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Entenda como identificar os sinais de um relacionamento abusivo

Agressões diárias estão presentes em relações adoecidas que podem evoluir à morte das vítimas

O Liberal

Mesmo com as várias determinações de enfrentamento à violência contra as mulheres, muitas delas convivem diariamente com diversos tipos de agressões, sejam elas físicas, verbais ou psicológicas. Geralmente essas agressões estão presentes em relacionamentos abusivos. Em alguns casos, a vítima perde uma das garantias fundamentais estabelecidas pela Constituição Federal: o direito à vida. Um exemplo é o caso de feminicídio que vitimou a modelo Geordana Natally Sales Farias, de 20 anos, na manhã desta quarta-feira (1º) em Ananindeua.

O crime reacendeu a preocupação sobre relacionamentos abusivos. A psicóloga Marcelle Mesquita explica que as mulheres devem ficar atentas a mudanças de padrão de comportamento. “Quando você inicia um relacionamento geralmente mostra o que há de melhor em você. O relacionamento abusivo inicia-se de forma compassada e discreta. Começa com alternâncias de comportamentos de violência e pedidos de desculpas e promessas de mudanças. A mulher deve ficar atenta a comentários sobre se afastar de determinados amigos, proibição de ir a alguns lugares, interferir em escolhas como corte de cabelo, entre outras coisas. É importante ressaltar que um relacionamento abusivo não está ligado somente à agressão, está ligada também à violência psicológica, moral, patrimonial e sexual”, detalha a psicóloga.

O relacionamento abusivo é aquele em que há o predomínio de poder de um indivíduo sobre o outro. Os principais indicativos de um indivíduo abusivo são: ciúme e possessividade progressiva e exagerada; tentativa de controlar as decisões e ações do parceiro; tentativa de isolar o parceiro do convívio com amigos e familiares; ser violento verbalmente e/ou fisicamente; pressionar ou obrigar o parceiro a ter relações sexuais.

Para a psicóloga, quando a vítima percebe que está em um relacionamento desse tipo, muitas vezes não possui forças para sair da relação. “Isso potencializa os sentimentos de impotência e dificuldade de resolutividade. Quebrar laços e estabelecer estratégias positivas tornam-se ferramentas para um processo saudável. A percepção das necessidades de vínculos de segurança, autonomia , identidade própria, liberdade de expressão e espontaneidade são vitais. A partir da consciência dessa necessidade aliada ao processo de psicoterapia proporcionam uma nova forma de existir e fortalecer as necessidades. Além disso, a participação em grupos de apoio podem ser outra estratégia utilizada”, conclui Mesquita.

A profissional ressalta ainda que o apoio, em detrimento do julgamento, é fundamental para que as vítimas consigam se liberar de relações adoecidas. "Oferecer apoio à vítima, acolhimento, escuta diferenciada, apoio familiar e de amigos é importante. Porém, deve-se tomar muito cuidado com os julgamentos e imposições de valores. Devemos lembrar que a mesma sociedade que cria um solo fértil para um relacionamento abusivo, cobra na mesma proporção mudanças comportamentais da vítima e culpa a mesma por permanecer na situação em que está e por não conseguir sair da relação", enfatiza ela, acrescentando que o acompanhamento psicológico é essencial para que a vítima compreenda o que viveu e como lidar com a situação.

Vítima de um relacionamento abusivo, Joelma Kláudia lembra como iniciou o relacionamento que durou três anos. “No início eram só flores. Ele fazia tudo para me conquistar, parecia um príncipe que saiu de um conto de fadas. Eu fui entregando minhas armas, contando minhas fragilidades, me desnudando cegamente. Bastou saber que eu estava envolvida para mostrar as garras. Primeiro controlava minhas roupas, depois minhas amizades, meus projetos, meus cachês artísticos e quando dei por mim já não tinha mais nem dignidade nem forças para sair. Ele me batia em todos os meus shows, as pessoas viam e não faziam nada. Pois ainda existe a cultura do 'em briga de marido e mulher ninguém mete a colher'. A verdade é que a gente precisa meter a colher sim”, relata a cantora.

Nem sempre a vítima consegue identificar que está em um relacionamento abusivo e é por isso que pode ser difícil terminar ou até mesmo denunciar. Em alguns casos a pessoa permanece no relacionamento por motivos sociais, culturais e financeiros.

“Por ser órfã de pai e mãe, entre outros abusos que me aconteceram na infância, fui uma vítima em potencial desse tipo de homem. Ele me deixou com a autoestima baixa, me fez acreditar que eu só tinha sucesso por causa dele e que nenhum homem ia querer uma mulher como eu: doida, insegura, rodada com dois filhos. As agressões psicológicas me mantinham pequena, miúda, inferior ao ponto de aceitar as agressões físicas e patrimoniais. Com vergonha, eu não falava pra ninguém. Esse é o maior erro que a mulher comete”, ressaltou a cantora.

Joelma Kláudia conta que só conseguiu notar após começar a relatar para amigos as coisas que vivia em casa. “A partir do momento que a gente partilha, passamos a ouvir da nossa própria boca o que o coração já não aguenta mais. Aos poucos o nosso corpo e mente vão processando que é uma relação abusiva e que precisamos sair. Um dia contei para uma grande amiga e foi a melhor coisa que me aconteceu. Ainda fiquei uns meses na relação, mas logo tive forças para me libertar e mandar ele embora da minha vida. A minha amiga me ligava e me lembrava de quem eu era, das minhas lutas, dos meus sonhos e de tudo que conquistei. Insistia que eu não merecia apanhar de ninguém e que com tanta violência ele ainda poderia me matar”, conclui Joelma.

(Bruna Ribeiro, sob supervisão de Jorge Ferreira, coordenador do núcleo de Cidades de O Liberal)

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