Você lê rótulos?
Subestimados por grande parte das pessoas, rótulos trazem informações vitais – especialmente aos que têm restrições alimentares e/ou alergias. Mas se você ainda tem dúvidas, sugerimos que veja o que mães e especialista têm a dizer sobre o assunto.
Todos deveriam ler rótulos. Em um país, onde se cresce o consumo de produtos ultraprocessados, verdade seja dita: é impossível saber o que tem ali. Longe de ser uma censura (embora a gente sempre aconselhe que todos consumam produtos mais naturais e, por que não dizer, pronunciáveis), é um alerta: você sabe exatamente o que está colocando para dentro do corpo? Ou o básico: você olha as datas de validade do que consome?
A biomédica e produtora de eventos Paula Lima, 34, lê os rótulos de absolutamente tudo que entra em casa – um hábito herdado de seu pai. “Inclusive, eu perguntava pra ele o motivo de ele demorar tanto no supermercado e ele dizia que queria saber exatamente o que estava consumindo”, diz. Mãe de Isabela Ferreira, de 8 anos, Paula viu o ato tornar-se uma obrigatoriedade, por conta das alergias da pequena. “Depois da Isabela, leio tudo, várias vezes, para garantir a segurança da minha filha”. Tamanho cuidado tem uma justificativa: a menina começou a apresentar os primeiros sinais de alergia aos 2 anos de idade, justamente quando iniciou a ingestão produtos industrializados. “Até então, ela só consumia alimentos feitos em casa, além de frutas. Quando ela passou a ir para a escola, eventualmente tivemos de incluir algum produto industrializado. Um pouco antes disso, ela apresentou intolerância à lactose. Como nessa faixa etária, é comum, não demos muita atenção. Nossa preocupação foi quando ela começou a apresentar edemas na boca, nos olhos, além de alergia cutânea. Eu a levei ao alergista ela foi submetida a uma série de testes alérgicos e concluiu-se que ela tem alergia a varias coisas, mas a mais severa é aos corantes, especialmente amarelo e caramelo. Algumas intolerâncias passaram, até a da lactose, mas a aos corantes persiste e não é só por ingestão, mas por contato também: shampoo, condicionador, perfume. Essa pode causar edema de glote, causando falência respiratória e temos todo o cuidado”, detalha Paula.
“O diagnóstico não demorou e o médico já nos alertou para todos os cuidados, além da própria imunização, aos cinco anos. Foi necessário conscientizar a família inteira sobre a condição da Isabela e todos redobraram a atenção. Uma curiosidade: os corantes amarelo e caramelo vêm fundidos com outros corantes, então boa parte dos produtos têm e eles são os mais alergógenos. É obrigatório, inclusive, sinalizar nos rótulos a presença desses corantes. A Isabela tem uma vida quase normal: a dieta alimentar está controlada – ela consome até muito mais orgânicos, mas é mais difícil encontrar os produtos de higiene, porque quando não têm corantes, tem petrolato, um componente que também causa alergia nela”, explica a mãe.
“Como ela começou a estudar muito cedo, orientamos a escola a não permitir troca de lanches ou que ela provasse o lanchinho dos colegas. Ela tem muita consciência do que pode ou não consumir e eu mesma a ensinei a ler os rótulos. Quando ela passa o dia na casa de outras pessoas, ela leva uma mochilinha com as coisas que pode comer/usar e sabe que deve pedir ajuda de um adulto para interpretar os rótulos. Sempre tenho antialérgico em casa para uma eventualidade. É difícil, mas já aconteceu porque ainda há rótulos que não têm informação”, finaliza.
Questão cultural
A nutricionista Danielle Farias, 30 anos, alerta para a necessidade de, diante do consumo de alimentos industrializados, ler os rótulos, em busca de informações nutricionais. “Todos os produtos, minimamente processados, têm que ter rótulo – lembrando que todos os produtos industrializados têm que ter poder de prateleira, ou seja, tempo para ficar numa prateleira, por isso todos têm conservantes. Essa é uma das principais situações sobre o uso de produtos industrializados – alguns até poderão ter conservantes naturais, mas o conservante mais usado na indústria, por ser um dos mais baratos e mais resistentes, é o sódio. Mesmo os produtos doces têm um percentual dele. O sódio é um dos responsáveis pelo aumento da pressão arterial”.
Além de constarem as informações nutricionais, nos rótulos podem ser encontradas inúmeras outras informações, como carboidratos, calorias. Há que se ter ainda quantidade de sódio, micronutrientes. E o mais importante: é também é mandatório constar se aquele alimento tem glúten, por causa da doença celíaca. “Hoje a indústria é obrigada a colocar se há glúten ou frações dele”, diz.
