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O valor da verdadeira presença

Não sei você, mas tenho a impressão de que 2020 ficou hospedado aqui em casa

Anete Pitão/ Especial para O Liberal

Não sei você, mas tenho a impressão de que 2020 ficou hospedado aqui em casa. Às vezes parece aquela mudança com reaproveitamento dos móveis entulhando um espaço bem menor.

Ajeita aqui e ali para caber no lugar que não era o seu.

Um ano que pareceu mais uma indústria de lamento e dor. O mal estar da ressaca que não tem fim. Lembranças. Memórias. Saudade. E a sensação de dor e frio no estômago.

Quero ir adiante. Você também. Mas sempre tem uma certa angústia no meio do caminho. Você percebe?

Vez e outra tem um:

- Porque em 2020…

E lá vem alguma história que ecoa dolorida dentro da gente.

Meu irmão Pedrinho fugiu o que pôde nesse ano da Covid. Mas no ano seguinte, tivemos que amargar a sua partida, vítima do vírus. Você também tem os seus relatos.

Talvez tenha sido a primeira vez que vimos nascer um ano dentro do outro. Histórias repetidas que fizeram bagunça no nosso calendário.

Por certo você não lembra direito em que ano foi o quê. E a gente desejou feliz ano novo meio que emendando um no outro, com a esperança requentada.

Dois anos que pareceram dois semestres intermináveis.

E qual foi o aprendizado disso tudo?

Uma boa lição é que todo dia vem embrulhado numa nova oportunidade de reagir a tudo aquilo que nos acontece de forma mais positiva. Fazer escolhas que podem ser mais úteis, mesmo diante de tantas atribulações. Despertar para as coisas que antes não recebia o devido valor, como dedicar tempo de qualidade para pessoas que são importantes para nós.

Sair de certos grupos virtuais que só levam o tempo da gente sem deixar nada que preste de verdade nessa troca. Mais disposição para aperfeiçoar a escuta que vai tornando o jeito de levar a vida mais leve, genuína e amorosa.

Fazer aparecer, com mais nitidez, a beleza da simplicidade, nem sempre valorizada como merece.

Foram dois anos que surgiram como zona de treinamento de sobrevivência. Para o corpo; e para a mente. Tempo de aprender a lidar com o nosso luto; e com o luto em volta. Por toda parte.

E veja, não falta muito para acabar o ano que chegou como reaprendizagem: De vida e de convivências. 

Que esse histórico não nos tire a disposição para ativar nossa melhor energia. Produzir tudo que puder tornar a nossa presença mais útil. Espalhar sementes que podem compor a nossa prática diária de atitudes mais inteiras.

E cada uma delas, quem sabe, servir de inspiração para alguém, alcançando quem a gente nem imagina.

O luto de herança deixou casas mais vazias. Mas também nos encheu de necessidades por mudanças obrigatórias que estimulam transformações. Um  processo onde cabe a leveza dentro da gente de novo. 

Afinal,  tem muita casa reorganizando os lugares vazios para fazer valer a pena cada móvel que foi colocado, reordenado, reutilizado. E preencher os espaços que foram esvaziados por conta de alguma perda.  Marcar a presença em cada um deles é um passo para ressignificar novos dias do ano que bate à porta.

Pará