Cientista Jaqueline Goes destaca, em Belém, importância das campanhas de vacinação infantil
"Há necessidade da gente trazer informações verdadeiras a respeito das vacinas. A gente combate a desinformação com informações corretas", afirmou ela, que é biomédica
“A gente combate a desinformação com informações corretas”, afirma Jaqueline Goes, biomédica e doutora que decodificou o genoma do SARS-Cov-2, causador da pandemia da covid-19. Na terça-feira (25), ela esteve em Belém para participar do lançamento, pela ONU, da campanha “Bora Lá Vacinar”, objetivando estimular a vacinação infantil.
A programação ocorreu em um centro comunitário do Jurunas. A cientista coordenou uma oficina de capacitação para 50 mulheres atuarem como agentes multiplicadoras no bairro. A seguir, a entrevista que ela concedeu à Redação Integrada de O Liberal.
Como aumentar a cobertura vacinal em um cenário de fake news e negacionismo?
Eu acho que, pensando em fake news e negacionismo, realmente há necessidade da gente trazer informações verdadeiras a respeito das vacinas, das campanhas de vacinação. Eu acho que esse é o primeiro passo. A gente combate a desinformação com as informações corretas. Então, aqui, essa iniciativa é uma iniciativa que está combatendo essa desinformação.
Daí, ao combater a desinformação e ganhar a confiança das famílias, a gente consegue mobilizar essas famílias para que elas possam atualizar os calendários vacinais de suas crianças. Não só das crianças, mas também dos adultos e adolescentes. E aí gente consegue ter essa aderência da população. Então tudo começa com a informação.
É possível estimular um prazo para que o país volte a ter uma cobertura vacinal maior?
Eu acho que tudo vai depender de como as campanhas de vacinação conseguem atingir essas populações. Um prazo para isso é um pouco complicado da gente conseguir estimar. Mas eu acho que três, quatro, cinco meses após uma campanha de vacinação é possível se medir como que está a cobertura vacinal.
As campanhas normalmente são muito efetivas, sejam elas de mídia, sejam elas campanhas mais focais como essas aqui. Eu acredito que, se o Brasil investir em campanhas de vacinação e em massa, principalmente de comunicação que atenda toda a população, que alcance toda a população, a gente tem uma aderência maior.
O Brasil é um líder internacional em campanhas de vacinação. Antes de todo esse processo de fake news e de negacionismos, nós nunca tivemos problemas com a vacinação infantil. Pelo contrário - nós sempre mostramos um potencial enorme de aderência. Então eu acredito que é mais uma questão educacional para isso retomar.
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Em relação aos demais estados, aqui no Pará quais são os principais desafios na área da imunização?
Eu acredito que, no momento, os principais desafios realmente sejam relacionados à aderência da população. As vacinas são disponibilizadas gratuitamente através da rede do SUS em todas as unidades de saúde. Pelo menos as unidades municipais e as unidades básicas conseguem oferecer as vacinas de forma gratuita. Então é mais a aderência da população mesmo.
No passado, essas mães se vacinaram. Mas agora não levam seus filhos para serem imunizados. Qual a mensagem que deve ser passada para essas mães?
Eu acho que a mensagem que a gente pode fixar principalmente é que doenças que foram erradicadas e já não faziam parte mais do nosso cotidiano estão voltando. A exemplo da poliomielite, uma série de outras doenças. Agora recentemente nós ouvimos falar de um caso de raiva.
É um adulto, mas é um caso de raiva que é algo que a gente já não ouve falar há bastante tempo. Então, o negacionismo está trazendo de volta doenças que já foram erradicadas e eu acho que a gravidade com que essas doenças atingem a população e podem levar a óbitos é que precisa ficar muito claro. A importância de que um ato de vacinação pode salvar muitas vidas.
Qual a importância dessa campanha lançada no bairro do Jurunas, em Belém?
Essa é uma campanha da iniciativa global Verificado da ONU. A gente já trabalha com essa iniciativa falando sobre a vacinação, a importância das vacinas, a segurança das vacinas desde a epidemia. De 2020 para cá a gente tem trabalhado dessa forma e agora expandindo para outras campanhas, como é o caso da campanha de vacinação infantil.
