Uso de "rebite" cresce e aumenta riscos nas estradas
Substância usada por caminhoneiros para inibir o sono. Neurologista alerta para perigos e dependência
Dirigir por várias horas pelas estradas do Brasil para entregar uma carga no prazo certo é missão que muitos caminhoneiros só conseguem cumprir sob efeito de medicamento inibidor do sono. Quem relata é o caminhoneiro mineiro Carlos Rocha, de 54 anos.
Ele afirma nunca ter usado nenhuma substância química para trabalhar, mas diz que já viu a prática entre vários condutores que enfrentam dificuldades com a carga horária exaustiva.
Segundo ele, a maioria transporta verduras, frutas e carnes frias, cargas que podem estragar com muita facilidade se não forem entregues a tempo.
"Abacaxi, banana, tomate, verduras de vários tipos. Frios. Tudo isso estraga rápido. Se o camarada perder tempo, pode ter um grande prejuízo. E ainda tem que enfrentar estrada com buraco. Contratempos que podem atrasar o destino final. Quem usa, consegue diminuir o tempo do trajeto pela metade porque não fica sem dormir", disse.
"Em 30 anos de profissão, nunca precisei usar nenhum medicamento desse tipo. Mas toda a categoria sabe que é uma prática recorrente", contou Carlos.
REBITE
As substâncias usadas para inibição do sono, conhecidas como “rebite”, são feitas à base de anfetaminas, drogas sintéticas que estimulam a atividade do sistema nervoso central.
Na última sexta-feira (29), durante uma parada em um posto na rodovia BR-316, próximo da entrada de Mosqueiro, o mineiro explicou que a pílula é encontrada facilmente.
"Igual maconha, pelas estradas da vida. Nós sabemos que é proibido, mas algumas empresas querem que a encomenda chegue. Com essa pressão, o caminhoneiro escolhe ficar 'rebitado' para se manter acordado durante as longas viagens", explicou.
FLAGRAS DA PRF
Na quinta-feira (28), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) flagrou, na BR-010, no município de Dom Eliseu, nordeste paraense, um motorista de caminhão portando uma cartela contendo quatro unidades da droga anfetamina (nobésio forte) no bolso.
Ele estava dirigindo por 13 horas ininterruptas e saiu da cidade do Rio de Janeiro com destino ao município de Paragominas (PA).
No dia 12 de março, o flagrante foi no km 53, da BR-316, no município de Castanhal, quando a equipe da PRF abordou um caminhoneiro que dirigia por mais de 48 horas, fazendo apenas pequenos intervalos de aproximadamente duas horas.
Ele confessou que estava sob efeito do nobésio extra-forte, medicamento à base de anfetaminas.
CRIME
A PRF esclareceu que o uso de rebite por condutores é proibido. Esse tipo de crime equivale ao porte de outras drogas para consumo como maconha, cocaína etc. Inclusive, o crime recebe o mesmo enquadramento legal na Lei de Drogas (Lei 11.343/06).
Ainda segundo a PRF, é importante ressaltar que o uso de anfetaminas pelos motoristas aumentam as chances de acidentes de trânsito nas rodovias, pois entre os efeitos rebote da droga estão os cochilos repentinos, que é um dos principais causadores de acidentes envolvendo condutores de veículos de carga.
SINDICATO E ORIENTAÇÃO
De acordo com o presidente do Sintracarpa (sindicato que responde pelos caminhoneiros no Pará), Edilberto Ventania, mais de 120 empresas transportadoras são monitoradas com orientações e palestras.
"Sempre realizamos palestras para orientar os caminhoneiros que o uso é proibido. Explicamos que tudo o que é nocivo à categoria deve ser evitado. Estamos presentes, especialmente com os motoristas estaduais e intermunicipais. De seis em seis meses, todos devem fazer exame para detectar se tem substância no organismo", esclareceu.
A carga horária é de oito horas por dia com intervalo de duas horas. "O motorista divide em horario do almoço e jantar. Dentro disso, seguimos a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) de forma transparente", garantiu Ventania.
"A carga horário deve ser relatada em um diário de bordo para ser apresentado à empresa. Ninguém quer motorista dopado nem em trabalho escravo. As empresas têm o compromisso de um trabalho saudável", disse.
NEUROLOGISTA FAZ ALERTA
O neurologista Fernando Cavalcante explica que o uso de anfetaminas por caminhoneiros é antigo, mas que é muito perigoso porque causa dependência e pode levar a alterações graves no sistema nervoso.
"Desde que construíram as primeiras grandes estradas no Brasil, como a rodovia Belém-Brasília. Eles foram obrigados a dirigir em grandes distâncias. E usam anfetamina. Uso crônico. Conseguem de forma ilícita. E geralmente esses medicamentos vêm do Paraguai. Pode causar vários efeitos colaterais, como perda de apetite, irritabilidade, insônia", explicou.