Revisão do Plano Diretor de Belém pode trazer novas regras para altura de edificações
O novo regramento municipal, atrasado há sete anos, deve discutir também o adensamento populacional e a preservação ambiental
A atual gestão da Prefeitura de Belém tem o objetivo de mudar o regramento municipal por meio da construção de um novo Plano Diretor, lei que organiza o crescimento e o funcionamento da cidade e cuja revisão já está sete anos atrasada. Um dos pontos prioritários, além da questão climática, é a alteração dos gabaritos, ou seja, o número máximo de pavimentos permitido para as edificações. As primeiras discussões devem começar em meados de março, com a apresentação de um cronograma de audiências e consultas públicas sobre o tema.
Para além de um documento administrativo, o Plano Diretor é responsável por definir a política de desenvolvimento municipal e é um instrumento que integra fatores políticos, econômicos, financeiros, culturais, ambientais, institucionais, sociais e territoriais que condicionam a situação do município, garantindo aos cidadãos um lugar adequado para morar, trabalhar e viver com dignidade.
Como as discussões ainda não foram iniciadas, a Prefeitura de Belém não quer fazer especulações. Após a construção do regramento, caberá aos vereadores da capital votar o texto e ao prefeito, Igor Normando (MDB), sancionar. O diretor municipal de desenvolvimento urbano de Belém, urbanista Marcus Ataíde, conversou de forma exclusiva com o Grupo Liberal e explicou que a gestão trabalha na construção de um Plano Diretor sustentável e que acompanhe o crescimento que a cidade teve nos últimos anos.
O atual regramento básico da capital paraense data de 2008 e, segundo ele, deveria ter sido atualizado em 2018. “Não dá para a gente construir algo sem pensar na Belém do futuro. Nosso Plano Diretor virá com muitas observações em relação à questão das mudanças climáticas, mas a gente precisa ter um olhar responsável para o crescimento da cidade. Eu acho que não cabe à Prefeitura fazer especulações. A gente tem que tratar esse assunto com muita responsabilidade”, afirma.
Adensamento populacional
O adensamento urbano é o fenômeno de concentração populacional ou de edificações em determinadas áreas das cidades. Onde já há serviços públicos instalados, o urbanista considera o adensamento importante. “Em determinados espaços a gente precisa, sim, adensar um pouco mais, e em outros resguardar o patrimônio histórico da cidade. Mas onde nós temos uma infraestrutura e um saneamento já consolidados, equipamentos públicos já instalados, a gente precisa, de alguma forma, adensar esses espaços”.
Porém, não necessariamente o adensamento ou a construção de prédios vai trazer desenvolvimento para a cidade. O diretor municipal ressalta que é preciso pensar de forma planejada e inteligente a distribuição. De acordo com Marcus, isso pode trazer benefícios para a população, em termos de proximidade com os serviços, mas ele lembra que é necessário ter um olhar para o futuro, sempre pautado nas questões ambientais.
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Também não há uma ligação entre a verticalização e a sustentabilidade. Pode-se pensar que, construindo mais prédios, em vez de expandir a cidade horizontalmente, haverá menos danos ao meio ambiente, mas o urbanista diz que não. “Você pode ter uma cidade totalmente verticalizada e sem arborização, ou verticalizada e arborizada. O bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, é uma área mais consolidada, mais nobre, em que há uma certa verticalização controlada e planejada, e você vê bairros totalmente arborizados”, exemplifica.
Gabaritos
As limitações de altura que são trazidas pelo atual Plano Diretor não são muito claras. Isso porque o documento divide a cidade em zonas, por meio do zoneamento urbano, e cada área tem uma regra, mas dificilmente um cidadão comum, que não seja da área, saberá diferenciar os setores da capital.
A definição dos gabaritos visa controlar a densidade populacional e a harmonia arquitetônica, sendo que cada área tem limites específicos para a altura dos prédios conforme a infraestrutura disponível, como vias de acesso, transporte e saneamento. Regiões próximas a patrimônios históricos e ambientais possuem limitações mais rígidas, assim como a orla e áreas próximas a rios.
O diretor de desenvolvimento urbano de Belém, Marcus Ataíde, diz que essas limitações se dão, na maioria das vezes, por controles urbanísticos, para resguardar a preservação do meio ambiente e do patrimônio, mas também para ter um controle maior sobre o crescimento da cidade.
“Isso não quer dizer que não pode ser alterado, desde que nós resguardemos a questão do patrimônio e algumas áreas, até para não criarmos ilhas de calor na cidade, e sim construir algo planejado, de forma inteligente, sustentável e identificando áreas na cidade com potencial de crescimento”, enfatiza.
Diretor de edificações do Sindicato da Indústria da Construção do Estado do Pará (Sinduscon-PA), Bruno Miléo diz que o Plano Diretor não é tão específico quanto aos gabaritos, apenas delimita os coeficientes de aproveitamento mínimo, que variam entre as zonas e influenciam a altura permitida em cada área da cidade.
“O que define hoje o gabarito no Plano Diretor é o índice de aproveitamento do terreno, que geralmente chega a 3,3, e uma autorização do Comando Aéreo Regional (Comar), porque a gente entra no Ministério da Aeronáutica para solicitar uma construção de acordo com as alturas das aeronaves. Algumas zonas especiais têm algo mais específico. A zona 7, que compreende o centro histórico, é dividida em três setores, e lá os limites vão de 7 a 10 metros. Em algumas orlas está escrito 7 metros, mas não em todas”, detalha.
