CPI concentra investigações nesta semana em Manaus, gabinete paralelo e Covaxin
Depoimentos mais esperados são os de Francisco Maximiano, da Precisa Medicamentos, e o de Carlos Wizard, do "gabinete paralelo"
A nona semana de trabalho da CPI da Covid será marcada pelo aprofundamento de três objetos de investigação: o colapso do sistema de saúde em Manaus, devido à escassez de oxigênio, em janeiro deste ano; a existência de um "gabinete paralelo" e a suposta fraude em torno da negociação para a compra de doses do imunizante Covaxin. Os senadores iniciam os trabalhos da CPI, hoje (29), ouvindo o deputado estadual do Amazonas, Fausto Vieira dos Santos Junior (PRTB). Ele foi relator da CPI da Saúde realizada pela Assembleia Legislativa do estado em 2020. Seu depoimento recairá sobre a crise de oxigênio em Manaus, que levou pelo menos 30 pessoas a óbito somente entre os dias 14 e 15 de janeiro, o pico da escassez de oxigênio na região, segundo o Ministério Público de Contas do Estado do Amazonas.
O requerimento que solicitou a convocação do deputado estadual foi apresentado pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO), da ala governista da comissão e integrante da Tropa de Choque, contumaz defensora do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Para Rogério, a comissão estadual revelou indícios de fraudes e desvio de recursos públicos. "As irregularidades na aquisição emergencial dos ventiladores pulmonares deflagraram a Operação Sangria [da Polícia Federal], que teve início em junho de 2020 e atualmente está na quarta fase das investigações, onde se apuram irregularidades na construção do Hospital de Campanha Nilton Lins, em Manaus", afirmou o senador na justificativa do requerimento.
Um dos objetivos da Tropa de Choque é retirar o presidente holofotes da má gestão da pandemia do novo coronavírus, atribuindo a responsabilidade pelo número exorbitante de mortes e casos confirmados aos governadores e prefeitos.
Gabinete paralelo
Na quarta-feira (3), é a vez do empresário Carlos Wizard, suposto integrante do "gabinete paralelo", composto por empresários e médicos que aconselhariam o presidente acerca do uso de medicamento comprovadamente ineficazes pela ciência contra a covid-19, como hidroxicloroquina e cloroquina. Sua convocação foi requerida pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Em depoimento à CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, destacou Wizard como um homem de confiança do governo, com estreita relação com a pasta. "Puxei o Wizard para vir nos ajudar, porque ele poderia ser um grande link entre o ministério e a parte da compreensão social. Cheguei a indicá-lo para trabalhar na Secretaria de Ciência e Tecnologia, mas ele não achou que conseguiria se desvencilhar dos assuntos de suas empresas e achou melhor não entrar", informou Pazuello aos senadores. O empresário, no entanto, recusou a oferta.
Pazuello também disse que Wizard organizou um encontro com médicos de fora do governo e a Saúde para dar aconselhamentos ao ministro. "Confesso que não aceitei [as propostas]. Sentei para ouvir a ideia desses médicos, não gostei", encerrou o ex-ministro. Sobre um suposto gabinete paralelo, a ministra do STF, Rosa Weber, classificou "a eventual existência de um Ministério da Saúde Paralelo, desvinculado da estrutura formal da Administração Pública" como um "fato gravíssimo que dificulta o exercício do controle dos atos do Poder Público, a identificação de quem os praticou e a respectiva responsabilização e, como visto, pode ter impactado diretamente no modo de enfrentamento da pandemia"
O posicionamento da ministra foi dado no âmbito da decisão que manteve a quebra de sigilos telefônico e telemático (mensagens e e-mails) do empresário Carlos Wizard, próximo do presidente Jair Bolsonaro. Wizard não compareceu à primeira convocação dos senadores, no dia 17 de junho, alegando estar fora do Brasil. Nesta segunda-feira (28), o empresário desembarcou no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP), dos Estados Unidos, onde estava desde março. Ao chegar ao aeroporto, Wizard entregou o passaporte à Polícia Federal, como determinado pela Justiça Federal. Depois, embarcou para Brasília em um jatinho particular.
