Mulheres ainda são minoria na política no Brasil mesmo após 92 anos da instituição do voto feminino
Segundo o IBGE, as mulheres são 51,5% da população do Brasil, mas correspondem a apenas 18,2% do Congresso nacional, 17% da Assembleia Legislativa do Pará e 31,42% na Câmara de Vereadores de Belém.
As mulheres são 51,5% da população do Brasil, segundo dados do Censo 2022. No entanto, mesmo após 92 anos da instituição do voto feminino em 3 de novembro de 1932, as mulheres são minoria na política brasileira. Atualmente, há um total de 107 mulheres congressistas. São 92 deputadas e 15 senadoras. No total, representam somente 18,2% dos parlamentares no Congresso. Na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), há 41 deputados estaduais. Só 7 são mulheres, apesar de 50% do eleitorado paraense ser feminino, com mais de 3 milhões de eleitoras. O poder legislativo do estado segue, portanto, com apenas 17% de representação feminina. Em 2024, Belém elegeu apenas 11 mulheres de 35 vereadores, o que equivale a 31,42% de cargos ocupados por mulheres na Câmara Municipal.
Houve um aumento, ainda que tímido, tanto no número de candidaturas quanto no número de eleitas nas eleições municipais de 2024. Contudo, esse aumento segue lento e muito abaixo de diversos países latino-americanos e mantém, dessa forma, o Brasil na situação de sub-representação feminina. Essa é a avaliação de Karol Cavalcante, mestre em Ciência Política pela UFPA. “Conseguimos alcançar apenas 13% de eleitas nacionalmente para o executivo e apenas duas capitais serão comandadas por mulheres. Esses resultados evidenciam que a política no Brasil segue sendo um espaço majoritariamente masculino”, analisa destacando a porcentagem de mulheres vitoriosas nas eleições municipais de 2024.
Instituição do voto feminino
Em 1932 foi lançado um novo Código Eleitoral, promulgado pelo então presidente Getúlio Vargas, no qual foi instituído o voto feminino. A Constituição brasileira de 1934 confirmou o direito de voto a homens e mulheres maiores de 21 anos e alfabetizados. Contudo, no mesmo Código havia o artigo 121, em que os homens maiores de 60 anos e as mulheres em qualquer idade podiam isentar-se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral. Em outras palavras: para idosos e mulheres o voto não era obrigatório.
“Em uma sociedade patriarcal, onde os maridos eram a autoridade da família, e as mulheres precisavam de sua autorização para ter uma profissão ou mesmo alienar bens, como previa o Código Civil de 1916, o voto voluntário feminino significava que na prática, as mulheres teriam que ter autorização do marido para sair para votar”, explica Cristina Cancela, historiadora da UFPA.
A condição do voto feminino voluntário só foi alterada no Código Eleitoral de 1965, embora na Constituição Federal de 1934, ele fosse restrito às mulheres que não tinham renda própria. Ou seja: restrito a mulheres donas de casa ou que exerciam trabalhos domésticos e de cuidado com renda não comprovada.
Segundo Cancela, essas determinações ocorreram após a chamada Revolução de 1930, que inicia a Era Vargas. “Getúlio chega ao poder apoiado por forças políticas que pleiteavam reformas no sistema político, como a adoção do voto secreto e o fim das fraudes eleitorais, tão comuns na primeira república brasileira”, lembra.
Efeitos imediatos na política e o que não mudou
A maior participação e representatividade feminina na política, particularmente das mulheres de classe média e brancas, algumas delas profissionais liberais, foram as consequências iminentes na época após a instituição do voto feminino.
“Contudo, embora as mulheres sejam metade da população brasileira, nossa representatividade ainda é muito pequena”, ressalta a Cristina Cancela, que também é pesquisadora sobre População, Família, Migração e Gênero na Amazônia.
Segundo o TSE, nas eleições de 2024, as mulheres conquistaram apenas 13% do total de prefeituras. Nas Câmaras Municipais do país, as mulheres vão ocupar só 18% das vagas de vereadores.
“Ainda é uma presença tímida que precisa avançar não apenas em números, mas também na diversidade aumentando a participação de mulheres com diferentes marcadores sociais de raça/etnicidade e classe social para termos diversidade na política e para que mais pautas e reivindicações de grupos heterogêneos possam ser atendidas”, defende a historiadora.
