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Ver-o-Peso: cartão postal da economia paraense

Complexo que movimenta R$ 1 milhão ao dia é termômetro da força e da diversidade de produtos da floresta

Gabi Gutierrez

Com uma estrutura que reúne cerca de cinco mil trabalhadores diretos e indiretos, o Complexo do Ver-o-Peso, em Belém, é um centro pulsante de geração de emprego e renda no Pará. Entre mercados e feiras, o complexo não só movimenta aproximadamente R$ 1 milhão por dia, como também é um dos pilares da economia da capital paraense, distribuindo uma grande variedade de insumos e produtos que refletem a biodiversidade e a riqueza cultural do Estado.

A Secretaria Municipal de Economia (Secon) detalha que o Ver-o-Peso é composto por várias estruturas, incluindo a Feira do Ver-o-Peso, Mercado de Ferro (peixes), o Mercado Bolonha (carnes), o Solar da Beira, a Pedra do Peixe e a Feira do Açaí. Ao todo, 1.498 permissionários atuam nesses espaços, levando-se em conta apenas os comerciantes principais - e ainda se somam a eles auxiliares e ajudantes que os acompanham.

Apenas na Feira do Ver-o-Peso, por exemplo, estão regularizados 712 permissionários, divididos entre setores como o de alimentação, artesanato, ervas medicinais e hortigranjeiros. Este último engloba 282 comerciantes e é subdividido em frutas, legumes, maniva (a folha moída da mandioca), raízes e tucupi. Na Feira do Açaí, mais 98 permissionários atuam, enquanto a Pedra do Peixe conta com 164 profissionais, responsáveis pela recepção e distribuição de pescado. Os dados são da Secon.

Entreposto é referência econômica

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese-PA), a movimentação econômica do Ver-o-Peso é significativa. O complexo é um dos maiores centros de distribuição de pescado da região, com o Pará representando cerca de 20% da produção nacional. Diariamente, cerca de 80 a 100 toneladas de pescado passam pelo local, e, em ocasiões como a Semana Santa, esse número pode chegar a 150 toneladas.

Outros produtos típicos, como açaí, farinha de mandioca e hortifrutigranjeiros, também têm forte presença no Ver-o-Peso. No caso do açaí, a média anual de vendas é de aproximadamente 30 toneladas. A farinha de mandioca, por sua vez, é comercializada em grandes quantidades, com uma média de cinco mil quilos vendidos diariamente - e 140 mil quilos por mês, abastecendo consumidores locais e mercados próximos.

O setor de hortifrutigranjeiros no Ver-o-Peso é composto por mais de 70 permissionários, que comercializam cerca de 10 mil maços de verdura por dia. Produtos como alface, tomate, couve e cheiro-verde têm maior procura na época de safra, e os preços variam entre R$ 2 e R$ 3 por maço. Outro setor expressivo é o de cereais, com vendas diárias de duas toneladas de grãos, incluindo arroz e feijão.

O Ver-o-Peso concentra ainda produtos derivados das frutas regionais, como bombons e polpas de cupuaçu, bacuri, acerola e taperebá, vendidos tanto no varejo quanto no atacado. Estes itens, amplamente valorizados no mercado local, também ajudam a movimentar o fluxo turístico e a gerar renda para pequenos produtores da Grande Belém.

Com a força da economia das águas

 

A atividade pesqueira do Pará é um dos setores mais promissores da economia do Estado, não apenas pela sua relevância cultural e gastronômica, mas também pelo impacto direto na geração de empregos e nas exportações brasileiras. Atualmente, o setor pesqueiro paraense movimenta mais de três mil vínculos formais de emprego, com destaque para a preservação (congelados) e a comercialização de peixes e frutos do mar. Em um cenário de constante crescimento, atividades como o funcionamento de peixarias e a própria pesca em água salgada já registraram crescimentos significativos, evidenciando o potencial de expansão desse mercado.

O Pará teve um avanço expressivo na exportação de pescados, alcançando uma receita de US$ 82,02 milhões em 2022, resultado de um crescimento acumulado de 217% desde 2009, conforme dados da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme). Entre os municípios paraenses, Belém lidera com 63,6% do volume exportado, seguido por Bragança e Curuçá, no nordeste do Estado, que também contribuem significativamente para esse crescimento.

