Danos morais no Pará: número de novos processos aumenta mais de 124% em 2 anos
Pacientes que sofreram sequelas graves, como a perda de visão, têm o direito de buscar reparação judicial pelos danos sofridos, diz advogado cível Pedro Bentes Neto
Pacientes que sofreram sequelas graves, como a perda de visão, têm o direito de buscar reparação judicial pelos danos sofridos, diz advogado cível Pedro Bentes Neto
De 2022 para 2024, os casos de novos processos referentes à indenização por danos morais e materiais aumentaram 124,03% no Pará. E, no mesmo período, o aumento nos processos julgados, e pelo mesmo motivo, foi de 19,41%. É o que aponta levantamento do Tribunal de Justiça do Pará. E os pacientes que sofreram sequelas graves, como a perda de visão, têm o direito de buscar reparação judicial pelos danos sofridos.
É o que afirma o advogado cível Pedro Bentes Neto. A pedido de O Liberal, ele comentou sobre as providências que podem ser adotadas pelas vítimas prejudicadas durante um mutirão de cirurgia de catarata, realizado pela clínica particular São Lucas, em Icoaraci. O caso é investigado pela Polícia Civil, Ministério Público e Conselho Regional de Medicina. Pelo menos 23 pacientes ficaram com cegueira total e parcial.
“A primeira etapa é a apuração dos fatos pelas autoridades competentes, como a Vigilância Sanitária e a Polícia Civil, para identificar as causas exatas do problema. Havendo falhas na prestação do serviço médico, a responsabilidade pode recair sobre a clínica, que deve indenizar os pacientes pelos danos causados, sejam eles materiais, morais ou estéticos, explicou o advogado. “Se for comprovado que a infecção bacteriana ocorreu dentro das instalações da clínica, isso fortalece significativamente a responsabilidade civil objetiva da própria clínica (independente de culpa)”, disse.
A indenização ocorre por meio de uma ação judicial. Os pacientes podem pedir indenização por danos materiais, como as despesas com tratamentos médicos adicionais, e por danos morais, que envolvem o sofrimento emocional e a perda da qualidade de vida. Dependendo do caso, também podem pleitear danos estéticos, no caso de sequelas físicas visíveis, além dos lucros cessantes (o que se deixou de ganhar), caso a incapacidade visual tenha impacto direto na capacidade de trabalho.
V EJA MAIS:
O advogado Pedro Bentes Neto disse que danos morais referem-se ao prejuízo psicológico e emocional causado a uma pessoa: “No caso em questão, a perda da visão pode ter um impacto profundo na vida dos pacientes, afetando sua autonomia, sua interação social e seu bem-estar geral. Para buscar essa compensação, o paciente deve ingressar com uma ação de indenização por danos morais, demonstrando como a falha no procedimento cirúrgico afetou sua qualidade de vida e sua dignidade”.
O direito aos danos morais surge quando há uma lesão a direitos da personalidade, como a integridade física ou psicológica. No contexto de um erro médico, o dano moral é configurado quando a pessoa sofre um abalo significativo em razão de um erro ou falha na prestação do serviço de saúde que lhe causou sofrimento, angústia ou humilhação. Nesse caso, o dano é in re ipsa -ou seja, a mera ocorrência de um erro grave no procedimento médico, como a perda de visão, já evidencia a lesão aos direitos da personalidade, dispensando a necessidade de uma prova específica sobre o abalo emocional sofrido. A própria gravidade do erro médico configura o dano moral.
O paciente deve procurar um advogado especializado em responsabilidade civil e erro médico para ajuizar uma ação de indenização. Caso não tenha condições financeiras, deve procurar a Defensoria Pública ou os núcleos de assistência jurídica de faculdades. Na petição inicial, é necessário descrever os fatos, os danos sofridos e o nexo causal entre o procedimento e o prejuízo. O advogado também indicará as provas que serão apresentadas para sustentar o pedido, como prontuários médicos, laudos periciais e testemunhos.
"Para ter sucesso em uma ação de indenização por erro médico, é fundamental demonstrar três elementos: (i) a falha ou erro na prestação do serviço; (ii) o dano sofrido pelo paciente; e (iii) o nexo causal entre o erro e o dano. As provas mais comuns incluem laudos médicos que comprovem as sequelas, documentos que mostrem as condições inadequadas do procedimento ou falhas nos protocolos, além de testemunhas e relatórios da Vigilância Sanitária. A perícia médica será crucial para demonstrar que as complicações decorreram do procedimento inadequado realizado pela clínica", explicou Pedro Bentes.
Em entrevista a Cira Pinheiro, da Liberal +, a cozinheira Benedita Costa contou que participou desse mutirão, em 1º de julho. Ela ficou totalmente cega. “Era gente em tudo quanto era sala esperando para fazer essa cirurgia”, disse. Na hora da operação, ela não percebeu nada diferente. “Mas o que percebi muito estranho é que já era tarde e o pessoal tava almoçando lá dentro. Senti que não era legal. As pessoas entravam, deitavam, saiam logo e não trocavam o lençol de cama e já vinha outra pessoa”, contou. “Tava sujo, tinha barata pelo chão, muito lixo acumulado”, afirmou.
O médico disse que, com dois dias, a visão dela ia voltar. “Mas, quando a minha neta tirou o tampão, disse que a minha vista estava totalmente branca. Ela perguntou se eu estava enxergando e eu disse que não”, afirmou. “Nos foi dito que foi uma bactéria que nos tinha pego. Continuo sem enxergar. Estou cega dos dois lados. Não estou trabalhando. A gente liga e eles não dão retorno. Nos abandonaram”, afirmou. “Quero Justiça e que não aconteça com outras pessoas. Você entra em uma sala de cirurgia e está com tanta certeza de que você vai melhorar a sua v ida e a sua vida muda completamente. Não saio de casa e não vou paraa lugar nenhum. Passo o dia todo com dor”, contou Benedita.
O fotógrafo Arimatéia Brito, o Ari Brito, de 59 anos, operou o olho esquerdo e perdeu a visão. “Apesar do valor que a Justiça determina, que é bem mais alto do que eles estão oferecendo, isso é insignificante comparado ao prejuízo que todos tivemos”, disse. “As consequências são graves. Todos nós sofremos muitas dores e agonia. Até nos recuperarmos, e termos uma vida melhor, vai ser muito difícil. Sem a visão, teremos que nos adaptar a partir de agora para uma vida que nenhum de nós esperava”, contou. Até agora a clínica São Lucas não se pronunciou publicamente sobre as denúncias dos pacientes.
Processos de casos novos no Pará de janeiro de 2022 a setembro de 2024, referentes à indenização por danos morais e materiais.
2022: 20.627
2023: 21.883
2024: 46.211
Quantitativos de processos julgados no Pará de janeiro de 2022 a setembro de 2024, referentes à indenização por danos morais e materiais.
2022: 29.491
2023: 33.866
2024: 35.214
Fonte: TJE-PA