Pará é o 4º com maior número de trabalhadores resgatados
Trabalho escravo contemporâneo ainda é realidade em regiões rurais do estado
“É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil”, diz o primeiro artigo da Lei Áurea, sancionado há 134 anos pela princesa Isabel, que buscava pôr fim à condição de trabalho forçado imposta principalmente às populações negras trazidas ao país. O marco histórico, no entanto, não foi suficiente para que a exploração de trabalhadores se encerrasse por completo.
O chamado trabalho escravo contemporâneo é uma realidade que assola o mundo todo e tem o Pará como um dos estados brasileiros em que a prática é mais combatida. Dados do Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), vinculado ao Ministério do Trabalho e Previdência, o estado foi 4º estado brasileiro com maior número de trabalhadores resgatados em 2021, com 110 trabalhadores encontrados em condições análogas à de escravo. O número representa um aumento em relação aos anos de 2020 e 2019, quando foram resgatados 76 e 66 trabalhadores, respectivamente.
Em todo o Brasil, no ano de 2021, foram 1.937 trabalhadores em condições análogas à de escravo, mais que o dobro do que foi registrado em 2020, quando foram resgatadas 936 pessoas e também superior a 2019, quando foram 1.131 registros desse tipo de crime. Os outros três estados com maior número de resgates foram: Minas Gerais, com 768, Goiás, com 304 e São Paulo com 147 libertos.
A fiscalização das condições de trabalho e o resgate de pessoas fica a cargo do Ministério Público do Trabalho (MPT) por meio da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), que realiza as forças-tarefa em conjunto com outros órgãos, como a Auditoria Fiscal do Trabalho, o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal.
De acordo com a procuradora Cláudia Resende, nessas operações, a situação degradante encontrada costuma ser semelhante mesmo em localidades diferentes. “Basicamente o que a gente encontra são trabalhadores que moram em um barraco de lona, sem parede, sem banheiro, que fazem as necessidades fisiológicas no mato, tomam banho em algum lago ou rio e essa fonte é a mesma que eles usam para beber água ou cozinhar, eles fazem seus alimentos em uma fogueira ou fogão improvisado próximo ao alojamento, estando ali sujeitos a animais peçonhentos. Essa é a realidade encontrada na esmagadora maioria em todos esses locais”, diz procuradora que é responsável pelas ações realizadas em quase 40 municípios da região sul e sudeste do estado.
O levantamento da Conaet aponta que a quantidade de forças-tarefa no Brasil vem aumentando ano a ano, apesar das restrições impostas recentemente pela pandemia. Em 2019, foram 34 forças-tarefa, em 2020 foram 53, em 2021 foram 160 e nos primeiros meses deste ano já foram cinco operações realizadas. “Uma das coisas que indicam esse aumento é a criação de forças-tarefa regionais porque no âmbito nacional é mais difícil conciliar as demandas do Brasil inteiro. Com a criação das forças móveis, isso impulsionou. E também o maior foco do MPT porque é uma atividade primordial nossa. Teve um maior direcionamento com verbas que passaram a ser aplicadas na realização dessas forças-tarefa”, afirma.
Considerando a realidade local, Cláudia Resende pontua que as principais ocorrências são observadas especialmente em fazendas de municípios como São Félix do Xingu, Pacajá e Novo Repartimento. Quando uma situação de trabalho análogo à escravidão é detectada, as medidas cabíveis envolvem desde a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e pagamento de multa pelo dano moral até o ajuizamento de uma ação civil pública, em que o empregador é processado penalmente pelo crime cometido.
Para a procuradora Cláudia Resende, as penas impostas refletem em melhorias de condições de trabalho e proteção de direitos, no entanto, ela ressalta que a área ainda enfrenta desafios em que considera ser essencial a promoção de ações em outros campos. “O MPT tem esse trabalho repressivo, mas o mais importante seria uma atuação preventiva até para os empregadores não reincidirem nessas práticas. Uma atuação para a erradicação da pobreza, de melhoria das condições sociais e até de conscientização de que essas violações vilipendiam os direitos humanos. Tudo isso, a meu ver, seria até mais efetivo para combater esse mal que assola o Brasil e o Pará”, conclui.
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