Os produtos com maior demanda no mercado exterior são os peixes congelados, com destaque para o pargo e outros peixes, que juntos correspondem a quase metade do volume exportado. Esse cenário reflete o crescente interesse internacional pelos pescados paraenses, consolidando o Pará como um importante fornecedor de pescado.

Abundância e postos de trabalho

“A gente vem todo mês e, em uma viagem dessas, traz por volta de 30 quilos de peixe. Tem de todas as espécies”, conta o comerciante Natinho Prestes, vendedor de peixe no complexo comercial do Ver-o-Peso, em Belém, resumindo o cenário positivo da forte demanda local.  Ele observa que, mesmo em tempos de crise, o mercado de pescado se mantém aquecido: “A clientela não diminui. Sempre tem gente comprando peixe, seja para consumo ou para revenda”.

O setor representa a principal renda de muitos paraenses que, assim como Natinho, integram o trabalho nos diversos setores da aquiprodução. No ano de 2021, o Pará atingiu um recorde da série histórica, com 3.566 vínculos de emprego registrados. A atividade de preservação de peixes, crustáceos e moluscos congelados, apresenta o maior registro de empregos formais, com 1.447 vínculos e com participação de 40,6% neste mercado. Os dados são do levantamento mais recente realizado pela Fapespa.


Entre os municípios com maiores números, Belém lidera, seguido por Vigia e Bragança, com, respectivamente, 1.727, 553 e 505 vínculos de trabalho. As participações do total de vínculos ficaram, na mesma ordem, em 48,4%, 15,5% e 14,2%. Acompanhando a tendência, o número de estabelecimentos ligados à cadeia de produção de pescado do Pará teve um crescimento de 16,1% apenas em 2021.

Empreendedorismo

A expansão do setor de pescado paraense também impulsiona o crescimento do mercado de trabalho e do empreendedorismo local. Em 2021, o número de estabelecimentos ligados à cadeia produtiva do peixes aumentou 16,1%, com destaque para o comércio atacadista de pescados e frutos do mar, que teve um crescimento de 26,3%. Atualmente, o Pará conta com mais de 4 mil pequenos negócios no setor, sendo que as peixarias representam a maior parte, com 2.796 estabelecimentos, segundo dados da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Pará (Fecomércio-PA).


Esse fortalecimento do comércio local é acompanhado de perto pelos pequenos e médios empresários do setor, como o chef David Oliveira, que comanda a cozinha de um restaurante regional em Belém. Oliveira ressalta: a demanda é bem alta e, por isso, os insumos, incluindo pescados, têm que ser reabastecidos a todo tempo. “A gente faz mais de 20 quilos de filhote por dia, só no turno da manhã. Cada bandeja que a gente prepara são dois pacotes, e eles acabam bem rápido, em questão de minutos”, destaca.

Essa movimentação no comércio local ajuda a movimentar o mercado pesqueiro também em outras regiões do Estado. Esse é o caso do restaurante do Chef Alvino, que se propõe a oferecer a culinária paraense com uma apresentação contemporânea. “Nossos fornecedores são todos paraenses. O Pirarucu vem de Santarém, por exemplo”, detalha.

Produção para o mercado interno

Impulsionado pelo alto consumo de pescado, o mercado interno paraense também tem apresentado números expressivos. A média per capita de consumo de pescado no Estado é de 11,1 quilos por habitante ao ano, enquanto a média nacional é de apenas 2,8 quilos, conforme apontam dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É forte a presença do pescado na alimentação do paraense - o que se reflete na robustez da estrutura produtiva local, especialmente voltada à aquicultura.

Em 2022, o Pará produziu cerca de 14,2 mil toneladas de pescado, com destaque para o tambaqui, que somou 8.004 toneladas, superando a média nacional de produção desse peixe. A produção voltada para o mercado interno está concentrada em regiões como Bragança, Curuçá e a região do Baixo Amazonas, onde pequenos produtores, assim como grandes fazendas de aquicultura, abastecem uma demanda de tendência cada vez mais crescente.

