Procuradora pede investigação de Wajngarten por post que chama Major Curió de 'herói'
Publicação no Twitter da Secom chamou de 'herói' o militar denunciado seis vezes por crimes como sequestro, assassinato, tortura e ocultação de cadáver
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão quer investigação e eventual responsabilização, inclusive por improbidade administrativa, do Secretário Especial de Comunicação Social da Presidência, Fábio Wajngarten, outras autoridades eventualmente envolvidas, em razão de postagem sobre o encontro entre Jair Bolsonaro e o tenente-coronel da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o "Major Curió", agente da repressão durante a ditadura militar que atuou no combate à Guerrilha do Araguaia, no sudeste paraense, nos anos 1970. Publicação no Twitter da Secom chamou de 'herói' o militar denunciado seis vezes por crimes como sequestro, assassinato, tortura e ocultação de cadáver.
Representação enviada ao procurador-chefe do Ministério Público Federal no Distrito Federal, destaca que a publicação 'é uma ofensa direta e objetiva ao princípio constitucional da moralidade administrativa, por representar uma apologia à prática, por autoridades brasileiras, de crimes contra a humanidade e graves violações aos direitos humanos'.
"A Secom do governo federal, portanto, ao celebrar e defender a repressão realizada pelas Forças Armadas na Guerrilha do Araguaia faz, como já adiantando, apologia à prática de crimes contra a humanidade e de graves violações aos direitos humanos, na contramão do Estado Democrático de Direito e dos princípios fundamentais da Constituição brasileira", afirmam os procuradores Debora Duprat, Marlon Alberto Weichert e Eugênia Augusta Gonzaga.
Segundo eles, a conduta é passível de sanção pessoal, nos termos do artigo 11 da Lei nº 8.429/92. O dispositivo elenca situações que podem constituir 'ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições'.
No documento, os procuradores registram que a Guerrilha do Araguaia se deu nos anos 1970, quando militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B) passaram a se instalar nas proximidades do Rio Araguaia com a finalidade de organizar um levante rural de resistência à ditadura.
O presidente Jair Bolsonaro se encontra com o tenente-coronel da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o "Major Curió", de 85 anos, denunciado por crimes cometidos durante a ditadura Foto: Reprodução/Instagram
O texto registra ainda que o movimento causou forte reação do Estado, tendo as forças armadas organizado ações de repressão para combate-lo, com destaque a três operações de inteligência, sendo a última delas denominada Operação Marajoara.
A procuradoria registra que tal ação houve 'definitivo abandono do sistema normativo vigente, pois decidiu-se claramente pela adoção sistemática de medidas ilegais e violentas, promovendo-se então o sequestro e/ou a execução sumária dos militantes, seguida do desaparecimento de seus corpos'.
"Não há notícias de sequer um militante que, privado da liberdade pelas Forças Armadas durante a Operação Marajoara, tenha sido encontrado livre posteriormente. Ou seja, todos os dissidentes capturados foram executados ou desapareceram, não sem que antes lhes fossem infligidos, sempre que possível, atos de violência física e moral a fim de obter informações. O Estado brasileiro, em diversos processos nacionais e internacionais, reconheceu oficialmente o desaparecimento de 62 pessoas".
Os procuradores destacam ainda que além os sequestros e torturas eram seguidos de negativa estatal da ocorrência dos mesmos. "Essa negativa de informação, aliás, não cessou até hoje e configura um delito permanente", pontuam.
As agressões físicas e psicológicas aos moradores locais, para que delatassem os militantes também são registradas no documento. A Procuradoria citas ae torturas sofridas pelos moradores: espancamentos, 'choques elétricos na cabeça, costas e testículos', 'ficar pendurado pelos testículos', 'tomar água mantida em um tonel ao sol, com sal e limão', entre outras.
"Levantamentos realizados diretamente pelo Ministério Público Federal indicam que parcela expressiva da população masculina da região tenha sido encarcerada sem qualquer ordem legal, em verdadeiros campos de concentração, especialmente nas bases militares de Xambioá - TO e Bacaba - PA. Conforme farto material probatório colhido, houve a prática sistemática de torturas físicas e psicológicas, Propriedades foram invadidas, roças destruídas e famílias desagregadas"
A Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu sentença em 2010 qualificando a prática do desaparecimento forçado de suspeitos por parte do Estado brasileiro como uma grave violação aos direitos humanos. Em 2018, afirmou que crimes dessa natureza são crimes contra a humanidade.
Na representação, os procuradores citaram os nomes das pessoas cujo desaparecimento forçado é atribuído a Sebastião Curió: Hélio Luiz Navarro de Magalhães, Maria Célia Corrêa, Daniel Ribeiro Callado, Antônio de Pádua, Telma Regina Cordeiro Corrêa, Divino Ferreira de Souza, André Grabois, João Gualberto Calatrone e Antonio Alfredo de Lima.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), de 2014, relacionou o Major Curió como um dos 377 agentes do Estado brasileiro que praticaram crime contra os direitos humanos na ditadura. A CNV apontou que o militar "esteve no comando de operações em que guerrilheiros do Araguaia foram capturados, conduzidos a centros clandestinos de tortura, executados e desapareceram".
O major era conhecido por 'Doutro Lucchini' e 'foi um dos mais brutais oficiais do Exército brasileiro em ação na Guerrilha do Araguaia', destaca a Procuradoria.
Ao Estado, o militar revelou pela primeira vez, com documentos e depoimentos, detalhes das torturas e dos assassinatos praticados contra dezenas de pessoas na região do Araguaia. As vítimas foram tanto militantes do PC do B, diretamente envolvidos nos confrontos, quanto simpatizantes locais. O movimento contra a ditadura, organizado no sul do Pará e no norte do atual Tocantins, acabou massacrado pelo Exército.
Até a publicação desta matéria, a reportagem não conseguiu estabelecer contato com Fábio Wajngarten. O espaço permanece aberto para manifestações.