine, traçamos parâmetros para avaliar o estado de conservação das áreas e o índice de vegetação associado para auxiliar nos cálculos de estoque de carbono, entendendo a quantidade de dióxido de carbono que é acumulado em cada estrutura das florestas de manguezal”, explica Laís de Oliveira, líder executiva do projeto Cazul, uma das responsáveis pelo estudo.
Soluções e serviços oferecidos pelos manguezais
- Berçário para a vida marinha em meio à intrincada rede de raízes aéreas e submersas e ambiente rico em nutrientes.
- Manutenção de estoques pesqueiros, garantindo potencial econômico e renda para comunidades locais e para a pesca industrial (70% dos estoques da pesca industrial dependem do manguezal em algum momento de seus ciclos de vida), além de contribuir com a segurança alimentar.
- Suporte à biodiversidade e ao equilíbrio ecológico, oferecendo ambiente de descanso, alimentação e reprodução para diversos animais, como aves e mamíferos.
- Manutenção do fluxo gênico, pois cada manguezal é responsável por manter uma rede que conecta diferentes populações de animais e vegetais ao longo da costa. A perda de um manguezal pode comprometer esse sistema.
- Filtros naturais, com raízes que impedem a chegada de resíduos ao mar aberto e com poluentes sendo aprisionados no sedimento, favorecendo a qualidade da água em regiões próximas e a saúde de outros ecossistemas, como os recifes de corais.
- Engenheiros ecossistêmicos na proteção e resiliência de comunidades costeiras e da infraestrutura urbana contra a erosão costeira, o avanço do mar e a intrusão salina (entrada de água salgada em ambientes de água doce), além de elevar o nível do solo com a retenção de sedimentos, podendo acompanhar o aumento do nível do mar em algumas ocasiões.
- US$ 65 bilhões em danos patrimoniais evitados todos os anos no mundo com a atuação dos manguezais. (Fonte: Global Mangrove Alliance)
- Amortecedores da força e alcance das ondas, marés, ventos e tempestades, servindo como obstáculo e uma primeira linha de defesa contra inundações, sendo que 100 metros de floresta reduzem a energia da onda em dois terços.
- 15 milhões de pessoas no mundo são beneficiadas pela redução no risco de inundações oferecida pelos manguezais.
- Estoque de Carbono Azul, com maior retenção de carbono no solo pobre em oxigênio e em sua estrutura devido à desaceleração do processo de decomposição.
Sobre a Fundação Grupo Boticário
Com mais de 30 anos de história, a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza é uma das principais fundações empresariais do Brasil que atuam para conservar o patrimônio natural brasileiro. Com foco na adaptação da sociedade às mudanças climáticas, especialmente em relação à segurança hídrica e à proteção costeira, a instituição atua para que a conservação da biodiversidade seja priorizada em todos os setores. Alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, considera que a natureza é a base para o desenvolvimento social e econômico do país.
Sem fins lucrativos e mantida pelo Grupo Boticário, a Fundação Grupo Boticário contribui para que diferentes atores estejam mobilizados em busca de soluções para os principais desafios ambientais, sociais e econômicos. Já apoiou mais de 1.700 iniciativas em todos os biomas no país. Protege duas reservas naturais de Mata Atlântica e Cerrado – os biomas mais ameaçados do Brasil pelo desmatamento –, somando 11 mil hectares, o equivalente a 70 Parques do Ibirapuera. Com 1,4 milhão de seguidores nas redes sociais, busca também aproximar a natureza do cotidiano das pessoas.
A instituição é fruto da inspiração de Miguel Krigsner, fundador e presidente do Conselho do Grupo Boticário, criada em 1990, dois anos antes da Rio-92 ou Cúpula da Terra, evento que foi um marco para a conservação ambiental mundial. | www.fundacaogrupoboticario.org.br | @fundacaogrupoboticario (Instagram, Facebook, LinkedIn, Youtube, TikTok).
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