UFPA faz 65 anos como uma das melhores universidades do mundo, mesmo diante de dificuldades
Reitor Emmanuel Tourinho faz um panorama sobre os últimos seis anos da UFPA, em entrevista exclusiva
Reitor Emmanuel Tourinho faz um panorama sobre os últimos seis anos da UFPA, em entrevista exclusiva
No último sábado (2) a Universidade Federal do Pará (UFPA) completou 65 anos de existência, data para celebrar seu desenvolvimento, ao longo do tempo, como a maior universidade pública da Amazônia. Ainda esta semana, ela também entrou na lista das melhores universidades do mundo, segundo o ranking internacional QS World University. Mas essa conquista não tem sido sem esforços, sobretudo em um cenário pouco favorável à ciência, conforme aponta o reitor da UFPA, Emmanuel Zagury Tourinho.
Para falar sobre esses 65 anos, os principais desafios e dificuldades enfrentadas no dia a dia, e também das conquistas que fazem da UFPA a maior produtora de ciência da e na Amazônia, o reitor Emmanuel Tourinho concedeu entrevista exclusiva ao O Liberal. Confira:
Nesses 65 anos, qual a dimensão da UFPA no estado?
Ela foi fundada em 1967, com a reunião de sete faculdades isoladas que já existiam no estado, naquela ocasião. Hoje, somos uma universidade com mais de 300 cursos de graduação e pós-graduação, temos 12 campi, sendo que cada campus tem vários núcleos em cidades vizinhas. Então a UFPA, hoje, está presente em mais de 70 municípios do estado. Somos os maiores produtores de ciência na Amazônia e sobre a Amazônia e temos uma posição de destaque, não apenas na região norte, mas no Brasil.
Muitas universidades surgiram da UFPA. Há perspectivas de mais desmembramentos?
Criar universidades novas é sempre positivo, pois multiplicamos as oportunidades de acesso à educação superior pública. A UFPA tem muito orgulho de ter dado origem à Universidade Federal do Oeste do Pará e à Universidade do Sul e Sudeste do Pará. Há ainda um projeto para criar a Universidade Federal do Nordeste paraense, pelo desmembramento dos campi de Bragança e de Capanema; a Universidade Federal da Amazônia Tocantina, pelo desmembramento dos campi de Cametá e de Abaetetuba; a Universidade Federal do Xingu, pelo desmembramento do campus de Altamira e a Universidade Federal do Marajó que, cedo ou tarde, teremos que fazer.
Qual necessidade a criação de novas universidades vem atender?
Todos os anos, quando a UFPA faz seu vestibular, ela classifica em torno de 8 mil candidatos, mas além desses, nós temos cerca de 40 mil candidatos que têm a nota requerida para ingressar na universidade. Ou seja, são jovens que poderiam estar dentro da universidade, mas não estão porque não há vagas suficientes. Então há uma necessidade enorme de criação de novas universidades e novas oportunidades.
Como você avalia a PEC 206 que prevê cobrança de mensalidade nas universidades públicas?
Nós somos contra a cobrança de mensalidades nas universidades e somos a favor de uma forma tributária que corrija esse erro inaceitável que é o sistema regressivo que temos, no qual os pobres pagam proporcionalmente mais impostos do que os ricos. Em 2018, a Andifes fez um estudo sobre o perfil dos alunos das Universidades Federais e chegou à conclusão de que, se nós quiséssemos cobrir 25% do custo da universidade, cada aluno fora da zona de vulnerabilidade, teria que pagar um terço da renda familiar bruta, de tudo o que a sua família ganha, o que é um absurdo. É um debate que pode fazer sentido na realidade de outros países, mas na nossa não faz.
Qual a realidade do orçamento da UFPA nos últimos anos?
Se considerarmos os valores nominais e a inflação desse período, o recurso de investimento, que é para obras e equipamentos, hoje corresponde a 10% do que era em 2015. E o custeio, que é para manutenção, pagamento de bolsas, de serviços terceirizados, aquisição de insumos, nós perdemos 40% desde 2016. Entretanto, em nenhum desses anos, o orçamento da União decresceu. Então, se você está retirando dinheiro da educação, sendo que você está recebendo cada vez mais recursos, isso significa que você está priorizando outras coisas que não a educação, o que, para o Brasil, que tem um déficit educacional enorme, é inaceitável.
