Adoção dá oportunidade de mulheres realizarem um sonho
Especialista explica que o processo pode ser demorado, dependendo das exigências dos pais, mas costuma ser organizado
A adoção de uma criança ou um adolescente pode ser, em muitos casos, a melhor alternativa para tornar realidade o sonho de ser mãe, mesmo entre as que podem ter filhos biológicos e não possuem nenhum condicionamento físico que impeça a geração de outra vida. Para essas mulheres, mais importante do que a relação biológica é o afeto e o amor gerado entre a mãe e o filho. Este é o caso da médica pediatra Camila D’Macêdo, de 31 anos, que já é mãe há pelo menos uma década, sendo que um dos filhos é adotado.
Primeiro Camila deu à luz a primeira filha, Júlia, que hoje tem cinco anos, e só depois o Rafael, de três anos, entrou para a família por meio da adoção. Camila conta que, desde a adolescência, participou de projetos sociais, muitos deles com crianças em situação de vulnerabilidade. Quando cresceu e se tornou pediatra, também acompanhou muitos casos de crianças do sistema de adoção e sempre sentiu que teria um filho por meio da adoção. “Virou um sonho dentro da maternidade”, lembra.
Ela decidiu se cadastrar no sistema de adoção em dezembro de 2018, quando realizou todo o processo na tentativa de adotar uma criança. “É muito mais simples do que as pessoas imaginam e super importante para preparar as famílias para receber essa criança. Em março de 2019 o Rafael nasceu em um plantão meu e foi abandonado na maternidade. Foi um encontro incrível. Quando cruzamos o olhar eu já sabia que ele era meu filho. Fizemos todo o processo para encaminhá-lo ao abrigo e, a partir daí, iniciei uma corrida judicial para conseguir a guarda dele. Depois de três meses recebemos a guarda provisória e ele foi para casa comigo”, conta a mãe.
Para a médica, sempre foi um sonho ser mãe, mas hoje em dia ela vê um outro lado da maternidade, menos romantizado. Agora ela acha bem mais desafiadora, embora a tenha transformado enquanto profissional, mulher e cidadã. “É incrível ser mãe e saber que posso transformar o mundo através da minha criação”, diz. Além disso, tem vivenciado situações de preconceito porque seu filho é negro, enquanto a mãe é branca. Ela conta que nunca tinha observado certas coisas, que não faziam parte de sua realidade. “Já tive situações em que me perguntaram se ele era filho da babá, se o pai dele era negro, por ele não ser parecido comigo, mas sempre com pessoas de fora do nosso convívio”.
Já as duas crianças são melhores amigas, diz a mãe. Vivem grudadas e, quando estão distantes, sentem a falta um do outro. A adoção é um tema falado abertamente dentro de casa, e Camila acha isso importante para que o filho seja empoderado, saiba sua história, de onde veio e como tudo aconteceu. Mas, como ele é jovem, a explicação ainda é lúdica, embora o assunto não seja tratado como tabu: o amor, a relação e a criação são iguais.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Pará existem, oficialmente, 52 crianças disponíveis para adoção, sendo que 35 estão vinculadas a um pretendente e 17 não estão. Além delas, 48 estão em processo de adoção no Estado, enquanto existem 332 pretendentes disponíveis para adotá-las.
Processo de adoção é organizado
Embora possa ser complicado, o processo de adoção de uma criança ou um adolescente costuma ser organizado e também pode ser rápido, dependendo do caso. É o que diz a presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB-PA), Vivianne Saraiva. Ela explica que a adoção é, basicamente, a destituição do poder familiar da mãe e pai biológicos. Ou seja, há a retirada do nome dos progenitores da certidão de nascimento daquela pessoa.
Oficialmente, para que uma criança seja adotada a partir dessa destituição, o pai ou mãe que deseja ingressar no processo precisa se inscrever no Cadastro Nacional de Adoção, do CNJ, um sistema nacional que acessa uma base de dados de todos os Estados do país. A inscrição é feita de forma online, e depois aquele pretendente precisa ir à Vara da Infância e da Juventude do seu local de residência fazer a entrega da documentação, conforme o cadastro feito no sistema.
É nesse momento que os futuros pais apresentam seus requisitos, como a faixa etária da criança, assim como sexo, cor e outras informações. Depois o Estado vai querer saber se aquela família está apta a adotar, e por isso será preciso reunir laudos de sanidade mental, certidão de antecedentes criminais, certidão comprovando que não responde por processo criminal e mais documentos, além de precisar passar por um curso de pais, que dá um certificado ao final.
“Todos esses instrumentos fazem parte do Cadastro Nacional de Adoção porque, de acordo com o critério da criança que você selecionar, eles vão buscar no Brasil inteiro a qualificação que você colocou. Podem encontrar alguém em Belém, em outro lugar do Brasil e até fora dele, já que quem comanda isso são os Tribunais de Justiça junto com o CNJ, sendo um cadastro nacional. Linkando os seus dados com os requisitos para a criança, começa o processo de adoção real”, explica.