Personagens da história que lutaram pelo voto
Segundo Cristina Cancela, no Pará a campanha pelo voto feminino teve entre os propagadores o Departamento Paraense pelo Progresso Feminino, liderado por mulheres como Cloris Silva, Elmira Lima, Felys Benoliel e Corina Pegado.
“As primeiras mulheres brasileiras a alcançarem o direito a serem eleitas foram Alzira Soriano, Carlota Pereira de Queirós, Antonieta de Barros (primeira mulher negra eleita no Brasil, professora e jornalista)”, evidencia Cancela.
A professora destaca que, em 1922, foi criada a Aliança Brasileira pelo sufrágio feminino dirigida por Isabel Chermont, esposa de Justo Chermont e mãe de Afonso Chermont, proprietário e diretor do jornal O Estado do Pará.
“O Departamento Paraense era filiado à Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, com sede no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, tendo sido fundada em 1922, sendo uma de suas lideranças Bertha Lutz”, revela a historiadora.
O problema das ‘candidaturas laranjas’
Candidatos laranjas é um termo popular para designar candidaturas de fachada, as quais são geralmente usadas para desviar dinheiro do Fundo Eleitoral. As candidaturas laranjas, de forma geral, são usadas para contornar leis, desviar a transferência de fundos para campanhas de outros candidatos e para possibilitar a participação de partidos que não estariam aptos a concorrerem na disputa eleitoral sem eles.
A lei estabelece um mínimo de 30% de mulheres nas disputas pelos legislativos, com o mesmo patamar de destinação de verbas das legendas. A eleição deste ano é a primeira em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) analisará casos suspeitos de burla a essa norma para identificar indícios de candidaturas femininas laranjas. Ou seja: o registro de uma mulher apenas para cumprir a cota.
Para a cientista política Karol Cavalcante, mesmo após mais de 15 anos da aprovação da lei que obriga os partidos a preencherem o mínimo de 30% de candidaturas femininas, eles seguem usando candidaturas de fachada.
“Em mais de 700 municípios brasileiros pelo menos um partido ou federação sequer cumpriu a cota de gênero nestas eleições. Pelo menos 759 candidatas a vereadoras registradas pelos partidos não tiveram nem o próprio voto e mais de 30 mil tiveram até 10 votos”, revela Cavalcante, que conclui que essas candidaturas não disputaram o processo eleitoral efetivamente.
Para combater as candidaturas laranjas femininas, a cientista política defende um sistema eleitoral com reserva de cadeiras. “Nesse modelo, os partidos não precisariam se preocupar em preencher vagas e sim em estimular a competição entre as que verdadeiramente estão na disputa”, explica.
Enquanto isso não ocorre, Cavalcante defende que o ideal é endurecer a fiscalização e punição aos partidos políticos que insistem em cometer esse tipo de irregularidade.
Desafios para ter mais mulheres na política
Para Karol Cavalcante, é preciso estimular as mulheres a participarem da vida política. “Para isso é necessário que os partidos políticos se apresentem como espaços atrativos e acolhedores. Não é possível falar em envolver as mulheres na atividade política sem falar na política de cuidados e na divisão do trabalho”, afirma.
A cientista política explica que, no geral, o cuidado com os filhos e o trabalho doméstico recaem sobre as mulheres. Dessa forma, a falta de tempo é um dos principais motivos para que elas não participem de forma ativa da política.
“É preciso um conjunto de medidas como: 1) Atividades políticas que ofereçam creche para que elas possam participar e levar seus filhos; 2) Horários de reuniões que sejam mais flexíveis; 3) Atividades políticas realizadas mais próximo dos locais de moradia e não apenas em determinada região específica. Essas, entre outras medidas, podem ser tomadas a fim de garantir uma maior participação”, enumera Karol Cavalcante.
Além de tudo, o sistema eleitoral precisa de mudanças concretas para aumentar a participação feminina. Para isso, segundo a cientista política, é necessário que as mulheres deixem de ser apenas estimuladas a colocarem os nomes nas listas de candidatas.
