Cantar, dançar, escrever e produzir conteúdos para a web são alguns dos hobbies prediletos de Gisele Tavares, 57 anos. Esses dons foram descobertos após ela ser diagnosticada com a doença de Parkinson, em 2017. O que seriam apenas meios para contribuir com a evolução do tratamento se tornaram formas de mostrar a capacidade de superação dos parkinsonianos. Além disso, a paraense inspira outras pessoas mundo afora através de vídeos publicados no Youtube, onde compartilha sua história, e na rede social Kwai, com seus 4,1 mil seguidores.
Ela conta que os primeiros sintomas começaram a surgir entre 2013 e 2014. No entanto, depois de procurar vários médicos, um laudo que confirmava a doença foi expedido três anos depois. “Para lutar contra essa doença traiçoeira, precisei e conto até hoje com o apoio da minha família, de Deus primeiramente, e do meu médico Bruno Lopes, a quem sou muito grata”, diz Gisele Tavares. O especialista foi o responsável por recomendar à sua paciente a prática de atividades benéficas para o tratamento, entre elas, a dança e o artesanato.
As atividades recomendadas pelo médico já apresentavam bons resultados preliminares para o tratamento, no entanto, um episódio marcante em sua vida dificultou os avanços da terapia naquele momento: tratava-se da perda da filha que havia falecido por conta da diabetes, durante a pandemia do coronavírus. Mesmo com tantas adversidades, a fé sempre foi um dos seus principais alicerces. Ela afirma que em suas orações sempre pediu forças para continuar seguindo nessa batalha. A partir dali, Gisele passou a ter interesse em conhecer mais sobre redes sociais e aplicativos de vídeos curtos. Não demorou muito para ela criar o canal no Youtube chamado “Gih Tavares”.
Contudo, seu maior destaque na internet é no perfil “Gisele Tavares572”, do aplicativo Kwai, com o quadro “Xô Parkinson” e vídeos de canções autorais ou de conteúdos cômicos. Para a produção dos vídeos, Gisele criou uma estrutura adequada com equipamentos de luz e som na sua própria residência. Para auxiliá-la durante as danças, ela colocou fita isolante no chão, para fazer uma espécie de pista de apoio com o lugar certo de onde ela deve posicionar os pés. O formato inclusive despertou curiosidades dos seguidores que querem fazer igual.
“Fico feliz em ver pessoas que antes estavam no fundo do poço, não só pelo Parkinson mas por outras doenças, dizendo que querem acompanhar os meus conteúdos por terem observado a minha melhora. Hoje vejo seguidores que saíram de uma possível depressão, pois a doença pode gerar isso, com ajuda desses meus vídeos. Deus é maravilhoso, pois ele abre portas para gente mostrar através das redes sociais que nem tudo está perdido. É por isso que sempre faço questão de afirmar que parkinson não é o fim”, afirmou Gisele.
Dia Nacional do Parkinsoniano
O Dia Nacional do Parkinsoniano é celebrado anualmente em 4 de abril. Para o médico Bruno Lopes, neurologista do Hospital Ophir Loyola (HOL) e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), com linha de pesquisa na doença de Parkinson, é importante haver um momento para conscientização da sociedade sobre doenças comuns e de grande impacto, mesmo que seja um dia. “É o momento ideal para que as demandas de pacientes, familiares e profissionais de saúde sejam ouvidas. Uma doença que afeta cerca de 3 brasileiros a cada 100 pessoas acima de 60 anos, como a doença de Parkinson, merece ser lembrada. Contudo, além da lembrança, precisamos também nos esforçar para que este dia traga impactos positivos na vida daqueles que têm a condição”, disse o especialista.
O que é a doença de Parkinson?
O médico Bruno Lopes explica que a doença de Parkinson é a segunda patologia neurodegenerativa mais comum do mundo, só menos regular que o Alzheimer. A condição é causada pela perda de neurônios em regiões muito especiais do encéfalo, que controla importantes funções, como o movimento voluntário, diz o especialista.
