Projeto faz arrecadações e acolhe pessoas que vivem com HIV e Aids no Pará

Sem fins lucrativos, a organização tem um bazar, e todo dinheiro arrecadado é direcionado para a compra de remédios dos pacientes

Elisa Vaz

A discriminação é um dos principais obstáculos para a prevenção, tratamento e enfrentamento ao HIV (sigla em inglês para “vírus da imunodeficiência humana”) e à Aids (Síndrome da Imunodeficiência Humana, transmitida pelo HIV). Quem vive com o parasita ou tem a doença é consciente de que, em muitos casos, as complicações da enfermidade não chegam perto do estigma social que o paciente pode sofrer. É contra isso que a Organização Não-Governamental (ONG) Arte pela Vida atua há 26 anos na Região Metropolitana de Belém, com ações voluntárias em prol das pessoas que vivem com HIV ou Aids.

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O projeto surgiu em 1996, quando um ator, diretor e jornalista da capital paraense contraiu o vírus e se encontrou em situação grave. Vários de seus amigos se reuniram para fazer uma colagem – shows e apresentações culturais envolvendo arte, fotografia, teatro, música e dança – para arrecadar dinheiro com o intuito de pagar um tratamento para ele em São Paulo. “O tratamento era quase nada, ainda não existia. Era realmente uma doença terminal. A colagem foi um sucesso estrondoso e conseguimos mandá-lo para a capital paulista. Mas vimos que poderíamos ajudar muitas pessoas, porque era o auge da pandemia, então continuamos fazendo shows”, lembra um dos coordenadores do grupo, Francisco Vasconcelos.

Na época, havia apenas um local de acolhimento aos pacientes – o preconceito era muito grande e a doença carregada de estigma. O Arte pela Vida passou a realizar ações dentro desse espaço, com a construção de um pequeno teatro, realização de oficinas e doação de cestas básicas. Hoje os shows ainda são realizados, em uma frequência menor, uma vez ao ano, e essas outras atividades continuam, principalmente as voltadas para a assistência social, como as doações. “A Aids hoje atinge a camada mais pobre da população, ela empobreceu. Antes era a ‘prima rica’ da saúde, mas agora é uma ‘doença de pobre’, digamos. E isso, inclusive, banalizou muito o HIV, e com a covid-19 piorou ainda mais. As pessoas não falam sobre isso”, alerta.

Arrecadações e acolhimento

Há também uma loja sustentável, espaço cedido ao projeto em 2020 onde diversos itens são arrecadados para distribuição a quem vive com o HIV. Francisco diz que, no brechó, podem ser doados livros, CDs, vinis, roupas, sapatos, objetos de decoração, cadeiras de rodas, fraldas, objetos de higiene pessoal e o que mais puder ser doado. O dinheiro que vem dos produtos que podem ser vendidos, como roupas e calçados, é revertido para a compra do que o paciente precisa, como remédios. Todo mês são atendidas, em média, 600 famílias, dependendo da quantidade de doações.

Caso o doador não tenha condições de levar os itens doados até o Arte pela Vida, a equipe do projeto pode buscar no endereço combinado. A entrega do que foi arrecadado é feita em algumas unidades de saúde, como a Unidade de Referência Especializada em Doenças Infecciosas e Parasitárias Especiais (Uredipe), o Centro de Atenção à Saúde nas Doenças Infecciosas Adquiridas (Casadia), o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), Serviço de Atendimento Especializado e Centro de Testagem e Aconselhamento (SAE/CTA) de Ananindeua e, futuramente, em Marituba.

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Outra atividade importante desenvolvida pelo Arte pela Vida é o acolhimento às pessoas com HIV ou Aids. Como o CTA de Belém fica próximo à sede do projeto, os coordenadores sempre tentam conversar com os pacientes recém-diagnosticados. “Nós temos que dar um carinho. Infelizmente, a doença vem muito carregada de preconceito e estigma, então temos dificuldades tremendas. Fazemos um café de acolhimento mensal em todas as unidades. No início, quando chegávamos, nos primeiros cafés, as pessoas não queriam falar e as poucas que ficavam era porque estavam com fome. Mas, até essas não tinham coragem de olhar quando dávamos um café, um pedaço de pão”, comenta Francisco.