A presidente da Comissão destaca um fator importante: quanto mais exigências forem feitas para o filho a ser adotado, mais o processo demora. O cadastro em si não é longo, o que leva mais tempo é a procura pela criança ou adolescente. “O que demora mesmo é encontrar a criança que você quer. Por exemplo, a maioria das pessoas que querem adotar pedem crianças recém-nascidas e brancas, de zero a um ano, ou de zero a três anos. Essa faixa, com essa peculiaridade, é mais difícil de estar disponível para adoção. Mas temos uma faixa etária que, lamentavelmente, é chamada de ‘crianças inadotáveis’, que são as de idade acima de seis anos, é muito difícil alguém querer adotar. E quando quer é super rápido. A mesma coisa crianças com deficiência física ou mental”.
Na comparação com outros Estados do Brasil, Vivianne afirma que o Pará tem um processo célere de adoção porque tanto na capital quanto no interior, as instituições prezam pelo desabrigamento das crianças, ou seja, tirar o mais rápido possível do abrigo. Além disso, têm mais celeridade para sair desses espaços as crianças ou adolescentes que moram no mesmo local que o pretendente, mesmo que outra pessoa tenha requerido antes. A adoção pode ser unilateral, ou seja, só a mãe ou só o pai adotar, e pode ser bilateral, com adoção por parte de uma mãe e um pai, ou duas mães, ou dois pais.
Dificuldades na adoção
Segundo a presidente da Comissão, tanto as mães biológicas como as adotivas enfrentam problemas na hora da adoção. No primeiro grupo, Vivianne ressalta que, ao ofertar o filho, uma grande dificuldade é que assistentes sociais e psicólogos vão tentar convencê-la a continuar com a criança, por meio de auxílio-moradia, Bolsa Família, bolsas de assistência psicológica e social, tudo para fazer com que a mãe continue com a criança mesmo não querendo.
“A mãe já está sofrendo por entregar uma criança, ou até determinada sem sofrimento, mas ela não quer ser pressionada para ficar com a criança. Por isso muitas mães que entregam crianças não querem participar do processo e simplesmente somem no mundo e entregam em vários locais”, comenta. Com isso, fica difícil encontrá-las, uma dificuldade que é passada para as mães que querem adotar, já que é preciso ter uma declaração de que aquela mãe entregou a criança de forma voluntária, e não necessariamente por meio de uma instituição.
Outra dificuldade é quando a criança escolhida pelo sistema não se dá bem com a nova família, e vice-versa. Vivianne conta que, antes do Cadastro Nacional, a adoção vinha, majoritariamente, do afeto. Havia crianças abrigadas, e as pessoas que queriam adotar iam até o abrigo e verificavam se tinham afeto por essa criança. Após conseguir a adoção, iniciava-se a convivência dessa criança em casa, no chamado período de convivência, de seis meses. Com o Cadastro Nacional de Adoção, esse afeto inicial foi quebrado e agora trabalha-se com documentação, diz ela.
“Agora existe um sistema que cruza dados. Muitas dessas crianças são recebidas de braços abertos, mas às vezes esse afeto não flui e não se desenvolve. Eu estou até com um caso em que ocorreu a adoção tardia de um menino de 10 anos de idade, que está na família há dois anos e o filho não demonstra nenhum afeto pela mãe, não fala direito com ela, está com uma série de problemas porque não se desenvolveu o amor dentro desse período”, declara.
Mas Vivianne lembra que, mesmo nesses casos, a adoção é absolutamente irrevogável e irretratável. Ou seja, uma mãe adotiva não pode devolver a criança adotada após mudar de ideia, e nem a mãe biológica terá os direitos legais sobre um filho que colocou para adoção ao se arrepender anos depois. No máximo, diz a presidente da Comissão, poderá ocorrer uma convivência compartilhada, já que entre a mãe adotiva e a mãe biológica não há nenhuma predileção por parte da lei.
“O arrependimento da mãe biológica não significa anulação do processo de adoção, então não tenham medo de adotar, porque é um processo irrevogável e irretratável para ambos os lados, tanto para quem entregou a criança quanto para quem recebeu. E só em casos excepcionalíssimos podem ser devolvidas as crianças novamente para o abrigo ou para as mães biológicas”.
Dados sobre adoção no Pará
Disponíveis para adoção: 52 (35 não vinculadas a pretendente e 17 vinculadas)
Crianças acolhidas: 663
Em processo de adoção: 48
Pretendentes disponíveis: 332
Serviços de acolhimento: 18 famílias acolhedoras e 127 institucionais
Fonte: CNJ
Como funciona o processo de adoção
- Pretendentes precisam se inscrever no Cadastro Nacional de Adoção, do CNJ, de forma online
- É necessário ir à Vara da Infância e da Juventude do local de residência fazer a entrega da documentação
- Há a apresentação de requisitos, como faixa etária, sexo e cor
- O sistema faz a busca pela criança ou adolescente desejado
- Pretendente deve reunir documentos como laudos de sanidade mental, certidão de antecedentes criminais, certidão comprovando que não responde por processo criminal e mais documentos comprovando que está apto a uma adoção
- Futuros pais adotivos ainda passam por um curso de pais
Dicas para os pais que querem adotar
1. Nunca esconder a história da criança
2. Não ter medo ou receio quando a criança crescer e quiser saber mais da sua história e até conhecer os genitores
3. Não chamar a criança de “filho adotivo” pois os rótulos prejudicam a criança
4- Não tratar a adoção como uma “caridade” – ela acontece dos dois lados, já que a construção do vínculo é mútua
5- Se posicione contra situações de preconceito
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