O perigo do glúten para celíacos
Mirele Barbosa é mãe de Caio André Barbosa , 14, e Joana, 8 anos. Ela viveu na pele as angústias da falta de informação. “A Joana tem tricotilofagia [transtorno em que a pessoa come seu próprio cabelo e/ou unhas] desde os 9 meses. Ela sentia muitas cólicas que não passavam com nenhum remédio receitado pela pediatra. Com o passar do tempo, creio que foi se acostumando com dor, pois reclamava poucas vezes. Em agosto de 2017, a Joana começou a apresentar alergias alimentares, a boca começou a inchar quando comia determinada comida. Dai comecei a investigação e a levei a um alergologista, aqui mesmo, em Belém. Somos pernambucanos. Em dezembro, já em Pernambuco, a levei ao gastropediadra, que solicitou vários exames, dentre eles uma endoscopia, pois ela vinha reclamando muito de dor na barriga e eu pensava que o cabelo estava ficando enganchado”. Não havia cabelo, mas o resultado atestou que ela tinha doença celíaca. “Nunca tinha ouvido falar disso e, como moro no Pará, mas os exames e o médico eram Pernambuco, fiquei sem chão. Assim que cheguei, marquei um gastro que não quis ver os exames! Falou que a doença não existia e que a minha filha tinha verme. Um cirurgião infantil também afirmou que ela não tinha [a doença celíaca], mesmo com os exames confirmando. Uma nutricionista falou que ela era, sim, e que eu não desse glúten a ela, além das outras comidas às quais ela tem alergia. Tirei o glúten sem saber muito o que tinha ou não, pois não sabia ler os rótulos”, conta.
“Foi a nutricionista que me falou de um projeto da UFPA, o PROACEL [Programa de Orientação Alimentar para Celíacos, da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal do Pará], e eu tive uma luz, pois já estava desesperada sem saber o que fazer com a minha filha. O projeto me ensinou a ler os rótulos, a fazer algumas receitas, pois não é fácil cozinhar comida sem glúten. Troquei todos os utensílios da cozinha por conta da contaminação cruzada. Porém continuei procurando um profissional para acompanhá-la e teve outro médico que me chamou de louca, pois não precisa ter esse cuidado todo. No início, chorava muito pois não conseguia entender como perfume, sabonete, shampoo produtos de higiene tinham glúten! Pensava que era só tirar o glúten da alimentação”. Mirele começou a estudar e ler sozinha sobre a doença celíaca.
“2018 foi o ano que me ensinou a ler os rótulos, pois não era fácil. Não é só ver se tem ‘CONTÉM GLÚTEN’ ou ‘NÃO CONTÉM GLÚTEN’, já que, às vezes, nas letras minúsculas, vêm dizendo que tem trigo. Todos os meses passo muito tempo no supermercado porque, mesmo os produtos que costumo comprar, tenho que ler seus rótulos novamente, pois as fórmulas podem mudar. Os produtos de higiene são mais complicados pois as informações são em inglês. Aqui na minha casa todos entraram na dieta sem glúten. É mais fácil hoje”, respira aliviada.
Hoje, a DC de Joana está controlada e a menina já sabe ler os rótulos, bem como interpretá-los. “Ela ainda ensina os outros. Aqui só pai que ainda pede ajuda para ler alguns”.
E sobre a data de validade?
“Habitualmente, a sociedade, em geral, não costuma ler rótulos”. É um hábito fundamental, porque salva vidas, seja pela detecção de glúten, sódio e, agora, com maior frequência, pelo aumento do uso de corantes. Desconfie daqueles que prometem resultados milagrosos, em caso de dietas”, diz a nutricionista Danielle Farias.
“Outro produto que merece maior atenção é o rótulo dos produtos infantis, porque muitos não respeitam todo esse conhecimento prévio. Por exemplo, há alguns em que apenas aparecem ‘1+’, sem explicar claramente o que significa: que aquele alimento é para crianças acima de um ano de idade. A validade dos alimentos é importante. Posso consumir o alimento que vence hoje? Pode! E o produto que vence hoje - posso consumir amanhã? Não podemos garantir isso! Qual a principal questão que deve ser explicada a respeito da validade: é aquilo que a indústria alimentícia consegue garantir. Pode ser que depois daquela data, nada seja garantido. Produtos como arroz, feijão, não há problemas em consumir até dois dias depois do vencimento. Da mesma forma que há produtos naturais, que se não conservados adequadamente, mesmo que dentro da validade, podem apresentar riscos”, conclui.
Para conhecer mais:
@proacel_ufpa
@receitas_sem_gluten
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