“É necessário garantir expectativas reais de que elas sejam eleitas e nesse sentido é muito importante a reserva de cadeiras no parlamento para mulheres. Foi com esse tipo de medida que diversos países no mundo aumentaram efetivamente a presença de mulheres no parlamento”, aponta Cavalcante.
Além do mais, a mestre em Ciência Política diz que é preciso maior rigor na aplicação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinado aos partidos políticos. O objetivo é investir em candidaturas de mulheres e na aplicação dos 5% do fundo partidário destinado para estimular a participação feminina na política.
“Não adianta prever em Lei o mínimo de recursos financeiros se os partidos não aplicarem. Nesse sentido, o TSE tem um papel importantíssimo em fiscalizar e punir episódios de desvio de finalidade desses recursos”, avalia.
O que as mulheres da política paraense dizem sobre a representatividade?
Elcione Barbalho, deputada federal
Vice-presidente nacional do MDB nacional e presidente do MDB Mulher no Pará, a deputada federal paraense Elcione Barbalho faz um balanço positivo das eleições de 2024 para o partido de centro do qual faz parte. “Tenho orgulho de comemorar a eleição de 22 prefeitas e 101 vereadoras paraenses do nosso partido. O MDB foi o partido que mais elegeu prefeitas em todo o país, são 130”, enaltece.
Contudo, Elcione admite que o preconceito e o desencorajamento de mulheres na política é ainda muito grande. O maior desafio, segundo a deputada, é combater barreiras estruturais e culturais. “Enfrentamos uma realidade em que, historicamente, o espaço de poder sempre foi predominantemente masculino, e isso reflete em como as candidaturas femininas são tratadas dentro dos próprios partidos, seja em questões de financiamento, visibilidade e apoio nas campanhas”, disse.
Maria do Carmo, deputada estadual
A deputada estadual Maria do Carmo (PT) avalia que a falta de confiança da sociedade e das mulheres nelas próprias inviabiliza as candidaturas. “Como o voto é confiança, eu acredito que a sociedade ainda não tem confiança suficientemente nas mulheres para eleger a maioria de mulheres em qualquer assembleia legislativa ou câmara de vereadores. Ou seja: os homens na sua grande maioria não confiam no papel da mulher na política e nem as próprias mulheres acham que nós, mulheres, vamos fazer, desenvolver um bom trabalho dentro de um cenário ainda muito masculino”, declara.
Para a deputada, as mulheres precisam se livrar da culpa e da insegurança por participar da política. “Toda mulher que vem pra política ou exerce um cargo onde você precisa se dedicar muito na sociedade sai de casa com um sentimento de culpa que, se alguma coisa acontecer com o filho ou com a família, a responsabilidade é dela. Isso não é verdade”, explica.
Maria do Carmo (PT) revela que a insegurança tira muitas mulheres na disputa eleitoral. “O homem vai rapidamente pra política. Basta ele receber um convite e achar que tem condições. A mulher, não. A mulher faz tanta reflexão que ela não vai. Ela acaba ficando insegura com o que vai acontecer, acaba achando que não vai dar conta durante a campanha e muitas mulheres inclusive desistem de serem candidatas em plena campanha política”, revela.
Nazaré Lima, vereadora
A enfermeira, professora, advogada e vereadora Nazaré Lima (Psol) achou positivo o aumento de 7 para 10 mulheres eleitas na Câmara Municipal de Belém nas eleições de 2024. Ela se diz ciente de que a política de cotas eleitorais favoreceu o acesso das candidaturas femininas à política. “Há de se lamentar, no entanto, que poucas mulheres votem em mulheres. A equivocada máxima de que mulheres só sabem pilotar fogão ainda grassa no país”, afirma.
Para ela, que é segunda vice-presidente do poder legislativo da capital, os homens não poupam esforços em diminuir e invalidar a atuação feminina, mas é possível alcançar mais espaço. “Vejam que há 63 anos a câmara teve uma mulher na presidência. Daí em diante,nenhuma mulher chegou à presidência. Assim, nosso grande desafio é alcançar a paridade na casa ,ao nível de 50% por meio de políticas públicas e formação nos movimentos sociais”, analisa Nazaré Lima.
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