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No Pará, número de crianças registradas sem o nome do pai aumenta 138% em 7 anos

Embora seja um problema antigo, a falta de pai cresce ano a ano, mesmo num cenário de queda do número de nascimentos

Igor Wilson

Ter o nome do pai na certidão de nascimento é a garantia de uma série de direitos para as crianças brasileiras. Além do benefício afetivo que a paternidade possibilita, ela permite o acesso a uma série de prerrogativas, como pensão alimentícia, herança, inclusão em planos de saúde e de previdência, entre outros.

No Pará, a quantidade de crianças sem o nome do pai no registro cresceu 138% em 7 anos. Conforme dados disponibilizados de forma exclusiva pela Associação dos Notários e Registradores do Estado do Pará (Anoreg/PA), em 2016, foram 4.956 registros. Já em 2023, o número aumentou para 11.809. O aumento foi registrado apensar de um cenário de queda de 7,9% nos registros de nascimentos – 143.533 em 2016 e 132.256 em 2023. No comparativo do último ano, o aumento de recém-nascidos que vieram ao mundo sem a paternidade registrada no estado foi de 7%. Com 11.025 registros em 2022 e 11.800 em 2023.

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Apesar de alarmante, o panorama pode ser ainda mais grave, pois os dados não abordam os pais que registram os filhos e que acabam não participando da criação. “Ainda tenho esperança de encontrá-lo um dia, tenho muita coisa para falar, mas primeiro daria um abraço nele”. As palavras são de Roberto Souza, um homem de 66 anos que nunca conheceu seu pai e que, apesar do tempo, não consegue conter a emoção ao falar sobre o assunto. São histórias de pessoas como seu Roberto Souza, que tentaram ao longo da vida preencher ou superar a falta que um pai faz, não apenas no RG, mas na vida de um ser humano.

“Dos 10 aos 17 anos isso me incomodou bastante, porque eu via todo mundo falar dos seus pais, das coisas que viviam com eles. Ficava chateado, revoltado, insatisfeito. Tudo era mais intenso na adolescência, então eu sofri, chorei, porque é aquela coisa, tu queres conhecer o desconhecido da tua história”, diz seu Roberto Souza, que lembra que sua mãe, já falecida, fazia mistério sobre a identidade do pai, tentando incentivá-lo a viver o presente.

“A minha mãe fez tudo para suprir essa falta e creio que ela conseguiu. Mas ela se dedicou integralmente para mim, sofreu muito, ficou doente uma época, nem teve mais relacionamentos, pois meu pai biológico foi o único amor dela, mas depois que ela engravidou, ele não assumiu, sumiu”, diz.

Seu Roberto não faz ideia de como o seu pai seja, mas teve a “benção” de ter um amor equivalente, através da figura de seu tio-avô, homem que acolheu sua mãe grávida, ajudando diretamente em sua criação durante toda sua vida. Foi o tio-avô que lhe ensinou boa parte do que sabe e transmitiu ao filho único que, jura ter herdado todo o jeito do pai de criação. Mesmo com todo amor que teve, acredita que a questão sobre seu pai biológico sempre aparece em determinados momentos de sua vida.

“Meu tio-avô, que depois passei a chamar de ‘tio pai’, me ajudou a preencher esse vazio, mas fica sempre uma questão. Recebi muito amor, mas a questão sobre quem era meu pai sempre voltou em alguns momentos”, diz.

Antes tarde do que nunca

Para Elias Ferreira, morador de Ananindeua, a história foi um pouco diferente. Após sua mãe engravidar, houve um desentendimento com seu pai sobre registrá-lo no cartório pago ou numa ação social que ocorreria alguns dias após seu nascimento. Tudo mudou neste intervalo de tempo.

“Nesse tempo eles separaram e minha mãe decidiu me registrar sozinha. Tive contato com meu pai durante a infância, mas pouco, quem me criou foi minha mãe, tanto é que hoje em dia eu falo com ele, o amo, mas nos vemos pouco, moramos na mesma cidade e quase não nos vemos”, diz, mostrando na carteira de identidade o vazio no local onde deveria ter o nome do pai.

“Mesmo tendo contato, senti muito a falta dele, a figura de um pai é muito importante, ainda mais para um filho homem. É uma referência que tive que buscar em outras pessoas, se apegando com os pais de outros amigos, também tive um padrasto que me acolheu como filho, era excelente, nota mil, morreu há pouco tempo, está fazendo falta grande”, diz Elias, sempre afirmando não ter mágoas do pai biológico, mas sim gratidão.

Esforços para enfrentar o problema

Uma nova proposta para tentar enfrentar o problema surgiu durante os debates do novo Código Civil neste ano. O anteprojeto elaborado por uma Comissão de Juristas e entregue para análise do Congresso Nacional, prevê o registro imediato da paternidade a partir da declaração da mãe quando o pai se recusar a realizar o exame de DNA.

Além dos meios judiciais, o procedimento de reconhecimento de paternidade também pode ser feito diretamente em qualquer Cartório de Registro Civil, não sendo necessário decisão judicial nos casos em que todas as partes concordam com a resolução.

Nos casos em que iniciativa seja do próprio pai, basta que ele compareça ao Cartório com a cópia da certidão de nascimento do filho, sendo necessária a concordância da mãe ou do próprio filho, caso este seja maior de idade. Em caso de filho menor, é necessário a permissão da mãe. Caso o pai não queira reconhecer o filho, a mãe pode fazer a indicação do suposto pai no próprio Cartório, que comunicará aos órgãos competentes para que seja iniciado o processo de investigação de paternidade.

Paternidade Socioafetiva

Desde 2017 também é possível realizar em Cartório de Registro Civil o reconhecimento de paternidade socioafetiva, aquele onde os pais criam uma criança mediante uma relação de afeto, sem nenhum vínculo biológico, desde que haja a concordância da mãe e do pai biológico. Nestes casos, o procedimento pode ser feitos direto em Cartório quando a criança é maior de 12 anos.

Caberá ao registrador civil, mediante a apresentação de documentos e entrevistas com os envolvidos, atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou maternidade mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos: inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente biológico; entre outros.

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