Estudo aponta riscos da IA para mulheres e jovens; impactos podem atingir o Pará
Levantamento da OIT e do Banco Mundial revela que setores com maior escolaridade formal estão entre os mais expostos à automação.
Um estudo desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Banco Mundial mostra que mulheres e jovens que possuem grau de instrução médio a alto podem estar propensos a ser substituídos pela Inteligência Artificial. Igor Gammarano, pós-doutor em administração e professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA) de cursos sobre IA, afirma que a inteligência artificial generativa — como o ChatGPT e outros modelos que produzem texto, imagens e códigos — tem transformado o modo de trabalho e reconfigurado a natureza do próprio exercício das atividades.
“O estudo recente da Organização Internacional do Trabalho - OIT revela algo especialmente inquietante: o impacto da IA não será distribuído de maneira uniforme. Mulheres, jovens urbanos com escolaridade média a alta, justamente os grupos que tradicionalmente buscavam ascensão por meio da educação e da inserção em setores formais de serviços, estão mais vulneráveis à substituição, principalmente em ocupações com alta exposição à automação”, declara o pesquisador.
No Brasil, 37% dos postos de trabalho estão expostos a essa forma de tecnologia generativa, ou seja, uma parcela dos trabalhadores brasileiros poderá sofrer por mudanças expressivas na forma de trabalhar.
Intitulado “IA Generativa e os empregos na América Latina e no Caribe: a brecha digital é um amortecedor ou um gargalo?” (“Buffer or Bottleneck? Employment Exposure to Generative AI and the Digital Divide in Latin America”, em inglês), o relatório aponta que o percentual de mulheres que podem ser substituídas por processos de automação é duas vezes maior que os homens.
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Segundo o levantamento, que analisou países da América Latina e Caribe, um dos principais fatores seria a concentração de mulheres em setores mais vulneráveis, como administração, finanças, seguros e funções no setor público. Por outro lado, as análises são positivas para outros setores e demonstram que entre 8% e 14% dos empregos poderiam ter melhor produtividade por conta da inteligência artificial generativa, enquanto que apenas entre 2% e 5% enfrentam potencial risco de automatização total.
Em relação aos benefícios que tendem a ser alcançados com a IAGen podem ser observados de forma mais equitativa entre os trabalhadores em termos de gênero e idade, mas se sobrepõem aos empregos formais nos grandes centros urbanos. Os trabalhadores assalariados e autônomos, como vendedores, arquitetos, educadores, profissionais de saúde ou de serviços pessoais, têm maior probabilidade de se beneficiar dos efeitos transformadores da IAGen.
O desafio amazônico diante da transformação digital
Na avaliação de Igor Gammarano, o Pará ainda possui uma infraestrutura digital em desenvolvimento, o que pode gerar contornos mais expressivos nas relações de trabalho. Segundo ele, a substituição do trabalho humano pela automação não deve ocorrer de forma imediata, mas é possível que, a médio ou longo prazo, funções administrativas, de atendimento ao cliente, e mesmo áreas técnicas, sejam substituídas ou redesenhadas por sistemas inteligentes.
“No entanto, não estamos diante de um determinismo tecnológico inevitável. O futuro ainda está em disputa. O verdadeiro desafio está em como as empresas vão integrar essa tecnologia. Conciliar avanço tecnológico com o quadro de pessoal não deve se dar por exclusão, mas por requalificação contínua e desenho inteligente de funções. Empresas que tratam a IA apenas como instrumento de corte de custos perdem a chance de usar essa tecnologia para liberar o potencial criativo e estratégico dos seus profissionais. Aquelas que, ao contrário, redesenham cargos para valorizar a capacidade humana — como empatia, julgamento ético, adaptabilidade — estarão muito mais preparadas para o futuro”, enfatiza o paraense.
Gammarano ressalta que isso requer investimento real em formação, ambientes de aprendizagem contínua e mecanismos de escuta ativa dos trabalhadores sobre como a IA está afetando seu dia a dia. “Para os trabalhadores, o caminho não é apenas resistir ou temer a IA, mas aprender a dialogar com ela. A IA hoje representa uma nova linguagem civilizatória. Isso significa que não estamos sendo substituídos por máquinas, estamos sendo substituídos por pessoas que sabem usar máquinas”, observa.
Na visão do pesquisador, competências como pensamento crítico, interpretação complexa, criatividade aplicada e uma literacia digital avançada voltada à inteligência artificial se tornam essenciais para o novo mercado de trabalho. “Também é necessário entender como essas ferramentas funcionam, seus vieses e limitações, para usá-las de maneira estratégica e não passiva. O profissional do futuro será aquele que souber ‘pilotá-las’, e não somente aquele que tiver um diploma tradicional.”
Por fim, Gammarano reforça que essa transformação precisa estar ancorada em princípios sociais sólidos. “Há aqui um chamado urgente para políticas públicas de inclusão digital e educação adaptada a este novo paradigma tecnológico. E mais do que tudo: é essencial garantir que a transição tecnológica seja guiada por princípios de justiça social, e não apenas por métricas de produtividade. O Brasil — e o Pará, com sua riqueza sociocultural e diversidade econômica — tem a chance de construir um modelo próprio de transição digital, que não seja apenas copiado do Norte Global, mas fundado em nossas realidades, talentos e desafios. A IA pode substituir tarefas, mas não substitui humanidade — e é exatamente aí que reside o diferencial que precisamos cultivar.”