Açaí gera a riqueza que impulsiona a economia no Pará

 

Apenas na última década, de acordo com dados da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Pará (Fapespa), os postos de trabalho formais ligados ao fruto regional cresceram mais de 800%. Nos últimos 20 anos, o número de propriedades produtoras de açaí ultrapassou dos 500%, chegando a 81 mil unidades, em 2017. O açaí cultivado no Pará domina a produção nacional (87%) e o Estado, que já chegou a exportar menos de meia tonelada do fruto, já ultrapassa a marca de 61 mil toneladas anuais, segundo a fundação.

"Hoje em dia a procura é sempre maior que a quantidade que a gente traz”, comemora o vendedor de açaí Edson Pereira, de 47 anos, ao falar sobre o crescimento da busca pelo produto. Natural do Arquipélago do Marajó, Edson é uma das dezenas de trabalhadores que movimentam as madrugadas de trabalho intenso de carga, descarga e comercialização do fruto na Feira do Açaí - um dos maiores pontos de negociação do fruto, que desembarca vindo das redondezas de Belém. Cercada por embarcações, ao lado do imponente e histórico Mercado de Ferro da feira do Ver-o-Peso, a grande 'arena do açaí' da capital paraense tem visto o aumento da demanda pelo fruto, tanto no mercado local de Belém quanto no internacional.

Exportação

Esse ritmo constante de produção e consumo local se reflete em números de longo prazo. Em 1999, o Pará exportou menos de uma tonelada de açaí. Hoje, conforme a Fapespa, o volume já passa das 61 mil toneladas anuais, impulsionado pelo aumento da popularidade do açaí no comércio nacional e internacional.

Segundo levantamento feito pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuária e da Pesca do Pará (Sedap), apenas em 2023, o Estado registrou uma receita de exportação de açaí de US$ 27,74 milhões. Somente nos primeiros quatro meses de 2024, o valor destes negócios com o exterior já alcançou US$ 15,84 milhões, marcando um aumento de 85,65% em comparação ao mesmo período do ano anterior.


Emprego e renda

Assim como Edson Pereira, milhares de ribeirinhos, agricultores familiares e trabalhadores informais compõem a extensa cadeia produtiva do açaí no Pará, o estado que hoje domina a produção nacional do fruto.

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que, em 2022, 3.143 empregos diretos e indiretos foram gerados pela produção de açaí no estado, dos quais 598 são diretamente ligados à cadeia produtiva do fruto e 2.536 são empregos indiretos.  E, com o crescente interesse pelo produto, o Pará registrou um aumento expressivo de 864,5% no número de empregos formais entre 2010 e 2022, aponta a Fapespa.

Ainda segundo pesquisas da Fundação, entre 2021 e 2022, o crescimento foi de 107,6%, com o total de vínculos empregatícios passando de 288 para 598, o que representa um acréscimo de 310 postos formais.

Edilson de Oliveira, 51, é um dos trabalhadores que vivenciam esse crescimento. "Esse é o sustento da minha casa, minha principal fonte de renda", afirma o atravessador. De barco, vindo do município de Igarapé-Miri, Oliveira realiza três viagens por semana transportando açaí. A cada viagem, ele conta que traz entre 800 e 1.000 latas, cerca de 12 toneladas, abastecendo um mercado que tem compradores fixos e compromissos já programados para cada entrega. "Já trazemos tudo certo, com o frete combinado. Todo mundo quer, não sobra nada", diz ele, referindo-se à rapidez com que o açaí é vendido assim que chega à capital paraense.

Demanda local

O crescimento da produção de açaí também está intimamente ligado ao aumento no número de estabelecimentos rurais dedicados ao cultivo do fruto.

Segundo a Fapespa, o número de propriedades produtoras de açaí saltou de 13 mil em 1996 para mais de 81 mil em 2017, um aumento expressivo de mais de 500%. Esse avanço reflete o interesse crescente no açaí como uma fonte sustentável e lucrativa de renda, gerando empregos e estimulando o desenvolvimento das comunidades ribeirinhas.

Para Edilson, o trabalho no açaí é mais que uma tradição familiar: ele é a base econômica de sua vida e de outros que compartilham dessa rotina. "Somos eu e mais três pessoas no barco, e a gente já conhece bem o mercado. A procura pelo açaí só cresce", sorri com os olhos nos bons frutos gerados pela sua atividade que ajuda no crescimento econômico do estado.