Então a gente tem como objetivo aqui aumentar o conhecimento principalmente para as mulheres que atendem as famílias da comunidade do Jurunas para que elas possam amplificar essas informações verdadeiras e confiáveis sobre as vacinas e mostrar a importância do da vacinação para as crianças, principalmente para as crianças, mas não. Para toda a comunidade. Hoje a gente sabe que Pará é um estado que tem uma cobertura vacinal baixa - ou seja, tem muitas crianças que ainda não se vacinaram dentro do que se espera no calendário vacinal. E isso abre prerrogativas para que muitas doenças possam inclusive retornar. Doenças que já estão erradicadas há um tempo possam retornar e acometerem essa população e levarem a quadros graves, a óbito.
Então a intenção realmente é fazer com que as famílias entendam a importância da vacinação infantil, a as vacinas são as melhores estratégias que nós temos dentro do calendário infantil para prevenção de doenças. E inclusive essa prevenção se estende ao longo da vida. Então todo o calendário vacinal infantil é importantíssimo para proteger as crianças e toda a comunidade. A ideia aqui é essa: que a gente possa amplificar essas informações através das presidentes de rua (lideranças comunitárias) para que elas possam levar isso para as famílias.
Quais foram as principais lições que a pandemia deixou e que podem ser aplicadas a partir de agora nas políticas públicas do Brasil?
Eu acho que, em termos de políticas públicas, o investimento na saúde, principalmente. Infelizmente, durante a pandemia, e principalmente o Brasil a gente não teve um aporte muito significativo. Mas a ação dos estados e dos municípios de forma mais independente, saindo um pouco da esfera do governo federal e do Ministério da Saúde, trouxe uma informação e um panorama do quanto que a gente tem o potencial de seguir com aquilo que é preconizado pela Organização Mundial da Saúde e não necessariamente é baseado naquilo que o ministério traz.
Obviamente hoje a gente tem um ministério muito forte. A nossa ministra foi presidente da Fiocruz. Então a gente sabe que caminha para aquilo que se preconiza dentro da OMS, da Organização Pan-Americana de Saúde. A gente imagina que todas as prerrogativas agora e as diretrizes estão condizentes com a ordem mundial. E isso é o primeiro passo.
E o segundo passo?
Eu acho que o segundo passo realmente é investir nas comunicações, investir no Sistema Único de Saúde, trazer de volta essa confiança no SUS, nessa instituição que é única no mundo, porque, em muitos países, a gente tem sistemas de saúde que tentam reproduzir aquilo que o SUS traz no papel e não consegue. E, aqui, o Brasil oferece de forma gratuita para toda população essa universalidade.
A senhora integrou a equipe que mapeou os primeiros genomas do novo coronavírus. Nos fale um pouco sobre esse trabalho.
O sequenciamento foi o cume de uma trajetória que a gente já vinha traçando aí com outros vírus, não apenas com o vírus da covid-19. A gente já tinha trabalhado em outras epidemias, como epidemia de dengue, chikungunya, zika, febre amarela. E aí toda essa experiência ao longo de quatro anos permitiu que a gente conseguisse fazer em tempo recorde, comparado com outros lugares do mundo e trazer informações importantes naquele primeiro momento para entender como a epidemia estava chegando no Brasil.
E mais do que isso: o nosso trabalho contínuo nos meses seguintes de mostrar como que ela se espalhou e se disseminou o Brasil, inclusive o impacto das ações não farmacológicas do que foi preconizado - uso de máscara, quarentena, a redução da mobilidade social. Então todo esse impacto a gente conseguiu medir através do sequenciamento genético.
Acho que foi um ponto de partida para que todo o governo e os laboratórios pudessem compreender que o sequenciamento pode ser utilizado na rotina, inclusive para prevenir epidemias. Então é trabalhar em conjunto. Não só com a comunicação, não só com as unidades de saúde, mas também com o processo de prevenção.
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