“O problema é que, até hoje, não sabemos bem porque esses neurônios morrem. Há algumas evidências mostrando que uma proteína chamada alfa-sinucleína possa estar envolvida neste processo neurodegenerativo. Este processo de morte de células do encéfalo é progressivo, intensificando-se com o passar dos anos. Isso faz com que o paciente vá acumulando dificuldades em sua funcionalidade e nas atividades da vida diária. Atualmente, com nossas melhorias de tratamento, o tempo de vida de pessoas diagnosticadas com doença de Parkinson já não é mais tão reduzido em relação a pessoas sem esta condição”, elucidou.
Principais sintomas e prevenção da doença
A doença de Parkinson causa uma redução progressiva nos movimentos das pessoas (bradicinesia), além de tremores, rigidez muscular e dificuldades ao andar e no equilíbrio. Bruno Lopes ressalta que a enfermidade também pode causar uma série de outros problemas, como dificuldades de memória, alterações de humor, distúrbios no sono, prisão de ventre, excesso de saliva e perda de olfato e paladar.
“No início da doença, geralmente os sintomas motores ocorrem apenas de um dos lados do corpo, e após se tornam presentes nos dois lados. Apesar das pessoas ligarem o tremor à doença de Parkinson, a lentidão dos movimentos é o sintoma mais ligado a esta doença. Seu diagnóstico é totalmente clínico, devendo ser feito por médico neurologista, a partir da entrevista clínica, e do exame neurológico. Exames como tomografia, ressonância magnética e exames laboratoriais podem servir para excluir outras doenças”, comentou.
“Infelizmente não entendemos bem como a doença surge, então é difícil pensar em estratégias de prevenção. Contudo, alguns estudos mostram que mudanças no estilo de vida, como cessação de tabagismo, combate ao sedentarismo e tratamento adequado de doenças comuns como hipertensão e diabetes, podem reduzir a chance de de desenvolver a doença de Parkinson”, sugere o médico.
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Perfil dos pacientes e avanços a medicina
Bruno Lopes explica que a doença é mais comum em pessoas acima de 60 anos. Porém, ele esclarece que diferente da doença de Alzheimer, há uma considerável porcentagem de pessoas entre 40 e 60 anos que também desenvolvem os primeiros sintomas. Além disso, há os casos incomuns de pessoas que têm início dos sintomas antes dos 40 anos. As pessoas que apresentam sintomas antes dos 40 anos podem ter alterações mais raras, como posturas anormais e complicações precoces da doença.
O médico conta que já há muitos avanços no tratamento da doença desde que a levodopa - a principal medicação hoje usada na redução dos sintomas da enfermidade - foi inicialmente testada, há mais de 50 anos. Dentre os tratamentos medicamentosos, os remédios atuais também atuam reduzindo os sintomas da doença, geralmente em conjunto com a levodopa.
“Além disso, para um subgrupo de pacientes, há a opção de tratamento cirúrgico, seja através da lesão irreversível em áreas do cérebro, ou na colocação de um eletrodo profundo que vai modular a função elétrica de regiões estratégicas (DBS - deep brain stimulation). Mais recentemente, temos descoberto com grande entusiasmo o papel da atividade física na melhora dos sintomas da doença. Uma grande variedade de atividades, como dança, musculação, caminhada nórdica e boxe, tem sido associada a melhora de sintomas e a uma evolução mais lenta da doença”, explica Bruno Lopes.
O médico finaliza com um alerta sobre falsos tratamentos contra a doença: “É importante frisar que não há ainda tratamentos que curem a doença de Parkinson, e que há uma série de falsos tratamentos com promessas de melhoras miraculosas ou até curas. Sobre tratamentos alternativos, os pacientes devem conversar com seus neurologistas de maneira muito franca”.