Ele mesmo vive com o HIV há 25 anos, mas leva uma vida normal. O coordenador cita que a Organização Mundial da Saúde (OMS) determina que a Aids é uma doença crônica, como uma hipertensão ou diabetes, que precisa ser tratada com remédios todos os dias. “Antigamente, os remédios eram uma lista imensa. Hoje em dia, você toma um comprimido ao dia, que tem três compostos. O tratamento evoluiu, tem muita coisa nova no mercado”, comemora.

Paciente enfrenta preconceito

Quem também vive com o vírus é Amélia Garcia, de 60 anos, policial militar reformada. Ela descobriu a doença aos 31 anos, quando ainda trabalhava no órgão de segurança pública, e sentiu na pele o preconceito. A descoberta foi sem querer; ela não estava investigando. Amélia era doadora de sangue e, dentro da corporação, chegou o resultado positivo após uma doação – e a notícia já veio junto com a decisão de que seria reformada. Ela lembra que foi um choque muito grande, porque estava no auge da carreira militar, então precisou relutar e insistir para continuar o trabalho na Polícia Militar.

Como conhecia a legislação, conseguiu se manter na entidade por mais seis anos, de 1993 a 1999, quando houve uma progressão do vírus no seu corpo e ela mesma pediu para sair do trabalho. “De 1993 até 1996 eu ainda não tinha medicação. Comecei a tomar nesse ano, mas meu organismo entrou em colapso, tive muito vômito, diarreia, passei de 58 kg para 48 kg, cheguei a fazer uma internação no próprio Hospital da Polícia Militar. Depois que o coquetel entrou na vida de pessoas vivendo com HIV, houve uma melhora. Mas nós éramos cobaias da ciência, então foi muito agressivo o tratamento. Eu, com menos de 50 kg e 1,6 m, tomava uma medicação para um homem de dois metros de altura. Mas me adaptei e estou mudando para uma medicação mais moderna”, afirma a paciente.

Amélia acha que só não morreu por ter um preparo psicológico bom, além de fazer parte de movimentos sociais e ter uma religião. Essa é uma das coisas que ela ensina para os recém-diagnosticados: procurar um bom motivo para sobreviver. A sua relação com o projeto também partiu dessa lógica. Dentro da unidade de tratamento que começou a frequentar, a então policial militar passou a integrar um grupo de mulheres; a maioria não tinha dinheiro porque não trabalhava, então começou a ajudá-las da forma que podia. No meio disso conheceu o Arte pela Vida e também passou a frequentar. Hoje Amélia é uma das coordenadoras.

image Francisco Vasconcelos e Amélia Garcia vivem com o HIV há mais de duas décadas (Márcio Nagano / O Liberal)

Ao longo dos anos, a portadora do vírus viu o preconceito afastar as pessoas dela: pararam de abraçá-la, de pegar em sua mão, passaram a limpar os locais onde ela tocava. “Mas eu entendo hoje, as pessoas não tinham muito conhecimento. O que não entendo é, no século XXI, a humanidade com essa mentalidade. Não mudou. As pessoas continuam com uma carga de preconceito muito grande, o que faz com que muitos de nós, com HIV, se isolem”, opina. “Agora estamos protagonizando essa história, porque antes quem falava por nós eram pessoas que não tinham HIV. E hoje somos nós. Com certeza fazemos a diferença na vida das pessoas, já ajudamos muita gente, tanto com os projetos sociais quanto pelas nossas experiências de vida”, relata.

Dados 

Em resposta à reportagem, a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) informou que, de acordo com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde, em 2019 foram diagnosticadas 2.759 pessoas com HIV no Pará; em 2020, foram registrados 2.580 casos; e em 2021 houve 3.227 registros. Quanto à média de diagnósticos, o número ficou em 229 ocorrências por mês em 2019, 215 casos mensais em 2020 e chegou a 268 diagnósticos por mês em 2021. Atualmente, no Estado, 24.575 pessoas estão em tratamento nos Serviços de Atenção Especializada. Dados do Sistema de Informação Sobre Mortalidade ainda apontam que, em 2012, foram notificadas 708 mortes pelos agravos da Aids e, em 2022, até julho, 325 óbitos pelo mesmo motivo.

Como ajudar

Por meio de doações:

Livros, CDs, vinis, roupas, sapatos, objetos de decoração, cadeiras de rodas, fraldas, objetos de higiene pessoal e outros itens disponíveis.

Comitê Arte Pela Vida, na travessa Rui Barbosa, 1023, entre José Malcher e Boaventura da Silva ou em outro local a ser combinado

Por meio do PIX:

Celular (91) 98250-6161, no nome de Davison José Porteglio

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