Preconceito ainda ronda pessoas com hanseníase
Mesmo com tratamento e cura, doença que causa deformidades no corpo é alvo de medo e aversão na sociedade
As pessoas com hanseníase não são mais segregadas do convívio familiar e nem da sociedade, como ocorria no passado. No entanto, ainda sofrem com o preconceito e a discriminação. "A hanseníase tem cura. Mas o preconceito ainda continua.", disse Missondas Martins, 62 anos. Ele carrega, nas mãos, as sequelas da doença. Mas, curado, leva um vida normal e luta contra o preconceito e a discriminação.
"Janeiro Roxo" é o mês dedicado à conscientização sobre a hanseníase. A campanha "Todos contra a hanseníase" é nacional. E, também, ocorre em todo o mundo. Missondas mora na Unidade Especial Abrigo João Paulo II, em Marituba, que atende pouco mais de 30 remanescentes da antiga colônia. O Abrigo João Paulo II é uma unidade de assistência sanitária e social da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), mantida em convênio com o Instituto Francisco Perez. E foi criado em 1983, devido ao processo de transformação da Colônia de Marituba, com base na Portaria nº 165/76 do ministério da Saúde que dispõe sobre a Reinserção Social do Hanseniano.
A maioria não tem família biológica e reside no abrigo, que conta com equipe administrativa e médica. Vicecoordenador estadual do Morhan-Pará, Missondas disse que, mesmo curada, a pessoa ainda tem as sequelas da doença. "E as pessoas ainda veem a gente como sequelado. E pensam que ainda temos o bacilo, quando, na verdade estamos curados. Mas sou uma pessoa que sempre superei essa questão e incentivo os companheiros para que a gente possa superar essa barreira", contou. Ele nasceu em Belém e foi para o Acre com seu pai. Era a época da "febre da borracha" (momento da história econômica e social do Brasil, relacionado com a extração de látex da seringueira e comercialização da borracha). Lá, contraiu a doença aos 17 anos. E viajou para fazer o tratamento em Belém.
SUPERAÇÃO
Missondas Martins acrescenta que: "naquela época, o preconceito era muito pior. A gente era pego de surpresa, pela rua, e trazido para cá (antiga colônia). Isolavam a gente. Se tivesse família lá fora, a gente podia esquecer, porque perdia. Eram poucos os familiares que vinham visitar a gente. Os familiares também ficavam marginalizados. Se dissesse que tinha um parente, um irmão, filho doente, aquela pessoa tinha dificuldade de conviver lá na sociedade. E, aqui, a gente tinha que tocar a vida. No Acre, me separei da minha família para vir pra cá. Era discriminado na escola. Quando cheguei aqui (na colônia), estranhei muito. Vi quase duas mil pessoas aqui dentro, tudo mutilado. Eu pensei: 'meu Deus, o que vou fazer aqui'? Mas era a realidade. Tinha que superar e tocar a vida".
Ele mora no abrigo, mas sai para ir à casa onde mora com a esposa. É pai de quatro filhos, a mais nova com um ano de idade, e avô de quatro netos. Nenhum deles teve a doença. "Mesmo com as minhas mãozinhas atrofiadas, sempre estive nos movimentos (sociais) e nos conselhos de saúde, lutando pela igualdade, pela saúde. Sempre estive na luta. Até porque fui vítima da saúde pública. Por falta de saúde, cheguei a ficar mutilado. Hoje, a pessoa que pega hanseníase não fica totalmente mutilado, porque tem tratamento", contou. "Assim como estamos lutando para acabar com a doença, temos que acabar também com o preconceito, que é pior ainda. Dói tanto quanto a doença. A gente fica discriminado", disse. "Quando você ver uma pessoa mutilada na rua, e foi vítima da hanseníase, não quer dizer que esteja com bacilo. Ele ficou sequelado, mas está curado", afirmou.
No passado, os filhos eram separados dos pais
José Ademilson da Rocha Picanço é coordenador do Morhan-Pará. É o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase. Ele explicou que a campanha foi lançada na Unidade de Referência Especializada Marcello Cândia, em Marituba, por ser referência em hanseníase no Pará. José Ademilson disse que o Morhan, que existe há 38 anos, tem como filosofia a defesa dos direitos e defesa das pessoas atingidas pela hanseníase e, também, dos familiares. Ele lembrou que, nas décadas de 20, 40, e até 80, essas pessoas eram segregadas da sociedade por causa de uma medida profilática do governo federal que impedia que pacientes diagnosticados com hanseníase convivessem em sociedade e com seus familiares. "Vários pacientes da época tinham filhos que eram separados de seus pais. É que, na época, não havia tratamento e cura para a doença. A mãe não podia amamentar a criança e não podia respirar próximo ao recém-nascido", contou.
No Pará, explicou, o Morhan participa dessas campanhas, mas, também, cobra do governo do Estado e dos municípios que "efetivamente façam uma política pública voltada ao tratamento da hanseníase com qualidade, com humanidade e, sobretudo, com diagnóstico precoce. Isso para que as pessoas não fiquem com sequelas da doença por conta de um diagnóstico tardio. O tratamento é gratuito e a doença tem cura", afirmou. Ainda segundo José Ademilson, os profissionais de saúde do município precisam entender "que a responsabilidade do diagnóstico da doença é da atenção básica e não da referência especializada".
Pará tem 2,5 mil novos casos por ano
O Pará tem aproximadamente 2,5 mil casos novos da doença todos os anos. No mundo todo, são diagnosticados 250 mil casos novos anualmente. "Um por cento dos casos do mundo está no Pará", disse o presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH), Claudio Salgado. "Na realidade, nós achamos, na Sociedade Brasileira de Hansenologia que, no Pará, no Brasil e no resto do mundo, se conseguirmos fazer com que as pessoas tomem consciência de que o diagnóstico precisa ser feito, e conseguirmos treinar os profissionais de saúde, capacitar os profissionais de saúde e acompanhar esses profissionais para fazer esse diagnóstico precoce lá nas comunidades, certamente esse número deve ser umas três ou quatro vezes maior", afirmou. Também professor da Universidade Federal do Pará, ele disse que a doença tem ligação dessas condições de saneamento e moradia com a doença, que tem uma relação com a pobreza da população. "Mas não é exclusiva de uma classe social. Mas, certamente, tem mais hanseníase nas camadas sociais menos favorecidas", afirmou Claudio Salgado.
A hanseníase é uma doença infectocontagiosa. "Pega de outras pessoas. A pessoa está doente, não sabe, e está conversando com você e está passando o bacilo, que se espalha muito facilmente na comunidade. Mas, felizmente, a maioria das pessoas tem um componente genético, que ainda não sabemos exatamente o que é, que faz com que não desenvolva a doença", explicou. Sobre os sintomas iniciais, ele disse que a pessoa pode ter sensação de pinicar, formigamento, dormência.
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