Policiais usam brecha na legislação para entrarem armados em locais públicos
Advogado diz que orientação sindical é impedir qualquer entrada de armas, independente do que a pessoa argumente
Um dos questionamentos de frequentadores da casa de shows Mormaço Bar e Arte, após um jovem ser baleado na madrugada de sábado (15), dentro do estabelecimento, é como alguém entrou armado, passando pela fiscalização rigorosa do local. O advogado Fernando Soares, diretor do Núcleo de Atendimento do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Pará (SHRBS-PA), aponta que policiais se valem de uma brecha, no Estatuto do Desarmamento, para forçar a entrada em locais onde armas são proibidas alegando um direito duvidoso.
Essa forma de ingresso de uma arma dentro do Mormaço — assim como em qualquer outro estabelecimento comercial onde armas são proibidas —, reforça a tese de que quem atirou contra Vinícius de Moraes, de 20 anos, no último sábado, era um policial. Pelas informações colhidas pelo SHRBS-PA, com base em relatos de policiais civis e militares e de testemunhas, o atirador seria da PM.
Fernando afirma que qualquer pessoa comum que tente entrar com uma arma em um estabelecimento, o que inclui o Mormaço, será impedido. Sem exceções. No entanto, quando um policial, que conhece a legislação e a brecha, é barrado por estar armado, cita a lei inteira, mostra a identidade funcional e evoca o direito dele ao porte da arma. Quando o funcionário do estabelecimento não conhece a legislação ou não tem orientação específica, dificilmente discute com o policial e acaba permitindo a entrada.
"Mas não é bem assim. Existe restrição de porte de armas em casas públicas. Mas o Estatuto do Desarmamento revogou e uma portaria nova é omissa quanto a isso. Por conta disso, os policiais abusam. No entendimento do sindicato, armas e bebidas são nitroglicerina pura. Já ocorreram, por conta dessa mistura, ameaças, brigas, disparos e outros crimes. Como ocorreu no passado, na extinta casa de shows Olê Olá, de um policial bêbado ter descarregado a arma em um professor, durante uma briga por causa de uma mulher. Nossa orientação, do SHRBS-PA, é de que impeça a entrada, não importa o que o policial diga", analisa o advogado do sindicato, que está prestando assistência jurídica ao Mormaço.
O advogado ainda critica uma medida que é ilegal, mas usada por alguns estabelecimentos para evitar justamente esse risco com policiais armados e bêbados: contratar um policial para um "bico" — uma atividade paralela de policiais na ativa e completamente proibida — de segurança para acautelar as armas de outros policiais. Fernando ainda reforça: "Muito melhor tomar um processo de um policial que se sentiu afrontado por não poder entrar armado, do que de um cliente que foi ferido dentro do estabelecimento porque alguém entrou armado."
FECHAMENTO
A medida anunciada pela Divisão de Polícia Administrativa (DPA) da Polícia Civil, de que poderia solicitar o fechamento do Mormaço, é considerada defasada, inconstitucional e autoritária na leitura do SHRBS-PA. No entanto, o anúncio feito no domingo não foi esclarecido pela própria Polícia Civil. E o procedimento ainda nem foi feito.
"Fechar o estabelecimento é uma insanidade. O decreto estadual 2423/1982, que rege a DPA, é de antes da Constituição Federal de 1988 e carrega um ranço da ditadura. Permite punir primeiro para investigar depois. Mas pelas discussões acerca desse tema, quase sempre conseguimos mandados de segurança contra medidas como essa. As polícias precisam olhar primeiro para os próprios rabos, pois foi um policial, neste caso, o primeiro a atacar", concluiu o advogado.
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