Em dez anos, UFPA formou 166 quilombolas e 100 indígenas

Políticas inclusivas e afirmativas garantem o sonho do ensino superior a povos tradicionais e ajuda na transformação de realidades

Emanuele Correa
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Em onze anos, 523 Indígenas ingressaram no ensino superior na Universidade Federal do Pará (UFPA) por meio de políticas inclusivas, como processos seletivos especiais. Destes, 100 estão formados e absorvidos pelo mercado de trabalho, segundo dados da Associação dos Povos Indígenas Estudantes na Universidade Federal do Pará (APYEUFPA). A resolução que criou o Processo Seletivo Especial da instituição (PSE-UFPA) é de 2009. Desde então, faz parte do conjunto de políticas afirmativas para povos indígenas e populações tradicionais, como os quilombolas.

Para quilombolas, o processo começou um pouco depois. O primeiro ingresso, como relembra a Assessoria da Diversidade e Inclusão Social (Adis), via processos seletivos especiais destinados a esse povo tradicional, ocorreu em 2013. Desde então, 166 quilombolas se graduaram até 2020.

Neste ano, o PSE 2021-2 ofertará 336 vagas, sendo 168 para indígenas e 168 para quilombolas, em 84 ofertas de cursos em oito campi da UFPA, com ingresso em 2022. Já o PSE anterior ofereceu 278 vagas para cada grupo, mas as vagas que não foram preenchidas por um grupo poderiam ser ocupadas por outro grupo. Das 210 vagas destinadas aos indígenas que sobraram, 194 foram preenchidas por candidatos quilombolas. O levantamento é da Assessoria de Comunicação da UFPA.

Eliane Putira, da APYEUFPA, explica que as pessoas que fazem parte de comunidades tradicionais vêm de uma realidade diferente. Para ela, falar das ações afirmativas na UFPA é falar também dos desafios desses indígenas que vêm de uma realidade totalmente diferente.

A professora Zélia Amador de Deus, coordenadora da Adis e professora emérita da UFPA, reafirma a importância de ampliar essas políticas e incluir grupos que historicamente estavam fora da universidade. "A instituição se enriquece ao receber grupos que historicamente estavam fora dela e esses grupos trazem novos saberes, novas histórias, novas práticas e outra cosmovisão. Isso tudo enriquece a nossa sociedade", avalia.

"O investimento em políticas de ações afirmativas na UFPA é um compromisso e um dever histórico para com indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas - povos tradicionais que estão na origem da formação das sociedades na Amazônia -, a fim de garantir o direito desses povos ao ensino superior público, gratuito e de qualidade. A presença desses povos na Universidade tem diversificado o modo de ser da academia e da ciência na Amazônia, vocacionadas a conhecer e contribuir para o desenvolvimento sustentável desta região. Todas as políticas que temos implementado nos últimos anos são fruto da luta desses povos e de sua participação ativa na concepção, implementação e avaliação das políticas institucionais, motivo pelo qual temos alcançado significativos resultados. Temos orgulho de nossa universidade ser hoje também um território indígena, quilombola, ribeirinho e extrativista", declarou o reitor da UFPA, professor doutor Emmanuel Tourinho.

 

Mestrando quilombola ressalta honra à ancestralidade

Acesso, permanência e formação superior aos povos indígenas e quilombolas hoje é uma realidade compartilhada por Alaci Maciel, que é mestrando em Antropologia, com formação em Serviço social. O acadêmico conta que é o primeiro entre cinco irmãos, de uma família quilombola, a ingressar no ensino superior.

"Sou o primeiro a ingressar. Concluí o fundamental, o médio, a graduação e agora curso o mestrado. O nosso processo não é sistema de cotas, o nosso é reserva de vagas. Eu escolhi o curso por me apaixonar pela profissão, daí a importância dessas políticas afirmativas, dando sempre oportunidade aos que tiveram direitos negados por gerações", comentou o mestrando.

