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Juristas apoiam indicação da paraense Ana Cláudia Pinho para vaga de Rosa Weber no STF

Presidente Lula deverá indicar dois nomes para o Supremo Tribunal Federal em 2023, e promotora do Ministério Público do Pará recebe apoio por nomeação

Pedro Cruz e Elisa Vaz

O garantismo e a agenda progressista serão pilares na escolha dos próximos dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). É o que já revelou o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva há 10 dias, em café com jornalistas realizado no Palácio do Planalto. “A pessoa tem de ter uma compreensão do mundo social deste país, dos problemas sociais deste país. As pessoas têm de conhecer a realidade deste país, tem de ter um mínimo de sensibilidade social para assumir uma postura dessa, porque é muita responsabilidade", apontou Lula no evento, realizado no último dia 6 de abril.

Esses, claro, serão critérios para além do básico necessário para sentar em uma cadeira no STF de acordo com a Constituição Federal: ter entre 35 e 70 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada. Juristas ao redor do Brasil têm se organizado para tornar a indicação da paraense Ana Cláudia Bastos de Pinho politicamente viável.

 

Além de pós-graduada e mestre em Direito pela Universidade de Brasília, Maria Victoria é coordenadora regional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), no Distrito Federal, e Conselheira Seccional da OAB/DF.

"A gente sabe que o processo de indicação de nomes ao STF é eminentemente político. Conta, sim, obviamente, o currículo da pessoa - é fundamental, sobretudo para a gente, que é da área jurídica. Eu não me aventuraria com um nome apenas político. Têm correntes que entendem que o processo deve ser somente político, mas a Ana tem uma bagagem no tema que supera essa questão", apontou Maria Victoria.

O baiano Luís Eduardo Colavolpe também faz parte deste grupo que apoia a possível nomeação da jurista paraense. Natural de Salvador, Colavolpe é advogado, pesquisador em processo penal, especialista em ciências criminais pela Universidade Católica do Salvador e mestrando em Administração Pública pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). “Quando o nome da Ana Cláudia surge, a gente vai falando, é um nome que não tem uma rejeição. Essa é uma característica”, afirma.

Na visão do advogado, dois pontos são fundamentais para o apoio a Ana Cláudia. “Primeiro, a gente vê a questão da representatividade, a gente entende que essa segunda vaga não pode ser ocupada por um homem, só que a gente vê que também não deve ser qualquer mulher, mas sim uma mulher que tem um estudo garantista, alguém que realmente seja comprometido com os direitos sociais, direitos humanos. E aí surge o nome de Ana Cláudia, que foi ventilado de uma forma muito orgânica, ainda durante o período da transição [do governo]”, contou.

 

Ferrajoli, que é o fundador da teoria, já se posicionou publicamente a favor da nomeação de Ana Cláudia. Em uma carta redigida em 9 de março, mas que ainda não foi tornada pública, o italiano aponta a paraense como "radicalmente comprometida com a democracia" e "à altura do desafio que se apresenta na atual conjuntura", além de demonstrar "histórico de atuação profissional e destacada produção intelectual".

Representatividade

Caso o nome da paraense seja escolhido pelo presidente, esta será apenas a segunda vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) terá um ministro do Estado. O primeiro - e único até aqui - foi Carlos Alberto Menezes Direito, de Belém, indicado por Lula em 2007, no segundo governo do petista. O ministro faleceu aos 66 anos, em 2009, após lutar contra um câncer de pâncreas, sendo sucedido por Dias Toffoli, ainda em atuação na Corte.

Com a troca imprevista, o Supremo deixou de ter qualquer membro nascido no Pará ou no Norte. Conforme aponta um levantamento feito pela Folha de São Paulo, os 11 ministros que ocupam hoje cadeiras no STF são das regiões Sudeste (7), Sul (2), Centro-Oeste (1) e Nordeste (1).

Ao longo de toda a história da Corte, a representatividade do Sul e Sudeste é a mais marcante, já que o Rio de Janeiro é o Estado que mais alçou ministros ao Supremo, somando 33 até agora, ainda de acordo com o levantamento. Atrás dele, aparecem Minas Gerais (30), São Paulo (26) e Rio Grande do Sul (18). Estados como Acre, Amapá, Rondônia, Roraima e Tocantins, todos do Norte, além do Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal, nunca foram representados no Supremo.

O único Estado nortista, além do Pará, que já teve um ministro no STF foi o Amazonas: Francisco Manoel Xavier de Albuquerque, natural de Manaus e nomeado no ano de 1972, durante a ditadura militar, no governo de Emílio Garrastazu Médici. Ele se aposentou em 1983 e faleceu em 2015.

Correção

Com a possível nomeação de uma paraense para um dos cargos mais altos da carreira jurídica nacional, o presidente Lula tem a chance de corrigir parte dessa sub-representatividade, garantindo ao Pará a chance de ter um nome local no STF e dando mais pluralidade regional à Corte.

Defensora dos direitos humanos e do garantismo penal, a advogada Verena Arruda afirma que colocar o nome de Ana Cláudia Pinho em evidência, mesmo que não seja eventualmente escolhida, já é muito importante.

“É um passo muito grande para discutirmos pautas amazônicas e ocuparmos, cada vez mais, esses espaços de poder e de deliberação de assuntos importantes para o país e para o cumprimento das normas institucionais. A região Norte sempre esteve em outro âmbitos e em outro patamar político em relação à disputa desses cargos políticos, então isso fortaleceria mais o Norte nesse espaço de poder”, enfatiza ela, que é membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

Uma vantagem da opção por Pinho, na opinião de Verena, é que a paraense sempre atuou na região. Menezes Direito, por exemplo, embora tenha nascido no Pará, se formou e atuou profissionalmente no Rio de Janeiro.

A luta pela nomeação de Ana Cláudia, que também tem sido articulada localmente, surgiu a partir da “ideia de ter uma mulher da Amazônia aproveitando esse cenário nacional e internacional que traz à tona uma lente das necessidades da região. É importante ter uma voz dentro do STF que compreenda essa realidade local, é uma representação”.

Espaço de poder

Advogada e presidente da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica do Estado do Pará (ABMCJ-PA), Natasha Vasconcelos reforça que o debate sobre reivindicação é um debate sobre ausência e suas consequências práticas, sobretudo nos espaços com alto grau de poder decisório de impacto coletivo, como é o caso do STF.

Portanto, reivindicar representatividade, na argumentação dela, significa pleitear presença e atuação que leve para o centro do debate jurídico da Corte constitucional a experiência não só da jurista amazônida, mas, sobretudo, da mulher nortista.

“É inegável que construir uma carreira profissional, institucional e acadêmica sólida e nacionalmente relevante, ainda mais sendo mulher, estando em uma região considerada distante do centro do poder (eixo Sudeste) é uma tarefa hercúlea. São inúmeras as barreiras para a reconfiguração desses espaços a partir das margens e, por isso, é tão necessário que essa experiência de vida se faça presente, visível e ouvida na Corte constitucional”, declara.

Natasha, que é ativista e feminista, lembra que o STF tem 132 anos de existência e, até o ano 2000, nenhuma mulher havia ocupado as cadeiras da Corte. Faz-se necessário, então, estimular um projeto de vida público-político dos grupos excluídos do espaço de poder decisório, diz ela.

Para ela, a importância da indicação passa tanto pela possibilidade de espelhamento e expectativa de um projeto de vida profissional que possa alcançar esses espaços até a possibilidade de, uma vez neles, transformá-los por meio de políticas de diversidade, acessibilidade e inclusão.

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