Expectativa de vida dos paraenses cai mais de 2 anos com pandemia, diz Harvard
Pesquisa preliminar indica que alta mortalidade causada pela covid-19 em 2020 fez Estado retornar ao índice observado em 2010
O paraense perdeu mais de dois anos de expectativa de vida em 2020 por causa da pandemia do novo coronavírus (covid-19). Em média, bebês nascidos no Pará em 2020 viverão 2,01 anos a menos do que se esperaria sem o quadro sanitário atual. Ou seja, 70,82 anos em vez dos 72,83 anos de vida anteriormente projetados. Com isso, a esperança de longevidade dos moradores do Pará retornou ao patamar de 2010, quando a média era de 70,81 anos.
A queda interrompe um ciclo de crescimento da expectativa de vida no Estado, que partiu da média de 45 anos, em 1945, até atingir os estimados 72,83 anos, em 2020, um ganho médio de cinco meses por ano-calendário. Apenas nos últimos 20 anos, o Pará havia ganhado cerca de 4,43 anos em expectativa de vida ao nascer. Isso significa que uma pessoa que nasceu em 2020 tinha expectativa de viver quase cinco anos a mais do que quem nasceu no final da década de 90 – uma perda de 45% do total conquistado nestas duas décadas.
Essa redução média de 2,01 anos na expectativa de vida do paraense ao nascer chega a ser superior à marca nacional, que caiu 1,94 ano após a crise pandêmica. Esse período representa um recuo da estimativa de vida de 76,74 anos em 2019 para 74,80 no ano passado - o mesmo índice observado em 2013.
O cálculo do impacto da covid-19 na sobrevida da população foi feito por uma equipe de pesquisadores liderados pela demógrafa Márcia Castro, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard. A expectativa de vida, ou seja, a estimativa de quantos anos uma determinada população nascida em um dado ano deve viver, é um importante indicador de qualidade de vida e um dos componentes no cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das nações.
"Funciona como um termômetro social porque ela te mostra como a gente está progredindo em aumentar a longevidade da população, através de medidas de saúde pública, saneamento, e também te mostra como determinado choque, como uma guerra ou, neste momento, a pandemia, reduz esse indicador porque há um padrão de mortalidade maior do que o esperado", afirmou a pesquisadora Márcia Castro.
No ranking nacional, o Pará desponta com a 13ª retração média na expectativa de vida ao nascer dentre as 27 Unidades da Federação. No topo, o Distrito Federal surge como o mais prejudicado com os efeitos da pandemia, com perda estimada de 3,68 anos. Na sequência aparecem o Amapá (-3,62 anos), Roraima (-3,43 anos) e Amazonas (-3,28 anos). Na outra ponta, entre os estados que menos perderam na expectativa de vida em 2020, estão vários nordestinos, como Maranhão, Piauí e Bahia, os três abaixo de 1,49 ano de redução na expectativa de vida.
Este dado intrigou os pesquisadores, já que, conforme assinalam no estudo, os "Estados das regiões Norte e Nordeste têm os piores indicadores de desigualdade de renda, pobreza, acesso à infraestrutura e disponibilidade de médicos e leitos hospitalares". Então, o próprio estudo questiona por que o Nordeste não foi tão devastado pela pandemia quanto o Norte do país.
Uma das possibilidades levantadas é a rapidez com que a pandemia se interiorizou nos estados. Os pesquisadores usaram uma escala de 0 a 100, em que quanto mais próximo de 100 mais concentrados geograficamente os casos e mortes estão. Se a pandemia tivesse sido restringida com sucesso a poucos municípios, os índices deveriam se manter em valores acima de 50 por várias semanas. Se ela tivesse se espalhado sem controle pelo território, a tendência seria de uma queda rápida desses valores em poucas semanas.
A constatação não poderia ser mais ilustrativa. Na primeira semana em que casos de covid-19 foram diagnosticados, Amazonas, Roraima, Amapá e algumas regiões do Pará já registravam índices de casos e morte abaixo dos 50 na metodologia dos pesquisadores, ou seja, uma transmissão altamente disseminada e veloz em todo o território.
"Isso sugere a circulação não detectada do vírus antes dos primeiros registros oficiais (e, portanto, quando os diagnósticos começaram já havia uma grande fração da população infectada), ou introduções rápidas e múltiplas do vírus seguidas por rápida propagação espacial", escrevem os cientistas no estudo. Os cientistas concluíram que o novo coronavírus já circulava no Brasil ao menos um mês antes do primeiro caso oficialmente diagnosticado, no final de fevereiro de 2020.
65 ANOS
O estudo de Harvard também estima que o Pará deve ter uma significativa redução de expectativa de sobrevida para pessoas com 65 anos. A taxa deve ficar em 1,76 ano. Ou seja, se mantidas as mesmas condições, a média de anos de vida restantes para idosos cai quase dois anos. Em todo o País, estima-se uma queda ligeiramente inferior: 1,58 ano.
Os pesquisadores ainda alertam que a tendência é que a expectativa piore em 2021, uma vez que este ano já foram registrados cerca de 43% dos números totais de mortos de 2020 (em meados de março). O declínio foi maior entre os homens paraenses. O ganho de 3,3 anos na expectativa de vida ao nascer dos homens do Estado conquistado nos últimos 20 anos, foi perdido em 61% devido aos efeitos da Covid-19. Agora, a expectativa é de 66,99 anos de vida, ante 69 anos de 2019. Já as mulheres do Pará, perderam 1,89 ano com a pandemia, reduzindo nos últimos dois anos de 77,16 anos para 75,27.