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Poluição sonora tira o sossego da população nas madrugadas de Belém

Somente em 2025 já foram registradas 290 denúncias. Ministério Público aponta que 60% das ligações para polícia são deste tipo de registro

Vito Gemaque

A poluição sonora e a perturbação do sossego são um dos crimes mais cometidos em Belém. O barulho de sons automotivos, aparelhagens, ou descargas de motos na madrugada podem causar sérios prejuízos para as pessoas. Somente no ano de 2024, a Polícia Civil registrou 2.281 ocorrências relacionadas ao crime de poluição sonora no Estado do Pará. Neste ano, até o momento, já foram contabilizadas 290 ocorrências em todo o estado. A 4ª Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) alerta que o problema é tão grave e recorrente pode-se listar a capital paraense como uma das mais barulhentas do Brasil. O MPPA aponta que 60% das ligações para o Centro Integrado de Operações (CIOp) das sextas-feiras aos domingos são de poluição sonora.

O dos locais que não possuem descanso por causa do barulho é a esquina da rodovia Arthur Bernardes com a Avenida Pedro Álvares Cabral, no bairro da Sacramenta, em Belém. O som de pequenas aparelhagens dentro de carros, juntamente com o consumo de bebida alcóolica, tem tirado o sossego de moradores vizinhos de duas conveniências há pelo menos quatro anos. Idosos, portadores de necessidades especiais e trabalhadores não conseguem descansar com o constante barulho nas madrugadas.

Enquanto a música alta ensurdece, uma família tem batalhado para ter sua voz ouvida na luta pelo direito ao sossego e ao descanso. O publicitário e produtor cultural Adrielson Acácio, de 36 anos, às vezes precisa tomar remédio para dormir. “Eu preciso comprar remédio para conseguir dormir. Usar bloqueador de ouvido para abafar o som. O barulho é tão grande que chega a trepidar minha janela do quarto”, conta. “De madrugada, chegam carros com som automotivo e vão tocando música alta acaba fazendo a agente acordar quem está dormindo, e quem ia dormir não consegue”, destaca.


Algumas vezes Adrielson chega a se arriscar indo até os estabelecimentos para pedir aos donos de veículos baixarem o som. Algumas vezes, ele é atendido, em outras é ignorado, ou até ameaçado. “Até partiram para cima de mim também. Qual é o complicador dessa situação, quando esses carros não estão em uma unidade de loja de conveniência, estão em outra, que também funciona 24 horas. É o mesmo problema. A gente liga para a polícia, a polícia não veem, e vou lá na loja pedir para baixar”, detalha.

A mãe de Adrielson Fátima Barbosa, de 71 anos, sofre de depressão e cuida do irmão Antônio Carlos de Lima, de 68 anos, diagnosticado com Mal de Alzheimer, epilepsia e demência. O irmão de Fátima tem tido aumento das crises de epilepsia. O marido de 70 anos também tem tido problema para dormir. A senhora revela que nos últimos anos todos na casa tiveram a piora da saúde mental por causa do barulho noturno.

“Nós pagamos para morar aqui neste endereço. Estou há 60 anos morando aqui, tínhamos uma paz, tranquilidade. Como eu, na minha idade, que cuido do meu irmão doente, passo a noite toda sem dormir? Porque o barulho incomoda”, reclama. “Nós não somos obrigados a ouvir música alta. Nós temos os nossos direitos! Nós pagamos impostos!”.

Após três anos ligando por diversas vezes para o 190 do CIOP e denunciando a situação na Divisão Especializada em Meio Ambiente e Proteção Ambiental (Demapa), Adrielson buscou um advogado e levou o caso ao Ministério Público. A denúncia do início de 2024 conseguiu surtir algum efeito com assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com uma das lojas de conveniência que foi obrigada com a retirar mesas, cadeiras e caixas de som. No entanto, os carros com som-automotivo continuam indo de madrugada ao local. “Eu quero enfatizar essa dificuldade que a gente tem no momento de fazer a ocorrência para o 190. Eu não sei se há um tipo de possibilidade de serviço mais eficaz para esse problema”, reflete.

O promotor Domingos Sávio, da 4ª Promotoria de Meio Ambiente de Belém, do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), assegura que a poluição sonora e a perturbação do sossego é algo mais grave do que se imagina. “É um problema recorrente e grave. Belém talvez seja a capital mais barulhenta do Brasil. Tem uma cultura equivocada de se ouvir som muito alto, as aparelhagens cresceram de tal maneira que são caixas e caixas de som. Em Belém, se faz torres em carros, em carretilhas com torres de som, pessoas com a mala do som totalmente ocupadas por caixa de som, não dá para guardar uma caixa de fósforos”, afirma.

Sávio detalha que de sexta-feira para domingo a situação piora consideravelmente em Belém. Segundo ele, as reclamações de poluição sonora e perturbação do sossego resultam em 60% das ligações feitas para o 190.

A 4ª Promotoria de Meio Ambiente, de terça a quinta-feira, realiza somente audiências envolvendo a poluição sonora. O promotor relata ser muito difícil para o infrator argumentar diante das provas técnicas que não causou o problema. A aplicação de multas nestes casos tem ajudado a destinar recursos para equipar o Batalhão de Polícia Ambiental para aquisição de sonômetros – aparelhos que medem os decibéis emitidos por aparelhos sonoros.

Além disso, Domingos Sávio analisa que a abordagem policial para esse tipo de problema precisará ser corrigida. “Também estamos tentando que se coloque em uma viatura pessoas treinadas para isso, ao invés de chegar no denunciado e mandar baixar o som, tem que pegar o aparelho sonoro. Se não estiver dentro da casa, a polícia pode sim pegar o produto do crime”, destaca. Com os sonômetros, os policiais militares poderão realizar o flagrante e apreender as caixas de som. O promotor orienta a população a denunciar os casos também para a promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público do Estado (MPPA).

Enquanto os órgãos públicos não dão uma solução definitiva para a poluição sonora, a idosa Fátima Barbosa continua clamando por paz. “O direito é nosso. Não podemos nos calar. Se você quer colocar sua música alta coloque na sua casa. Não saia da sua casa para outro bairro e fazer barulho. Onde nós estamos? Que Brasil é esse, moço? É isso que fico pensando!”, indaga.

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