Em 2024, segundo Miléo, a gestão municipal anterior havia começado a fazer essa discussão, e chegou a ser criada uma minuta que nortearia o regramento. Porém, o texto trazia uma redução do índice de aproveitamento para 1, o que, na opinião do representante do Sinduscon-PA, reduziria a atividade do mercado imobiliário e limitaria o setor de construção civil, aumentando os custos. Portanto, a nova discussão, na opinião dele, deve ser feita com responsabilidade.
Marcus Ataíde, da Prefeitura de Belém, reforça que ainda não é possível dizer se os números vão aumentar ou diminuir nas zonas da cidade. O processo de planejamento passará por conversas com a população, com a academia, com os empresários e com outros órgãos, para entender a necessidade desses grupos e o que a sociedade quer de Belém para os próximos anos.
Regulamentação
Mesmo na legislação em vigor, alguns pontos não têm funcionalidade porque falta regulamentação. Por exemplo, o Plano permite, em alguns casos, a outorga onerosa do direito de construir, um mecanismo pelo qual empreendedores podem pagar uma taxa para construir acima do limite estabelecido. Em algumas áreas, operações urbanas consorciadas podem redefinir regras de gabarito em projetos específicos, desde que tragam melhorias urbanísticas.
A outorga onerosa, porém, é um dos instrumentos que não estão regulamentados no regramento. “A gente precisa regulamentar esses instrumentos, muitos deles não estão regulamentados e acaba que a gente não consegue utilizá-los. A outorga onerosa é um dos instrumentos importantes para o desenvolvimento da cidade, mas de forma ordenada, responsável e sustentável. A Prefeitura hoje não toma a mão da outorga por falta de regulamentação”.
O diretor de edificações do Sinduscon-PA reforça que é preciso ter mais segurança jurídica e regras mais claras do que o setor pode ou não pode fazer. “Há bairros que não são verticalizados e têm um alto adensamento populacional. Não tendo um regramento claro, ficam irregulares. Se tivesse um regulamento melhor para essas áreas centrais, isso traria mais pessoas, porque bairros como Telégrafo e Fátima não têm um regramento claro para se construir”, diz.
Bruno Miléo também destaca outras demandas do setor, que já foram apresentadas ao vice-prefeito de Belém, Cássio Andrade (PSB). Ele ressalta que a cidade possui características geográficas que favorecem a verticalização e que a expansão horizontal não seria uma solução viável sem investimentos adequados em infraestrutura.
"Belém é uma cidade vertical, não tem como pensar em crescimento horizontal. Se levamos as construções para longe, precisamos garantir transporte para onde o comércio acontece. A lógica atual das cidades é a do deslocamento de até 15 minutos entre casa, trabalho e comércio, e não jogar as pessoas para longe. Até o novo plano do Ministério das Cidades determina um crescimento mais concentrado", explica.
Além disso, Miléo aponta a necessidade de uma legislação específica para acompanhar programas habitacionais, garantindo mais moradias acessíveis. "Belém tem um déficit habitacional de 58 mil unidades, e construímos apenas 2 mil por ano, o que é muito pouco. A cidade precisa de um Plano Diretor que abra novas áreas para expandir o setor e resolver de fato esse problema, e não apenas manter o que já está feito como se fosse suficiente", completa.
Articulação política
O representante da Prefeitura, urbanista Marcus Ataíde, garante que o Plano Diretor sairá da administração municipal feito de forma democrática e técnica, sem viés político. Porém, após passar pela Câmara Municipal de Belém (CMB), onde haverá um amplo debate, pode haver alterações.
À frente dos debates entre os vereadores, Jorge Vaz (PRD) afirma que, embora ainda não tenha tido acesso à proposta inicial do Executivo, a atualização do Plano Diretor, incluindo a questão dos gabaritos, é um processo complexo e colaborativo, que exige a participação ativa do Executivo, do Legislativo e da sociedade civil. “Através do diálogo e da participação, poderemos construir um Plano Diretor que atenda aos anseios da população e prepare o caminho para a Belém do futuro”, diz.
A definição de gabaritos no novo regramento, segundo o vereador, deve considerar alguns aspectos importantes. Entre eles está a capacidade da infraestrutura, analisando se a cidade aguenta prédios mais altos e se há água, esgoto e transporte para todos; a mobilidade urbana, questionando se prédios com mais andares, ou seja, mais moradores, irão causar mais trânsito; e a questão ambiental, antecipando se haverá um bloqueio dos corredores de vento na cidade e até da luz do sol.
“Equilibrar desenvolvimento urbano e qualidade de vida na definição de gabaritos exige um Plano Diretor que promova adensamento estratégico, diversificação de usos e inovação, enquanto preserva o patrimônio, prioriza espaços públicos e garante sustentabilidade ambiental. A chave é ouvir a população, integrar suas opiniões e usar tecnologia para monitorar o impacto dos gabaritos, assegurando que o crescimento beneficie a todos. A cidade ideal é aquela que prospera sem sacrificar o bem-estar de seus habitantes”, opina o parlamentar.
A Câmara Municipal, na avaliação de Jorge Vaz, tem um papel crucial antes do envio oficial do Plano Diretor pelo Executivo, atuando como um elo entre a população e o poder público. Segundo ele, os vereadores devem acompanhar ativamente a elaboração do plano, participando de debates e audiências, e apresentar propostas que reflitam as necessidades da comunidade. O vereador protocolou, nesta semana, um requerimento solicitando que seja marcada uma audiência pública na Câmara, para que o Poder Legislativo também comece a se movimentar quanto aos debates com a população.
O fato é que, com o atraso de sete anos na revisão do plano, todos os envolvidos concordam que essa discussão é urgente. Além das audiências públicas, a Prefeitura também quer retomar as ações do Conselho de Desenvolvimento Urbano. Muito em breve, de acordo com a administração, será anunciada a retomada do processo, inclusive nos distritos e ilhas de Belém.