Garantia de direitos para pessoas com autismo avança, mas ainda enfrenta desafios
Mães e advogada falam sobre dificuldades enfrentadas para ter acesso a benefícios assegurados por leis, mas que não se cumprem ou são muito burocráticos
Mães e advogada falam sobre dificuldades enfrentadas para ter acesso a benefícios assegurados por leis, mas que não se cumprem ou são muito burocráticos
A garantia de direitos às pessoas com deficiência (PcD), embora seja prevista em lei, ainda precisa avançar muito no Brasil. Considerada uma deficiência, conforme o art. 1º da lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, o transtorno do espectro autista (TEA) tem garantido todos os direitos assegurados às PcD, e alguns outros benefícios específicos. Porém, mães e especialistas não veem isso acontecendo na prática, e defendem a criação de novas legislações e a fiscalização das leis já existentes para que o acesso aos direitos se torne uma realidade.
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Mãe de duas crianças dentro do espectro autista, a consultora técnica Priscila Diniz Pinheiro, de 37 anos, afirma que até direitos básicos assegurados a todas as crianças, mesmo sem deficiência, não alcançam quem tem o TEA, como o acesso à educação, ao lazer, à saúde e à moradia.
“Comumente, temos matrículas negadas em escolas, ausência de terapias nas redes de reabilitação e crianças em situação precária por falta de alimento, por exemplo. E direitos como o benefício do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] se tornam uma realidade muito distante, devido à demora e às imensas filas de espera para uma perícia”, avalia.
Alguns dos benefícios garantidos aos pacientes no espectro autista são a chamada “Sessão Azul” de cinema, sancionada em abril do ano passado no Pará; a Tarifa Azul de energia elétrica, que garante descontos na conta de luz; a carteira de identificação para autistas; a inclusão de informações a respeito das características do TEA na carteira de vacinação; entre outros.
Os filhos de Priscila, Davi e Anna Luísa, têm 12 e 7 anos, respectivamente. O mais velho faz uso da “Carteirinha Azul”, documento de identificação para quem tem autismo que facilita a prioridade no atendimento em serviços públicos e privados, por exemplo. Mas, outros benefícios são difíceis de acessar, segundo a mãe.
“Na Tarifa Azul existem muitas dificuldades impostas aos que podem ter acesso, pois os critérios de desconto excluem grupos familiares que recebem mais de três salários mínimos. Então, no nosso caso, em que duas crianças são autistas, e uma delas utiliza respirador em momentos de desconforto respiratório, aspirador de secreção e oxímetro, não temos acesso ao desconto, mesmo possuindo duas crianças. Não se leva em consideração as necessidades extras e gastos com a saúde”, relata Priscila.
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Outra mãe, a assistente social Laura Lima, de 41 anos, alega que, embora a conquista de leis e direitos seja importante e um “instrumento de luta”, na prática, “está sendo muito difícil”, especialmente quando se fala em acesso à saúde, segundo ela, que tem um filho com TEA: o Enzo, de nove anos.
“O laudo médico, por exemplo, tem um problema muito grande, com demandas acumuladíssimas, os especialistas hoje estão todos na rede particular, que não é barata. É um caminho árduo, as famílias precisam ter conhecimento, precisam da rede de apoio, que ainda é muito pequena. A rede institucional de saúde e de educação ainda está muito lenta”.
A dificuldade em relação à Sessão Azul, na avaliação de Laura, é que o benefício não alcança municípios do interior do Estado, já que os cinemas se concentram na Região Metropolitana de Belém. O valor também não é baixo, porque os acompanhantes precisam pagar seus ingressos - ela considera a proposta “elitizada”, voltada para um público de classe média alta. Mas, para quem tem condições financeiras, a adaptação é importante, isso a mãe não nega.
“Quanto à Tarifa Azul, infelizmente, todas as mães que eu conheço desistiram, porque é muito burocrático, não é fácil conseguir esse desconto. Os pais precisam dizer, por meio de laudo médico escrito, que a criança precisa do equipamento eletrônico, do ar condicionado, precisa fazer uso de algum eletroeletrônico, e o médico, seja ele o psiquiatra ou neuropediatra, tem que colocar isso no laudo. Conheço muitas famílias que caminharam muito e não conseguiram, assim como muitas mães e pais que peregrinaram bastante para tentar conseguir isenção do IPVA e desistiram”.
Advogada e vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Autismo da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB-PA), Flávia Marçal ressalta que, entre os principais direitos garantidos estão a prioridade no atendimento; a habilitação com uma equipe multidisciplinar; saúde, assistência social e educação, incluindo apoio escolar e de projeto político pedagógico que garanta o atendimento educacional especializado a esse público; e outros.
“Os principais avanços nas garantias e benefícios dizem respeito ao maior acesso aos direitos na área da educação e da saúde. É fato que nós tivemos um acréscimo significativo de matrículas de pessoas com deficiência nas escolas regulares, assim como o aumento significativo de vagas para atendimento tanto no âmbito privado quanto no Sistema Único de Saúde (SUS), o que amplia a rede de atendimento das pessoas com autismo”, detalha.
Porém, muitos desses direitos não são garantidos por falta de profissionais qualificados. De acordo com a defensora, muitas tomadas de decisão são excludentes às pessoas com autismo. Para reverter esse quadro, ela avalia que é preciso investir na capacitação de profissionais que atendam esse grupo dentro da saúde, educação e assistência social, sempre pensando na conscientização, com o intuito de levar mais informação para a sociedade e, assim, diminuir preconceitos.
O caminho se torna cada vez mais curto, segundo Priscila Diniz, à medida que o grupo vai conquistando respeito e espaço. Os maiores desafios, na opinião dela, são os mesmos que enfrentava há anos: educação digna e inclusiva, em que os autistas tenham acesso à sua matrícula, a materiais pedagógicos adaptados e a acompanhante escolar; saúde, para que possam realizar suas terapias, sejam na psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, neurologia, odontopediatria e outras; o fornecimento a terapias medicamentosas, como é o caso dos pacientes que necessitam de Cannabis Medicinal e não podem dispor.
A advogada Flávia Marçal defende a criação de novas legislações que visem a ampliar e dar efetividade aos direitos dos autistas. “A luta da sociedade e da OAB segue ativa para garantir o cumprimento dessas legislações e, dentre essas tramitações de novas legislações, algumas que nós consideramos extremamente relevantes são as que dizem respeito às diretrizes educacionais para o atendimento do estudante com transtorno do espectro autista Nós precisamos lutar, cada vez mais, por uma sociedade mais e mais inclusiva”, enfatiza a defensora.
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