Alaci relembra a sensação de ser aprovado em uma universidade pública e afirma ser uma grande responsabilidade, por entender que ele não fala por si ou só se representa. Por outro lado, carrega um legado que tem ligação com a ancestralidade de toda a família. "A sensação de passar no curso foi algo mágico, pois há muitos anos nosso direito de adentrar em uma faculdade era negado, mas com muitas lutas de nossos antepassados, hoje estamos ocupando essas vagas, cada vez mais em números maiores. Mas sabemos que ao adentrar em uma faculdade, trazemos uma responsabilidade imensa que é honrar aqueles que lutaram por nós", revela.

"A questão da representatividade é algo maravilhoso. Sabemos que nem sempre iremos agradar todo mudo, mas sempre procuramos dar o nosso melhor. E sobre ser um exemplo, eu já me vejo como, pois dentro do meu quilombo construí uma grande história pela perseverança que tive e estou tendo para alcançar os meus objetivos", completou.

O futuro mestre em Antropologia desabafa ao falar sobre as dificuldades que as pessoas quilombolas sofrem. Ainda assim, mesmo não sendo fácil conviver com o racismo, somente o ensino superior proporciona ferramentas para mudar a realidade dele e de outros povos.

"Não foi fácil chegar aonde eu estou. Passei por muitas coisas que me davam razão para desistir. Cá estou eu lutando. Sofri e sofro preconceito, racismo e sem contar o meio de sobrevivência dentro de uma capital que não é fácil. Principalmente para mim, que não tenho nenhum tipo de bolsa ou auxílio subsídios. Esses que nos dão um suporte para permanecer. Não é por isso que vou desistir. Não importa se eu passo fome ou durmo na rua, mas vou lutar por meu sonho", concluiu Alaci.

image Josilene diz que pretende contar a história a partir dos olhos dos povos indígenas (Ivan Duarte / O Liberal)

Indígena sonha em ser historiadora para contar história dos povos

Josilene da Silva Nunes, indígena da etnia Galibi-Marworno, é natural da Terra Indígena Juminã, aldeia Uahá, localizada na margem do rio Oiapoque (Oiapoque/Amapá). Josi, como é chamada, relembra a aprovação em 2020, no curso de história da UFPA. Foi um momento de começar uma nova vida, com o apoio dos pais. Sabia que seria uma rotina diferente da que estava acostumada na aldeia.

"Somos cinco irmãos e fui a primeira a ingressar no ensino superior da minha família. Segui rumo ao Pará, deixando a vida tradicional Indígena na aldeia e viver uma nova vida para formação profissional acadêmica. Decidi por licenciatura em História, devido ouvir vários fatos históricos dos povos indígenas. Resolvi ser uma Indígena historiadora. Não só escrever a minha história e do meu povo, mas ensinar a verdadeira história e pautar documentários que sejam registrados com respeito aos povos Indígenas", ressaltou Josi.

A estudante compara o caminho de uma floresta escura e com perigos, com o caminho que se faz no ensino superior. Para ela, a política de inclusão dos povos tradicionais é uma luz nessa floresta. Bem como o apoio de outros parentes, que é como as pessoas - mesmo de etnias diferentes - ao se encontrarem. "Associo como uma caminhada longa no meio de uma floresta escura, cheia de animais perigosos, mas que com uma superação de caruãnas  e dos espíritos dos meus antepassados eu vou conseguir chegar lá. Vou abrindo caminhos, passando por tantas barreiras como o preconceito, racismo a dor, a angústia. Vou poder colaborar e ajudar meu povo de muitas maneiras", diz.

Josilene cursa o terceiro semestre, mas sonha com o dia que receberá o diploma de graduada pela UFPA e celebrará entre os entes queridos o percurso que começou em 2019, com a inscrição no Processo Seletivo Especial. "O diploma nas mãos é sonho de todos e todas indígenas acadêmicos. A faculdade sempre foi considerada um período bastante único e especial, com experiências positivas e negativas.  Ao final de todo esse processo árduo, não poderia faltar uma boa confraternização para dividir a conquista com os colegas e pessoas queridas. Sempre em coletividade com os e as parentes dentro da UFPA nos fortalecem a vencer os desafios. A APYEUFPA é essa coletividade que nos acolhe e nos faz fortes", finalizou.

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