Covaxin
Por último, no dia 1º de julho, os senadores devem escutar Francisco Emerson Maximiano, o sócio da empresa Precisa Medicamentos, que representa o laboratório indiano Bharat Biotech, sobre o suposto esquema de fraude na compra de 20 milhões de doses da vacina Covaxin. Na última sexta-feira (25), o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão, de mesmo nome, Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, deram detalhes aos senadores da CPI sobre a suposta fraude, divulgada pelo deputado três dias antes.
Os irmãos afirmaram que Bolsonaro foi alertado sobre o esquema de fraude, no dia 20 de março, quando foram pessoalmente até o presidente entregar a documentação para comprovar a denúncia. No encontro, Bolsonaro teria atribuído o esquema ao líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR). "Se eu mexo nisso aí, você sabe a merda que vai dar. Isso deve ser coisa de 'fulano'”, teria declarado Bolsonaro, segundo o deputado Luís Miranda.
Ainda de acordo com o deputado, Bolsonaro prometeu acionar a Polícia Federal para investigar o caso. Tanto o capitão reformado quanto a PF, no entanto, não deram um retorno ao parlamentar, como alegou o próprio. Aos senadores, o deputado disse que após a denúncia feita ao presidente, nunca mais conseguiu falar com o mesmo.
Maximiano não compareceu à convocação da comissão, no dia 23 de junho. Ele justificou, de última hora, sua ausência, devido ao cumprimento de isolamento social, uma vez que chegou da Índia no dia 15 de junho. O requerimento que solicitou sua presença é também de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Senadores apresentam notícia-crime contra Bolsonaro por prevaricação
A semana já iniciou com uma batata-quente para o governo. Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Pandemia, Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) apresentaram ontem notícia-crime contra o presidente da República, Jair Bolsonaro. O documento, dirigido ao Supremo Tribunal Federal (STF), pede que Bolsonaro seja denunciado pelo crime de prevaricação - impedir o funcionamento da administração para satisfazer interesse pessoal.
Na última sexta-feira (25), em depoimento à CPI, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda informou que sofria pressões para aprovar a aquisição da vacina indiana Covaxin mesmo com irregularidades no processo. Seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), contou que levou o caso a Bolsonaro e disse que o presidente sabia do problema, mas não agiu.
A notícia-crime pede ao STF que intime a Procuradoria-Geral da República (PGR) a se manifestar sobre a possibilidade de uma denúncia contra Jair Bolsonaro pelo crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do Código Penal. Também quer que o STF cobre de Bolsonaro que responda se teve conhecimento da denúncia dos irmãos Miranda e se tomou providências quanto a elas. Por fim, os senadores pedem que o tribunal exija da Polícia Federal que informe se houve abertura de inquérito sobre o caso Covaxin.
Os senadores argumentam que o presidente Jair Bolsonaro, como agente político “da maior envergadura”, tinha a obrigação "inafastável" de levar adiante as denúncias que recebeu do deputado Luis Miranda. Em vez disso, ressaltam, o que se viu foi "uma agilidade ainda maior" para formalizar a aquisição da vacina, mesmo em face dos erros identificados.
"Tudo indica que o presidente, efetiva e deliberadamente, optou por não investigar o suposto esquema de corrupção levado a seu conhecimento. A omissão ou se deu por envolvimento próprio, ou por necessidade de blindagem dos 'amigos do rei', numa nítida demonstração do patrimonialismo que ronda o atual governo federal", afirmam os parlamentares no texto elaborado para a notícia-crime.
Randolfe, Contarato e Kajuru destacam, ainda, que a iniciativa é apenas o "embrião" das investigações da CPI sobre o caso, e que elas poderão render evidências de outros crimes, que serão levadas às autoridades judiciais.