Aproveitamento da água da chuva avança como solução sustentável em Belém
Com alto índice de chuvas e frequentes alagamentos, Belém tem potencial para transformar o excesso de água em uma solução sustentável, mas ainda enfrenta desafios técnicos e falta de políticas públicas para ampliar o uso dos sistemas de captação pluvial.

Nos três primeiros meses de 2025, Belém registrou um volume médio de 1.178 milímetros de chuva, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Somente em janeiro, a capital paraense acumulou 417,0 mm — o que corresponde a 106% da média climatológica de 393,8 mm. Quase toda essa água, que atualmente contribui para alagamentos, prejuízos e transtornos à população, poderia ser transformada em um recurso estratégico por meio do aproveitamento. Com sistemas simples de captação e armazenamento, a água da chuva deixaria de ser um problema para se tornar uma solução sustentável e urgente para os desafios urbanos e ambientais da cidade.
Em vez de sobrecarregar o sistema de drenagem urbana, essa água pode ser utilizada em atividades como irrigação, limpeza e até no abastecimento de sistemas não potáveis, contribuindo para o enfrentamento das mudanças climáticas e para a redução do desperdício hídrico.
Desde 2007, o líder do Grupo de Pesquisas Aproveitamento de Água de Chuva na Amazônia, Saneamento e Meio Ambiente (GPAC Amazônia), professor Dr. Ronaldo Lopes, luta pela difusão do projeto de instalação de sistemas de aproveitamento da água da chuva nas casas dos paraenses. No Núcleo de Meio Ambiente (NUMA) da UFPA, ele apresentou a estrutura já instalada, que recebe água da chuva e abastece a rede sanitária do prédio. Para ele, trata-se de uma alternativa simples, econômica e sustentável.
“Para montar esse sistema, o primeiro passo é garantir que o telhado esteja em boas condições, limpo e livre de materiais contaminantes, pois ele será a superfície responsável pela coleta da água da chuva. É importante que as telhas estejam bem fixadas e que as calhas sejam instaladas ao longo das bordas do telhado, de preferência com telas protetoras para impedir a entrada de folhas, galhos ou pequenos animais”, explicou o professor.
As calhas conduzem a água até tubulações de PVC, geralmente de 75mm ou 100mm de diâmetro, que direcionam o fluxo até o ponto de filtragem e armazenamento. Antes da água entrar no reservatório principal, é essencial instalar um dispositivo conhecido como desviador de primeiras águas. Esse componente, simples e eficaz, pode ser feito com um tubo vertical que armazena os primeiros litros de água de cada chuva — justamente os mais contaminados, com poeira, excrementos de animais e outras impurezas acumuladas no telhado.
Segundo Ronaldo, após a instalação do encanamento, a água pode passar por um sistema de filtragem caseiro, feito com camadas de areia grossa, brita e carvão ativado de caroço de açaí. Esses materiais ajudam a reduzir turbidez, cor e odores, além de reter partículas sólidas. “Esse filtro pode ser colocado antes da entrada no reservatório ou dentro de um compartimento anexo”, detalhou.
O reservatório apresentado é uma caixa d’água com tampa bem vedada, que impede a entrada de mosquitos e outros contaminantes. Na saída, foram instaladas duas torneiras para uso da água. É importante ressaltar que, mesmo após a filtragem, essa água não deve ser consumida para fins potáveis sem desinfecção adequada.
A IMPORTÂNCIA DA MANUTENÇÃO
A manutenção do sistema é essencial para seu funcionamento eficiente e seguro. As calhas devem ser limpas a cada dois meses, os filtros lavados ou substituídos periodicamente e o reservatório deve passar por inspeções mensais para evitar acúmulo de sujeira ou presença de microrganismos. Com esse cuidado básico, muitas casas em Belém poderiam reduzir significativamente o impacto das chuvas, evitar alagamentos localizados e economizar no consumo de água potável.
PARA APROVEITAR NÃO BASTA SÓ QUERER
Para a professora Dra. Aline Maria Meiguins de Lima, do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará (UFPA), a popularização dos sistemas de captação de água da chuva nas áreas urbanas da Amazônia enfrenta obstáculos que vão além do custo de instalação e da manutenção. Segundo ela, a ausência de políticas públicas estruturadas e o pouco incentivo técnico à população comprometem a expansão de soluções sustentáveis. “Sem o suporte do poder público, as iniciativas acabam sendo pontuais, sem escala suficiente para gerar impacto real”, afirma.
A professora também destaca a importância do planejamento técnico na implantação desses sistemas. O cálculo da área do telhado, por exemplo, é essencial para estimar o volume de água que pode ser captado. Em um imóvel com 100 m² de telhado em Belém, onde chove acima da média nacional, é possível armazenar mais de 100 mil litros de água durante o inverno amazônico. No entanto, sem dimensionamento adequado e orientação técnica, muitos sistemas se tornam ineficientes. Além disso, fatores como a escolha dos materiais, o tipo de filtragem e o controle da qualidade da água exigem conhecimento específico.
Para a especialista, a captação pluvial precisa ser tratada como política pública integrada à gestão das cidades amazônicas — articulando educação ambiental, planejamento urbano e acesso à tecnologia.
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