Mulheres no ensino superior: participação cresce, mas desigualdade persiste
Apesar de serem maioria nas universidades, mulheres enfrentam barreiras para alcançar postos de liderança e equidade salarial. A UFPA trabalha para mudar esse cenário
A presença das mulheres no ensino superior tem aumentado nos últimos anos. Atualmente, elas representam cerca de 57% dos estudantes universitários no Brasil. No entanto, essa maioria se reduz conforme avançam na carreira acadêmica e científica, especialmente quando se trata de cargos de liderança e reconhecimento na pesquisa.
A desigualdade de gênero ainda é uma realidade no meio acadêmico e científico. Segundo a professora e vice-reitora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Loiane Prado Verbicaro, apenas 14% dos membros da Academia Brasileira de Ciências são mulheres, e 36% dos bolsistas de produtividade, a categoria que reúne os pesquisadores mais reconhecidos do país, pertencem ao sexo feminino. Se a análise for feita a partir de marcadores como raça e localização geográfica, o número cai ainda mais.
“Na base, a participação feminina é maior. Mas quando chegamos ao topo da carreira, a maioria é masculina”, explica a vice-reitora. Essa diferença ocorre por fatores históricos e estruturais que limitam o acesso das mulheres ao mercado de trabalho e à ciência. “Por uma divisão sexual do trabalho, a mulher foi ao longo da história excluída da escolaridade e da vida pública. O pensamento ocidental invisibilizou as mulheres, e esse impacto persiste até hoje”, destaca Loiane.
Além disso, as mulheres enfrentam estereótipos que as afastam de posições de liderança. “Ao homem se atribui racionalidade e firmeza, enquanto a mulher é vista como sensível e cuidadora. Esses estereótipos acabam influenciando o acesso às oportunidades de trabalho e pesquisa”, afirma.
O que a UFPA está fazendo para mudar esse cenário?
A UFPA criou a Comissão de Cuidado de Gênero, que reúne mulheres de diferentes perfis, incluindo brancas, negras, indígenas, quilombolas, mulheres trans e pessoas com deficiência. O objetivo é desenvolver estratégias para promover a equidade de gênero na universidade, levando em conta a diversidade de experiências e desafios enfrentados por essas mulheres.
Uma das principais preocupações da instituição é garantir a permanência estudantil das mulheres, especialmente aquelas que precisam conciliar os estudos com a maternidade e o cuidado com familiares. Para isso, foi aprovado um regime acadêmico diferenciado, que prevê flexibilização de prazos e acompanhamento especial para alunas grávidas e mães.
Na pós-graduação, a UFPA discute políticas para ampliar os prazos de defesa de dissertação e tese para pesquisadoras que tenham filhos. “Quando uma pesquisadora se afasta para exercer a maternidade, sua produção acadêmica diminui. Isso impacta diretamente sua pontuação para concorrer a bolsas e financiamento. Precisamos criar mecanismos compensatórios para garantir que essas mulheres continuem suas carreiras científicas”, explica a vice-reitora.
A universidade também participou da elaboração da Carta de Ouro Preto, documento assinado por reitores e reitoras de instituições federais com propostas para garantir a equidade de gênero no ensino superior. Além disso, segue as diretrizes do Marco Referencial para Equidade de Gênero nas Instituições Públicas Federais, que propõe ações para reduzir desigualdades e incluir mulheres em cargos de liderança acadêmica.
Para Loiane, a equidade de gênero nas universidades tem um impacto direto na sociedade. “Se queremos uma sociedade democrática, precisamos garantir que as mulheres tenham as mesmas oportunidades acadêmicas, científicas e profissionais. A universidade é a base para formar líderes e tomadores de decisão. Se não há equidade aqui, essa desigualdade se reflete na política, no judiciário, na ciência e nas empresas”, enfatiza.
Ela lembra que a exclusão das mulheres da ciência não é recente. Ao longo da história, diversas cientistas tiveram suas contribuições apagadas ou atribuídas a homens. Um exemplo disso é Mileva Einstein, esposa de Albert Einstein, que colaborou em suas pesquisas, mas nunca recebeu o devido reconhecimento. “A divisão do trabalho dentro de casa afeta diretamente a ascensão das mulheres. Se elas assumem toda a sobrecarga da economia do cuidado, sobra pouco tempo para se dedicarem à vida acadêmica e profissional”, alerta.
A UFPA também propõe mudanças na estrutura curricular dos cursos para incluir mais referências femininas. “Precisamos revisar nossas bibliografias e garantir que filósofas, cientistas e pesquisadores sejam estudadas e valorizadas. A produção do conhecimento não pode continuar sendo apenas masculina”, defende Loiane.
Mudanças a longo prazo
O caminho para a igualdade de gênero no ensino superior ainda é longo, mas iniciativas como as da UFPA demonstram avanços importantes. A vice-reitora reforça que o objetivo não é apenas garantir que mais mulheres ingressem na universidade, mas que também tenham condições de concluir seus estudos e ocupar espaços de liderança. “Temos que trabalhar para que as mulheres cheguem ao topo. A desigualdade ainda é profunda, mas cada política implementada é um passo a mais para garantir que o conhecimento e a ciência sejam mais inclusivos e igualitários”, conclui.
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