Dia do Homem traz reflexão sobre masculinidade tóxica e machismo estrutural
Com o avanço de debates sociais e pautas feministas, muitos homens têm se dedicado a refletir sobre os perigos das próprias atitudes e como praticar a mudança frente ao machismo
Apesar de pouco lembrado, em todo 15 de julho, o Dia do Homem é celebrado no Brasil. Nesta data, é comum que alguns temas relacionados à saúde masculina venham à tona, por exemplo, o exame de próstata. No entanto, outros assuntos, não menos necessários, vêm ganhando espaço entre a rapaziada, como a masculinidade tóxica. Com o avanço de debates sociais e pautas feministas, muitos homens têm se dedicado a refletir sobre os perigos das próprias atitudes e como praticar a mudança frente ao machismo estrutural.
Camilo de Paula, 29 anos, é estudante de arquitetura e participa de um grupo formado por homens que debatem sobre a masculinidade de modo geral e estudam a estrutura patriarcal no qual a sociedade está inserida. Até antes da pandemia da covid-19, os encontros eram promovidos presencialmente. Agora ocorrem em ambientes virtuais. O universitário, que também é atleta de futebol americano, contou que já presenciou atitudes desagradáveis de amigos e precisou chamar a atenção deles.
Para Camilo, o diálogo é a principal ferramenta para a mudança de pensamento. “Em um grupo de amigos, alguém fez uma brincadeira machista contra uma mulher que também estava na roda. Então, em um outro momento, chamei a atenção dessa pessoa. Acredito que esse tipo de conversa não deve ser feito como uma imposição. É melhor tratar de maneira promova um entendimento a quem escuta”, explicou o estudante.
João Noronha, 24 anos, conta que já passou por situações que o deixaram incomodado perto de outros homens. “Felizmente, minha família sempre promoveu discussões políticas e sociais, então sempre vi com outros olhos algumas piadas ou comentários. Ouvi uma vez que para ser homem você sempre tem que estar ‘caçando’ mulheres. Quando você se emociona, conversa, não ri de uma piada ofensiva, automaticamente, perde sua masculinidade na visão dessas pessoas”, exemplificou. Formado em ciências sociais, o jovem diz que a masculinidade tóxica é como um poder coercitivo que orienta como os homens devem agir. “Se você não agir de determinada maneira, há uma ‘punição’ para você”, reiterou.
Além da criação de grupos para discutir o assunto, o apoio de terapia pode contribuir ao surgimento de um novo comportamento, afirma o psicólogo Diego Trujillo. O especialista diz que a masculinidade tóxica pode estar relacionada a 95% dos casos relatados por pacientes durante as consultas psicológicas. Há possibilidade do problema estar relacionado a conflitos com a família, relacionamentos, trabalho, entre outras situações. Para o psicólogo, o reconhecimento é uma questão primordial, a partir disso, o homem decide se pretende ou não mudar a forma de agir.
Terapia ajuda na reflexão de comportamentos prejudicais
Durante as terapias, Diego percebeu que alguns homens repensam suas masculinidades e o machismo quando se tornam pais de meninas. “Como sempre, na psicologia, o reconhecimento é o primeiro passo. O paciente precisa ter confiança para desabafar a um profissional e disposição de mudança. Se não há essa constatação, acredito que o homem, no fundo, não quer mudar e é muito feliz com sua masculinidade tóxica”, disse o psicólogo. O especialista conta que debate entre os próprios homens é importante: ”Seria bem interessante a participação e a promoção de grupos voltados à discussão dessas masculinidades de uma maneira geral”, destacou.
Flávia Diaz, vice-presidente da Não Me Kahlo, organização não governamental que debate pautas feministas, explica que a masculinidade tóxica afeta a sociedade como um todo, tanto homens quanto mulheres. Ela diz que o comportamento é inserido na sociedade “goela abaixo” desde a infância. “Não seja fraco”, “não chore” e “seja homem!” são alguns exemplos, citados por ela, de ordens que meninos escutam, sobretudo, do pai.. “Há uma exigência do filho ser o melhor da turma na escola, principalmente, se tiver mais meninas na sala de aula. Eles não podem demonstrar afeto ou chorar. Isso tudo reflete em taxas absurdas de suicídio entre os homens”, destacou.
Às mulheres, a masculinidade se transforma em misoginia, afirma Flávia, que também é jornalista e pesquisadora: “Vários homens cometem crimes de feminicídios por conta disso, por sentir o ‘poder’ de serem homens. Eles sentem-se como se tivessem direitos sobre o corpo delas e do que elas fazem. Temos visto casos assim por todo Brasil”. Flávia reforça que o cenário só vai mudar quando os homens participarem de fato da luta das mulheres. “É preciso apoiar, ter empatia, compreender quando a mulher fala que tem medo de sair sozinha à noite. Quando falamos que todo homem é um estuprador em potencial não quer dizer que eles vão estuprar, mas que possuem força se quiserem fazer algo. Eles também têm o papel de levar esse discurso aos amigos, assim irão fortalecer o movimento de mulheres”, concluiu.
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