Cooperativa leva empreendedorismo a mulheres em situação de cárcere

Participantes trabalham com artesanatos de moda, pintura e outras artes, e veem na atividade uma chance para o futuro

Elisa Vaz
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A situação de cárcere pode ser um momento de transformação para muitas pessoas. Sem liberdade, elas preferem utilizar o período para se capacitar e garantir uma chance de recuperação financeira no futuro. É exatamente esse o trabalho da Cooperativa Social de Trabalho Arte Feminina Empreendedora (Coostafe), abrigada pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) e que conta com a participação de 30 mulheres em privação de liberdade, todas no Centro de Recuperação Feminina (CRF) de Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém. No grupo, elas desenvolvem artesanatos de costura, bordado, pintura e até moda, e em algumas ocasiões têm permissão para deixar a casa penal e vender esses produtos.

Tutor voluntário do projeto, Gerson Santos lembra que a cooperativa surgiu em 2014, porque as mulheres já se organizavam em um grupo social dentro do presídio, produzindo pequenos artesanatos, mas sem muita técnica. Então foi criado um instrumento jurídico que permitisse que as detentas pudessem trabalhar com a comercialização desses produtos e, assim, adquirir renda. "Buscamos o apoio de instituições como a Organização das Cooperativas do Brasil, aqui no Pará, para que o trabalho se configurasse dentro de uma lei específica que permite a criação de cooperativas sociais de trabalho. Essas cooperativas são criadas a partir da desvantagem econômica de pessoas e, no caso delas, da vulnerabilidade social no qual se encontram por estarem privadas de liberdade", ressalta.

O grupo faz parte do projeto Realize, criado pelo juiz de direito à frente da Vara de Execução Penal da Região Metropolitana de Belém, Deomar Barroso. Ele acredita que seja "importantíssimo" tirar essas mulheres do cárcere. "É um momento e um lugar de tensão e de conflitos, que elas têm a perda da família e dos filhos, a questão da segurança, então tirar essas pessoas de lá e mostrar que é possível ressocializar, mudar e ter uma transformação é muito importante, e isso só acontece por meio da educação", argumenta. O juiz ainda diz que o empreendedorismo será uma forma de garantir renda fora da prisão, quando as mulheres se tornarem egressas do sistema penal.

O único requisito para sair do CRF e vender os produtos nas ações realizadas é participar do projeto. Segundo o juiz, nunca houve problemas nessas atividades fora do sistema, que são acompanhadas pelas forças de segurança e por entidades como Ministério Público e Defensoria Pública. "Quem participa do projeto são pessoas que já mostram que estão querendo uma nova transformação na vida, um novo caminhar, isso faz muito bem. Nunca tivemos problemas de comportamento ou qualquer coisa nesse sentido, e autorizamos a vinda delas aqui fora para participar desses eventos".

Ao longo dos anos, as participantes aprenderam a fazer os artesanatos de forma mais técnica, aumentando a produção e a qualidade, de acordo com o tutor voluntário, Gerson Santos. Ainda aprendem, desde 2019, conceitos relacionados ao negócio, como técnicas de venda e como posicionar a marca nas redes sociais. Dentro da cooperativa existem vários núcleos, e cada mulher participa do que se sentir mais à vontade: núcleos de bordado, costura, pintura e moda. Elas também têm cargos dentro da equipe.

Na opinião de Gerson, a atuação da Coostafe, que é a primeira cooperativa feminina social do Brasil, tem gerado muitos frutos. A ideia é ampliar o número de participantes e de municípios, incluindo 10 mulheres em situação de privação de liberdade do Centro de Recuperação Feminina de Marabá e 10 que estão detidas em Santarém. O objetivo central é fazer com que as egressas, após retornarem ao convívio em liberdade social, continuem associadas à Coostafe, sendo uma fonte de inspiração para as participantes dentro do sistema e representando a entidade fora das casas penais.

Oportunidade

Uma das mulheres que fazem parte da Coostafe é a E.L., de 38 anos (nesta reportagem serão usadas apenas iniciais, para preservar a identidade das detentas). Ela já participa do grupo há dois anos e meio e o que era para ser apenas um passatempo virou uma relação de amor e orgulho. "A priori, entrei na cooperativa mais para buscar um trabalho e sair logo de lá, mas depois que eu conheci já não é só isso, continuo pelo aprendizado. Me apaixono por tudo que é feito e quando vejo cada peça pronta é muito legal", conta.

E.L. nunca havia feito nenhum tipo de artesanato antes de ingressar na Coostafe, mas já se interessava pelo crochê. Essa foi a técnica mais fácil para ela aprender. Já as outras, como bordado, ela acha um pouco mais difícil. "Me apaixonei de cara quando cheguei na cooperativa, que eu vi as meninas trabalhando, fazendo crochê, sempre tive vontade de aprender. Fui direto aprender isso e hoje faço bolsa, tapete, até roupa personalizada, que estamos tendo aulas agora. Já temos algumas peças prontas e fico super animada. Mas o bordado é mais difícil porque existem muitos tipos de pontos, demorei mais para aprender".

Segundo a participante, o intuito é tornar a atividade parte de seu futuro, usando a técnica para gerar renda e ocupação após deixar o sistema penal. Hoje E.L. é diretora comercial da Coostafe e, por isso, acaba saindo da casa penal com mais frequência para participar de eventos e vender os produtos feitos. A integrante conta que tem sido "gratificante" ser reconhecida pelo trabalho da cooperativa.

Já a presidente da entidade, nesta reportagem identificada como L.S., também com 38 anos, já trabalha na Coostafe há mais tempo, desde 2016, e diz que a atividade é muito representativa. "Por sermos pessoas que vivem em privação de liberdade, nossa atuação vai muito além de um simples trabalho. Lá nós trabalhamos a reintegração e tudo que fazemos é com muito amor e carinho, como forma de reconstruir a nossa vida. O que eu busco é agregar valor na vida dessas mulheres enquanto presidente”, comenta. Até hoje, L.S. participa da produção, passando pela montagem e por todo o filtro produtivo da cooperativa. Ela vê o aprendizado do grupo como uma missão que quer levar para a vida, trabalhando com o cooperativismo, amor ao próximo e atuação em equipe.

Capacitação

Parceira do projeto Realize, a faculdade Estácio Belém sediou um evento da Coostafe no final de novembro, em que as participantes expuseram os artesanatos produzidos, inclusive com uma linha de Natal, e fizeram um desfile para mostrar peças de moda. O tutor voluntário Gerson Santos diz que a exposição demonstra que as mulheres estão avançando e acompanhando uma nova tendência de mercado, incluindo outros produtos e novos segmentos de clientes.

Diretora geral da Estácio, Elane Grecchi ressalta que a instituição é parceira da cooperativa no âmbito de capacitação há cerca de dois anos, com a promoção de cursos no Centro de Recuperação Feminina a cada 15 dias. "Levamos professores e alunos e capacitamos as mulheres utilizando todos os 14 cursos que temos aqui. Já fizemos capacitações na área de comunicação social, para ensinar a montar um negócio no Instagram; gestão financeira e familiar; abertura de pequenos negócios e microempresas; temos o atendimento do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ); serviço social; psicologia; fisioterapia; entre outros. É uma prestação ampla de serviços que orientam sobre empreendedorismo", explica.

Segundo ela, a missão da Estácio dentro do Realize é "educar para transformar" não apenas a vida das mulheres que estão em privação de liberdade, mas também de seu seio familiar.

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