Como o corte de recursos impacta na população?
A universidade faz ensino, pesquisa, extensão, assistência à população e um mundo de outras coisas. Assessoramos governos, atuamos junto a movimentos sociais, apoiamos a inovação na indústria, então o impacto da universidade na sociedade é enorme. No caso da UFPA, podemos dizer que é a instituição - pelo seu tamanho e volume de atividades - com maior impacto no desenvolvimento social e econômico no estado do Pará. Se você limita as condições de funcionamento de uma instituição como essa, não perde só quem está dentro da universidade, a sociedade como um todo sai perdendo.
Como tem sido a produção científica da UFPA nesse período?
Nos últimos seis anos, a produção científica da UFPA cresceu 10% ao ano nas melhores revistas científicas do mundo, o que é surpreendente porque a ciência brasileira não está crescendo nessa taxa e, em algumas áreas, ela está até decrescendo, com o orçamento caindo. No mesmo período, o impacto da nossa produção, medido pelo número de vezes que os nossos trabalhos são citados e como ele repercute na ciência internacional, cresceu 150%. Este ano, o ranking SCImago, que mede a reputação científica das universidades, colocou a UFPA entre as 700 melhores universidades do mundo, tendo subido 75 posições em relação ao ano anterior. Nós estamos fazendo muito, mas poderíamos estar fazendo muito mais se houvesse um adequado financiamento à sua pesquisa.
Como está a relação da universidade com a indústria no estado?
Buscamos incrementar essa relação colocando nossos laboratórios e pesquisadores à disposição para contribuir, principalmente, com projetos de inovação. Criamos no Parque de Ciência e Tecnologia do Guamá, que é uma parceria da UFPA com o Governo do Estado. São 17 laboratórios aptos a prestar serviços à indústria, mas eles são pouco demandados pela indústria por falta de políticas públicas. A inovação é um investimento de risco e que só funciona quando você mobiliza a parceria estado, academia e indústria. Se o Governo não cria políticas para apoiar essa interação da indústria com a universidade, a indústria não procura a universidade.
A UFPA tem contado com interesse e financiamento externo?
Há algum financiamento que chega a partir da interação dos nossos grupos de pesquisa com grupos de pesquisa estrangeiros - e essa é uma das razões pelas quais a internacionalização é positiva para a universidade. Começa a ter parcerias com grupos de pesquisa com outros países que acabam trazendo recursos para pesquisas desenvolvidas aqui. Há muitos grupos na UFPA que recebem recursos externos por meio dessas cooperações com centros de pesquisa estrangeiros.
Qual o papel das cotas para ingresso na UFPA hoje?
O sistema de cotas tem cumprido um papel importante, precisa ser mantido, mas precisamos reconhecer que ainda não é suficiente. É preciso dizer que, quando você usa as cotas no contexto de políticas de ações afirmativas, você torna a universidade mais a cara da sociedade - isso enriquece a produção acadêmica com uma diversidade de visões de mundo, histórias de vida e de pensamentos sobre a nossa realidade.
Como a UFPA vai comemorar os 65 anos?
Tem atividades acontecendo em cada campus. Aqui em Belém, teremos a realização do Fórum Social Pan-Amazônico (Fospa), sediado no campus de Belém, durante 3 dias, de 28 a 30 de julho. A universidade será o centro da Pan-Amazônia, do debate sobre os grandes problemas relacionados ao seu desenvolvimento social e econômico. Faremos o Colóquio Internacional José Saramago, em agosto, que celebra tanto a literatura e a pessoa de José Saramago, único escritor de língua portuguesa que recebeu o prêmio Nobel de Literatura e, além disso, celebra a literatura em língua portuguesa. Também estaremos lançando obras de autores da Amazônia ou sobre a Amazônia, como o livro Traços e Troças, de Vicente Sales. Lançaremos uma segunda edição do livro do professor Pasquale di Paolo sobre a Cabanagem - clássico sobre a revolta popular no Pará, entre outras obras.