Mokae: sabores paraenses que conquistam o mundo

A gastronomia paraense tem ganhado cada vez mais destaque no cenário internacional por sua riqueza de sabores e pela conexão única com a biodiversidade da Amazônia. Ingredientes como o pirarucu, o tucupi e o cumaru, que antes eram restritos a cozinhas regionais, agora são explorados em pratos que aliam tradição e inovação.

Um dos exemplos dessa expansão é o Mokae, restaurante em Belém que une técnicas contemporâneas, como o Dry-Aged de pescado, ao uso de produtos locais, mostrando como a culinária amazônica pode abrir portas para novos mercados e experiências. “Eu reproduzi por muito tempo a culinária internacional. Agora queria fazer diferente, trazer a culinária paraense, internacional”, planeja o dono do restaurante.


Atração turística à mesa

O estabelecimento tem atraído visitantes de diversas partes do Brasil e do exterior. “Cerca de 50% do público é de fora, muitos vindo de países como França e Inglaterra, além de turistas do Sul e Sudeste do Brasil”, conta Alvino. Para atender a essa demanda crescente, especialmente com a proximidade da COP-30, a sua equipe recebeu treinamento específico, incluindo cursos de inglês.

Além disso, a casa investe em experiências completas, que valorizam tanto o sabor quanto a história dos pratos, encantando os turistas com a riqueza da gastronomia amazônica.

O modo peculiar de mesclar tradição e inovação na culinária tem sido um trunfo na tarefa bem sucedida de mostrar os sabores do Pará aos que vêm visitar Belém. “É uma experiência inesquecível para as pessoas, mostrando nossa gastronomia e nossa história”, afirma Rafael Barros, fundador do Amazônia da Cuia. O restaurante da capital paraense acolhe seus clientes com um verdadeiro tour gastronômico, permitindo que eles se aventurem pelos sabores da região de uma forma única.

Uma experiência cultural

Com a proposta de oferecer um tour gastronômico, o restaurante se torna um espaço onde os visitantes podem experimentar uma variedade de pratos típicos do Pará. Rafael Barros destaca que o Amazônia da Cuia não se limita a apresentar pratos da região: é preciso também buscar transmitir a cultura local. “O que procuramos fazer aqui é promover uma experiência inesquecível para as pessoas, mostrando nossa gastronomia e nossa história”, explica.

Segundo Barros, o foco é oferecer um atendimento que vá além da alimentação. “Hoje, 60% do nosso público é de turistas. Muitos deles vêm de outros estados ou até de fora do Brasil para conhecer a culinária do Pará e se conectar com nossas tradições”, conta. Para isso, o restaurante oferece porções e pratos que permitem aos visitantes experimentar uma diversidade de sabores típicos em uma única refeição, permitindo que eles se aventurem por diferentes iguarias da Amazônia.

Com essa demanda e com as portas do turismo de Belém abertas, Rafael ressalta a importância de manter a equipe preparada para atendimento: “A gente treina e dá cursos de inglês para nossos atendentes desde 2018. Hoje, mais do que nunca, isso não pode faltar. E, claro, fazer com que nossa equipe também entre nessa imersão cultural".


Gastronomia como valorização

O Amazônia da Cuia nasceu com a intenção de valorizar o Pará e promover o orgulho local. Para Rafael Barros, a culinária paraense é a melhor do mundo, e o restaurante tem como objetivo não apenas mostrar isso para os turistas, mas também transformar a forma como os próprios paraenses veem sua gastronomia. “Nosso objetivo é despertar o orgulho no paraense, valorizar o Estado e mostrar a todos a grandiosidade do que temos aqui”, afirma.

Atualmente, o restaurante conta com mais de 100 funcionários, distribuídos em duas unidades e com um time diversificado que vai além da cozinha. “Comecei com apenas duas pessoas e hoje temos uma equipe completa, com turismólogos que conduzem os visitantes por um tour cultural e gastronômico, explicando sobre a história e os sabores do Pará”, detalha Barros.

Rafael explica que todos os insumos para abastecer e atender a demanda diária do restaurante são tirados do Pará: “Tudo que nós usamos é daqui. Do tucupi, que compramos do Ver-o-Peso, ao açaí, são de fornecedores aqui do Pará”.

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