Pará teve mais de 10 mil crimes contra crianças e adolescentes em 2022
Só em janeiro de 2023, foram registrados 857 delitos contra menores de idade
Só em janeiro de 2023, foram registrados 857 delitos contra menores de idade
De janeiro a dezembro de 2022, foram registrados 10.799 delitos cometidos contra crianças (0 a 11 anos) e adolescentes (12 a 17 anos) no Estado do Pará. Dentre esses crimes, foram contabilizados 368 casos de estupros. Em janeiro de 2023, foram registrados 857 delitos contra crianças e adolescentes e destes, 31 foram de estupros. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), divulgados na noite desta quinta-feira (23), a pedido da Redação Integrada de O Liberal. Já a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) traz ainda outro cenário, referentes ao período de 1º de janeiro a 1º de fevereiro deste ano: 1.365 tipos diferentes de violências e violações de direitos de crianças e adolescentes.
O painel de dados abertos da ONDH de 2023 registra 252 denúncias de violação de direitos humanos envolvendo crianças e adolescentes no Pará. Entre essas denúncias, foram identificados 1.365 tipos diferentes de violação — uma única denúncia pode ter várias violações diferentes —, como maus tratos, exploração sexual e até tráfico de pessoas. A maior parte das denúncias (56,7%) envolviam crianças de 0 a 11 anos, enquanto que no restante dos casos (43,2%), as vítimas eram adolescentes e jovens (entre 12 e 19 anos).
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Mônica Freire comenta que uma das ferramentas de proteção voltadas para crianças e adolescentes no Pará é o Programa de Proteção à Criança e Adolescente Ameaçado de Morte (PPCAAM) que está sob responsabilidade da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) e, atualmente, protege cerca de 45 pessoas no Estado (o número inclui não apenas a quantidade de vítimas, mas também alguns familiares que as acompanham). Ela explica que o programa já funciona há cerca de nove anos, buscando garantir a integridade física de menores em situações em que a própria vida corre risco:
"Nesse programa a vítima ingressa com a família e é encaminhada para outro local, diverso daquele onde está acontecendo a ameaça. No novo lugar onde ela passa a residir, ela não pode ser identificada, assim como no município de origem onde aconteceu a ameaça não pode ser revelado o local de destino onde ela foi encaminhada”, explica a coordenadora.
Mônica informa que toda criança ou adolescente em condição de ameaça pode solicitar apoio ao programa por uma de suas portas de entrada – o Ministério Público do Pará (MPPA), o Conselho Tutelar ou a própria Justiça. “Quando se tratar de um adolescente que a família não o acompanhe, ele vai ficar com uma família acolhedora ou dentro de um espaço de acolhimento. Mas sempre o ideal é que a criança ou o adolescente ameaçado ingresse no programa com sua família, já que os pais são os primeiros responsáveis pela integridade dos filhos e também pela necessidade de convivência familiar”, observa.
Dentro do funcionamento do programa, o MPPA tem a responsabilidade de ser um fiscalizador, enquanto que o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Emaús) atua como executor das medidas. “Há muitos anos o programa é executado pelo Cedeca e funciona no sentido de proteger, mas a grande dificuldade é a manutenção das equipes e, muitas vezes, a falta de um olhar mais efetivo para que não haja descontinuidade. Muitas vezes nas contratações e nos repasses de verba há lapsos de descontinuidade e isso é extremamente prejudicial para a segurança dessa família que está no programa”, comenta Mônica.
No dia 2 deste mês, o MPPA fez uma reunião com promotores de justiça com o objetivo de buscar soluções para a manutenção do PPCAAM no Pará, que estaria com o funcionamento comprometido por atrasos no pagamento de verbas. No dia 3 de fevereiro, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDGC) respondeu que: “por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA), na quinta-feira (01) o Governo Federal fez o repasse da verba para o estado Pará com a finalidade da manutenção do Programa. Dessa forma, não existem riscos de paralização do PPCAM, que está em pleno funcionamento”.
No âmbito policial, crianças e adolescentes têm direito a uma escuta especializada. É o que afirma a delegada Ariane Melo, da Diretoria de Atendimento a Vulneráveis (DAV) da Polícia Civil do Pará (PC). Ela explica que, ao receber uma denúncia envolvendo criança ou adolescente como vítima ou testemunha de algum tipo de violência, protocolos específicos precisam ser postos em prática, segundo a Lei nº 13.431/17:
"Temos algumas regras específicas, com base na preservação da saúde física e emocional desse ser humano em desenvolvimento, visando minimizar as consequências de ser vítima ou de presenciar determinados crimes. A lei fala que quanto menos essa criança for ouvida, melhor. A criança também tem que ser ouvida de uma forma específica, levando em consideração as peculiaridades de entendimento dela. É importante a gente evitar a revitimização desse menor - porque quanto mais essa vítima é exposta a relatar o que ela vivenciou, mais ela revive aqueles atos de violência. Ou seja, nós não estamos preservando a saúde mental dela”, explica a delegada.
Na Região Metropolitana de Belém, Ariene informa que existem quatro Delegacia Especializada no Atendimento à Criança e ao Adolescente (Deaca): uma localizada dentro da Santa Casa de Misericórdia do Pará, em uma unidade da Fundação ParáPaz que atua de modo integrado à Deaca; uma unidade na Polícia Científica do Pará (PCP); a Deaca de Ananindeua e a Divisão de Atendimento ao Adolescentes (Data-Belém). Qualquer caso de violência sofrida ou presenciada por crianças ou adolescentes podem ser encaminhados a esses locais ou denunciados pelos números do disque 100, 181, 190 ou aplicativo de Inteligência Artificial Rápida e Anônima da Segup, Iara.
A delegada também comenta que, apesar da assistência especializada, é importante que toda a rede de proteção do menor, que envolve desde a família até a sociedade como um todo, esteja preparada para proteger e socorrer a criança ou o adolescente vítima de violência: “É importante que toda a rede de proteção esteja apta a receber essa demanda: na escola, por exemplo, se a criança se sente segura em relatar uma situação de violência, esse profissional tem que estar apto a acolher da melhor forma e acionar a rede de proteção, seja o Conselho Tutelar ou as delegacias de Polícia”.
Além disso, Ariane defende que haja uma educação preventiva, capaz de fornecer ao menor a capacidade de entender o que são direitos que não podem ser violados:
“A criança tem que ter vigilância, tem que ter acesso a formas de defesa e a conhecimentos mínimos que a façam perceber quando ela pode estar em situação de violência. As orientações sobre o que é um bom toque, o que é um mau toque, por exemplo, quando a gente fala de violência sexual; quando falamos sobre a criança saber que ela deve externalizar com alguém com quem se sente confortável sobre situações em que ela ficou incomodada; quando a gente fala de bullying, maus-tratos etc. A criança vai externalizar a partir do momento em que ela tem essas informações”.
Uma cartilha ilustrada com informações sobre segurança para crianças e adolescentes na internet é fruto da tese de doutorado do professor paraense de direito Thiago Ximenes, defendida na Universidade de Fernando Pessoa, em Portugal, fazendo com que ele garantisse o título de PhD no assunto. O volume, que conta em torno de 60 páginas, traz noções sobre o que é cyber racismo, cyberbullying, pedofilia na web, ciberespaço, internet, assim como os principais artifícios que criminosos utilizam para se aproximar de pessoas menores de idade. O material está pré-produzido deve ser distribuído em escolas públicas parceiras do projeto.